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CARLOS CARIMA
02/09/2025
Black Magic Realism: a estética de Carlos Carima em que o corpo e a cor são expressão indissociável da natureza
Carlos Carima (1995), é pintor, performer, um artista que se expressa através do estudo da cor, pela elegância dos corpos negros em descanso e a ancestralidade que os atravessa — compreendendo, no fundo, a natureza que envolve tudo isso: que é viver.
Carima entende o seu trabalho sobre a estética Black Magic Realism, em que as pinceladas livres e abstratas em telas pintadas com nuances e tonalidades monocromáticas, convidam a uma reflexão profunda sobre a realidade das subjetividades.
A performance surge como continuidade orgânica dessa conversa entre cor e corpo. Contaminação do movimento na pintura simultânea de telas e dos deslocamentos geográficos, profissionais e simbólicos que tem vivenciado e observado nos recortes de revista e arquivo familiar que utiliza como elementos de produção.
Como artista angolano e alemão, questionando os limites do nacionalismo, partilha com a Artecapital como tem sido viver com distinção artisticamente.
Por Filipa Bossuet
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FB: Black Magic Realism foi a mais recente mostra do teu trabalho. Realizou-se na galeria DOXSDOKS.
CC: Há mais de um ano que vivo aqui em Colónia [Alemanha] e foi a primeira exposição individual nesta cidade. Já apresentei o meu trabalho em cidades como Düsseldorf e Dortmund.
Foi um convite da galeria, é uma galeria local. Não é uma grande instituição, mas o trabalho foi realizado em seis meses de forma muito colaborativa, empática, entendemo-nos muito bem. Foi muito bom, vieram mais de 100 pessoas no primeiro dia e no segundo dia ainda mais pessoas. Foi muito importante porque vieram muitas pessoas negras.
Apresentei cinco pinturas. A primeira pintura que fiz foi a partir de uma fotografia de quando vim para a Alemanha com a minha avó através de um pedido de asilo. Morávamos num quarto (na época quem pedia asilo morava em quartos com muitas pessoas) e fiz essa pintura de forma a ressignificar esse momento em algo mais bonito do que era antes. Outras pinturas são de pessoas que vi, imagens de pessoas negras que recorto de revistas. Todas estas pessoas que são referência para mim tornam-se irreconhecíveis nas minhas pinturas.
Nesta série de pinturas refleti muito sobre a fragilidade do homem negro, que muitas vezes é retraída. Os homens negros são impulsionados pela sociedade a não demonstrar os seus sentimentos, a serem sempre fortes. Acho que acaba por ser uma característica de alguns homens angolanos e de muitos pais.
FB: Porque é que escolhes buscar imagens que já existem para construir os teus universos na pintura?
CC: Eu faço muitas coisas de forma inconsciente no meu processo de criação que se tornam elementos cruciais para a minha produção artística. Existem pinturas que fiz em que eu me fotografei antes, por exemplo, em diferentes posições, depois juntei recortes de uma cabeça ou de um braço de outras pessoas, e tudo isso vem junto.
Tenho um monte de imagens na cabeça, assim como no meu arquivo de fotografias de família.
É difícil inspirar-me apenas numa coisa, por exemplo, inspirar-me apenas no arquivo familiar para mim é limitante porque não quero que as pessoas se reconheçam umas às outras. Não quero que ao verem uma pintura minha identifiquem um determinado presidente ou uma outra pessoa específica.
As minhas pinturas também surgem da ideia de descanso, como a escritora Tricia Hersey reflete no livro Descansar é Resistir: Um Manifesto. Em muitas das minhas pinturas as figuras não estão a fazer nada. Estão sentadas ou a dormir, por exemplo.
Tenho uma pintura – que já foi vendida – de um mano angolano que veio ao meu estúdio. Pedi a esse meu amigo angolano que viesse ao meu estúdio para fazer uma pintura dele – é importante para mim que ele fosse angolano porque é parte do que eu sou, uma vez que fui criado em Angola e só depois é que vim para a Alemanha - e durante esse processo ele acabou por dormir enquanto eu pintava. Gostei muito que isso tivesse acontecido, porque eu queria fazer uma pintura de uma pessoa a dormir e nesse processo ele acabou mesmo por dormir. Gostei muito dessa relação e de como aconteceu de forma natural.
Não foi apenas a pintura que aconteceu, mas o momento transcendeu. A pintura chama-se Olhos Angolanos.
FB: Há uma liberdade no teu traço que está relacionada com a tua necessidade de não querer identificar especificamente as pessoas, mas criar uma conexão entre elas?
CC: Uma coisa que me fez bem ao coração aconteceu nesta última exposição que fiz, em que um moço – que conheci há pouco tempo – disse-me que conseguiu ver-se nas pinturas, e agradeceu-me muito.
Eu quero que as pessoas vejam as pinturas e pensem que aquelas figuras representadas podem ser elas. Eu sou pintor, faço pinturas para as pessoas se reconhecerem. Se as pessoas não se reconhecerem, é difícil. Eu não sou um pintor realista, eu tento fazer pinturas para que as pessoas se possam conectar e sei que não é por ter feito uma licenciatura em pintura – onde aprendi muito – que irei conseguir fazer com que essa conexão exista.
Eu vejo que existem muitas pessoas que fazem pinturas muito realistas, mas acho que a pintura precisa que as pessoas gostem também das cores, e não é só a realidade que vai puxar as pessoas para a pintura, mas também, é importante a ideia sobre o que se quer falar.
A pintura é uma projeção e as pessoas podem projetar tudo o que quiserem sobre elas.
Pinto de forma monocromática para aprender mais sobre as cores. Faço pinturas só com azul, só com amarelo, verde ou vermelho. Tento encontrar tons da mesma cor para criar conexão. Com o verde, as pessoas ligam logo à natureza, pensam em plantas; o vermelho, ao amor, etc. Através dessa associação, facilmente conseguem iniciar uma conversa.
FB: Existem outros significados relacionados com essas cores, para além das associações mais automáticas que falaste?
CC: Sim, por exemplo, eu tenho uma obra que se chama Yellow of the Sun. Existe uma música de uma artista de Inglaterra que se chama Nao que tem uma música que se chama Yellow of the Sun, eu gostei muito desse nome e quando terminei a pintura de uma pessoa negra, pensei nessa associação de que o sol não é só amarelo: também é a energia de uma pessoa negra e do corpo negro. O sol é vida. O objetivo é tentar fazer associações com uma cor que as pessoas conhecem de algo tão natural.
Fiz esta obra ao mesmo tempo que fazia a There will be Healing, à procura de um amarelo que mesmo que não se goste da cor, se sinta a sua presença.
As cabeças das figuras que aparecem nas pinturas são negras e não há uma diferença entre o corpo e o espaço onde se encontram sentadas. Tudo é uma coisa só.
Eu quero que as pessoas façam a associação do corpo negro com a natureza. Gosto muito de estar na natureza — ainda ontem fui andar de bicicleta fora da cidade. Nós, pessoas que vivemos na cidade, precisamos de ter esse contacto; precisamos do verde, da água, da terra. E eu preciso de ver tudo isso na pintura. Preciso de ver o corpo negro na natureza.
Quando estiver mais velho, com 60 anos, não quero viver na cidade. Quero que as figuras que pinto existam, que existam num lugar melhor do que este, onde se sintam bem.
Também faço performance e aprendi muito com essa expressão artística. Na performance, quando o corpo entra num espaço, sente-se logo uma energia. Essa energia percebe-se na forma como o corpo se posiciona ou noutros traços de personalidade que se revelam apenas através da sua existência ali, sem que a pessoa tenha de falar. Tento transportar isso para a pintura. Há a perceção de que o corpo e o espaço são dimensões diferentes, mas não. Sem espaço não há corpo, e sem corpo o espaço não existe. O espaço tem sempre uma energia, tal como o corpo. A perna da figura representada no Yellow of the Sun é grande; o braço revela um movimento mais solto, vulnerável. Através dessas nuances, tento sempre mostrar a existência do homem, nas contradições do corpo e da escala na pintura.
Não tenho feito muita performance para o público, tenho feito mais para mim. A performance é uma prática que eu só consigo fazer com uma audiência específica, não branca, que percebe performance noutras dimensões. Às vezes faço performance para perceber o que estou a sentir e o que vejo ao meu redor: por vezes coloco-me numa determinada pose, levanto a minha mão para perceber o que estou a sentir, reflito sobre o que me faz bem ou não, desenho todos os dias, observo os movimentos do meu corpo nesse ato, e por aí além…tudo isso é performance para mim.
Existe um termo que encontrei para a minha prática que se chama Black Magic Realism.
FB: Observas o Black Magic Realism como uma estética criada por ti?
CC: Isso é uma das coisas. O surrealismo constrói-se através dos sonhos; eu quero que o realismo mágico negro seja um posicionamento meu perante a sociedade e que, nas minhas pinturas, se fale da realidade do que nos está a acontecer. Penso que as coisas que acontecem às pessoas negras não correspondem a uma realidade normal. Quero criar uma forma de humanidade em que as pessoas possam ser e fazer — não só nos sonhos, mas na realidade.
As minhas obras respondem ao olhar violento sobre os corpos negros com um olhar humanizado. Através da pintura, crio uma realidade própria, onde a vulnerabilidade e o luto são permitidos. Uma permissão para os comportamentos que, muitas vezes, são negados aos homens negros nas suas realidades.
FB: Os gestos e os movimentos do teu corpo estão muito explícitos no teu traço e nas decisões que tomas sobre a cor — por vezes mais opaca, outras mais translúcida. Como se relacionam o corpo e a tela no teu processo criativo?
CC: Eu quero aprender sempre alguma coisa sobre uma cor. Tento observar uma cor na natureza, colocá-la na tela e aplicá-la de formas que nunca vi, é quase uma dança. Como pintor gosto desse processo de pesquisa da cor, de misturá-las e usar como base de outras descobertas em pinturas novas. Essa dança acontece também porque faço muitas pinturas ao mesmo tempo e acaba por acontecer uma simbiose natural.
FB: O que sentes na escolha de pintar obras de pequena e grande escala?
CC: Eu gosto mais de pintar em grande escala, a pequena escala exige mais tempo.
Agora estou a fazer três outras pinturas mais pequenas e é necessário abandonar a obra por um tempo para deixar secar algumas partes. Em grande escala, os detalhes são menos demorados de se fazer. Gosto de pinturas de dois metros, por exemplo.
Em breve vou ter o meu novo estúdio e vou conseguir voltar a pintar obras maiores. Na casa onde vivo não é possível pintar obras de dois metros ou mais.
FB: Em 2023, apresentaste a performance Spirituality and Quietness no Schauspielhaus, em Dortmund. Qual foi o impacto que teve em ti e no público?
CC: Teve um grande impacto porque foi a primeira vez que fiz performance numa instituição grande. Foi mesmo uma questão de energia. Um dia antes da apresentação, orei com a minha avó e gravei a oração no telemóvel.
No dia da performance, enquanto me preparava, ouvi a oração para me concentrar. Durante a performance, percebi o quão as pessoas também sentem esse tipo de preparação através da postura do meu corpo e os movimentos que escolho fazer. A minha performance foi muito curta – 3 ou 4 minutos. Muitas pessoas disseram que gostariam que tivesse mais tempo.
A performance aconteceu comigo encolhido no chão em posição fetal durante dois minutos, não fiz nada, como as figuras representadas nas minhas pinturas. A certo momento, levantei e caminhei devagar sobre um espaço entre cortinas. Por fim, disse e repeti três ou quatro vezes a palavra paz em português e em Kimbundo – Tushibakate – palavra que aprendi com a minha avó. Foi uma forma de sentir e fazer paz. Eu queria ser paz para conseguir dar paz.
As pessoas pensam que a performance tem de ser elaborada com grandes movimentações, percebi que ao longo da apresentação existiam pessoas sentadas ansiosas para saber o que iria acontecer a seguir. Eu não queria ser um entretenimento, queria que tal como durante a pandemia, em que fomos obrigados a estar sentados para refletir, fizéssemos o mesmo durante a performance. Movimentei-me devagar, respirei e voltei à mesma posição do início.
FB: Quando começaste a criar? Lembras-te da primeira vez que fizeste algo e pensaste “isto é arte”?
CC: A primeira vez que pensei que poderia pintar profissionalmente foi em 2020, antes trabalhava na gastronomia, era futebolista, tinha uma marca de t-shirts, já fiz muitas coisas. Com a covid-19, conversei com a minha avó sobre essa possibilidade, ela disse-me que tinha que fazer alguma coisa da minha vida.
Refleti e cheguei à conclusão de que escrever e pintar eram coisas que eu fazia sem que me pedissem, algo que surgia naturalmente quando não sabia o que fazer com as minhas emoções. Pensei em investir nisso e comecei a formular um plano: ir para a universidade, ter um contacto mais intencional com a arte — visitar museus, ler livros e trabalhar profissionalmente nessa área. Sempre gostei muito de artes, era algo que fazia parte da minha vida como hobby. Sempre que não tinha nada para fazer, via os trabalhos de artistas como Frida Kahlo, René Magritte ou Basquiat, mas sem a intenção de seguir profissionalmente enquanto artista. Só mais tarde me apercebi dessa possibilidade na minha vida.
Percebi que toda a minha experiência nas várias coisas que fiz trouxe-me até aqui e está presente nas minhas pinturas.
FB: Formaste-te com distinção na Universidade de Belas Artes de Essen, Alemanha. Como foi a experiência com o percurso que tinhas?
CC: Por já ter feito muitos trabalhos fora das artes, foi mais fácil entrar na área, porque eu não entrei por não saber o que queria fazer. Entrei com mais maturidade, sabia que queria pintar figuras negras e como queria colocar em prática para envolver as pessoas na minha produção. Nem sempre foi fácil porque estava com pessoas mais jovens que vinham diretas da escola, mas para trabalhar artisticamente é necessário experiência. Foi bom para mim porque já estava mais estabilizado na minha personalidade, nas ideias que tinha, nas coisas que me aconteciam. Não entrei na universidade a esconder-me ou com medo de falar, articular as minhas ideias, mas não deixou de ser difícil estar numa instituição em que todas as pessoas são brancas, fui o único negro da minha sala.
Eu já sabia como esse sistema alemão europeu funciona e comecei a navegar de uma maneira que me permitisse continuar os meus estudos. Vivi e presenciei episódios de racismo, algumas situações eu falei, outras deixei passar para conseguir concentrar-me nas minhas pinturas. Aprendi muito com os meus mentores e as pessoas com quem estudei. Tirei aquilo que precisava, ajudava muito as pessoas e também fui muito ajudado. As conversas foram essenciais para me conseguir envolver, contribuíram muito para o meu pensamento artístico. A universidade foi uma grande ajuda, uma boa experiência.
Gostaria de ter tido professores negros, mas não me arrependo de ter tido a ideia de aprender pintura porque isso deu-me mais técnica e sabedoria para entender o que preciso e o que não preciso. Deu-me mais direção.
FB: Deu-te direção para construíres a tua carreira profissionalmente, no que diz respeito à criação de um percurso, por exemplo, em instituições e galerias – pensares na tua estabilidade financeira?
CC: Não, isso a universidade não fez. Eles mostraram-nos outros contactos, mas eu tive sempre que procurar formas de ter visibilidade autonomamente: pensar no valor das pinturas, por exemplo, é algo que eu tive que entender sozinho.
FB: Como tem sido para ti organizares-te financeiramente?
CC: Eu tinha ajuda do Estado alemão e antes vivia perto do meu estúdio. Vivia num apartamento que era apenas um quarto e para além de ter um estúdio também pintava na minha casa. Isso aconteceu há 3 anos, o dinheiro todo que tinha metia nos materiais para as pinturas. Fazia outros trabalhos para pagar a renda e outros que estavam relacionados com coisas artísticas.
FB: Que influências artísticas, políticas ou afetivas marcaram o teu início?
CC: Tenho muitas, mas uma pessoa que me inspirou muito foi o Kerry James Marshall, quase que já ouvi todas as entrevistas dele no Youtube. Li muitas coisas sobre ele e as suas ideias. Sinto que ele é um mentor que nunca conheci pessoalmente.
A Lunete Yadomboate, que também pinta muito bem, em 2022 estava com uma exposição individual aqui perto e quando vi as obras dela foi um sonho, pensei logo que queria pintar como ela pinta, foi algo espiritual ver pessoas negras representadas em pinturas nessa exposição. Jennifer Packer também é outra artista que gosto muito, das suas pinturas. Nathaniel Mary Quinn é um pintor que faz colagens. Existem muitos artistas como Lubaina Himid e Noah Davis, gosto bué.
FB: Nasceste em Luanda, Angola, e depois foste para a Alemanha. Como tem sido viver esses deslocamentos geográficos, simbólicos e artísticos?
CC: Eu vim para a Alemanha com seis, sete anos, e Angola ainda está na minha cabeça. Lembro-me das estradas, ainda tenho fotografias da minha infância lá, na memória. A última vez que fui a Angola foi em 2016, há quase dez anos.
A Alemanha não é simples, nunca foi simples. Eu tento sempre ter o meu espaço, mas as pessoas aqui são difíceis, são frias. Claro que existem pessoas agradáveis, mas este não é um lugar que eu possa dizer que é a minha casa. Acho que me sinto melhor em Angola, mas a diáspora sente muito aquilo que eu sinto: quando vou a Angola, dizem que sou tipo um alemão; quando estou na Alemanha, sou o preto.
Acho que preciso de regressar a Angola este ano ou no próximo, para visitar a família, mas também para sentir esse calor, essa proximidade com o país. Quero tentar encontrar inspiração, porque estou a fazer muita pesquisa de referências angolanas, dos Ovimbundos, e estou a aprender a falar Kimbundo.
Estou a decolonizar algumas coisas que aprendi aqui, na forma de viver. Mesmo estando aqui há 23 anos, a Alemanha continua a ser um país difícil. Mas existem coisas a que tenho acesso, como segurança, saúde, a mobilidade é mais fácil — embora um corpo negro nunca esteja completamente seguro nestes contextos.
FB: Onde é que te sentes em casa, sendo que, pode ser outra referência que não a de um espaço físico?
CC: Acho que “casa” também é uma forma de sentimento. Existem momentos em que me sinto em casa quando estou com a minha avó, momentos bem bonitos em que não penso que preciso de pagar uma determinada conta ou fazer uma pintura, esses momentos também acontecem com a minha namorada. São sentimentos e momentos, e não necessariamente lugares físicos ou geográficos. Acho que o nacionalismo é que traz problemas.
Sinto-me à vontade em Angola, quando estive lá, fui de moto-táxi para lugares que não conhecia, andei à vontade. Eu gostaria de não ter que pensar em segurança quando estou aqui na Alemanha.
Por exemplo, fui para a África do Sul em dezembro e janeiro, estive com a família da minha namorada e tive momentos em que me senti em casa. Casa é um momento, uma emoção.
FB: Foste nomeado este ano para o prémio "Junge Positionen NRW" — um reconhecimento a jovens artistas das academias da Renânia do Norte-Vestfália. O que significou a nomeação para o prémio e que portas foram abertas?
CC: Eu gostei muito, porque foi um sinal de que estou num bom caminho. Por vezes, esse tipo de reconhecimento é importante. Eu já sabia que o que eu faço é bom, mas deu-me mais força. Mesmo que não tenha ganho, ter sido nomeado foi muito importante porque foram selecionados dois artistas, sendo que, no contexto académico existem artistas incríveis.
Há dois meses que sou representado por uma galeria, eles vendem as minhas pinturas. Essa é uma forma de entrar nas instituições e eu vou submeter a outros prémios. Eu quero que o meu trabalho me leve para outros caminhos. Quero internacionalizar o meu trabalho, fazer exposições em Angola. É bom estar aqui na Alemanha, mas eu quero estar noutros espaços também.
FB: Na Alemanha, financiamentos a serem recusados, espaços independentes a fecharem e artistas a terem que recalcular rotas, muitos até a saírem do país. Extrema direita e a arte, como tem sido viver tudo isso?
CC: Está difícil, mas isso já acontece há dois ou três anos. O dinheiro do Estado para a cultura tem sido reduzido. Existem algumas iniciativas privadas que têm apoiado os artistas.
Estou a concentrar-me em vender os meus trabalhos para, com esse dinheiro, financiar as minhas exposições e outros projetos artísticos. Não quero esperar que outros definam o valor do meu trabalho ou quando ele terá que ser exposto. Quero criar o meu valor através das minhas próprias iniciativas. O preço das minhas obras está mais alto precisamente por isso. Sei que, com o estado atual da economia, é difícil aumentar o preço das minhas obras, mas acredito que existem pessoas com capacidade financeira para comprá-las, mesmo na situação atual da Alemanha.
Está difícil porque, aqui na Alemanha, existe a regra de que, quando um artista faz uma exposição, deve receber um valor, mesmo que as obras expostas não sejam vendidas, neste momento, isso está a deixar de acontecer. Infelizmente, o que tem acontecido também é que apenas os artistas com um histórico de grandes privilégios financeiros têm conseguido estar nas galerias, fazer residências e expor internacionalmente.
FB: Como imaginas o futuro da arte contemporânea angolana e o teu lugar nele?
CC: Boa pergunta. Eu quero participar, quero ser reconhecido como artista angolano que se expressa através da pintura de forma relevante. Eu não meto a Alemanha à frente quando me apresento, eu digo que sou um artista angolano. Tenho passaporte alemão e angolano. Estou a ver, por exemplo, a Sandra Poulson, estou a ver você, a Helena Uambembe, Kiluanji Kia Henda e outros artistas de outras partes do continente africano. Acho que nós angolanos precisamos dessa força de sermos reconhecidos como artistas angolanos. Não falo isso apenas pela nacionalidade, mas representar um país é representar as pessoas que habitam esse espaço. Por isso, comecei a meter o nome de Angola nas minhas pinturas.
Não sei como a cultura em Angola vai progredir, mas eu gostaria que os angolanos fossem reconhecidos internacionalmente, porque vejo Gana, Nigéria, África do Sul a serem reconhecidos, mas quase nunca vejo Angola.
FB: Qual foi a coisa mais bonita que te disseram sobre o teu trabalho?
CC: Na minha solo performance Black Magic Realism crianças também estiveram presentes. Sempre levo um caderno para que as pessoas possam escrever o que quiserem e um miúdo de nove anos escreveu: “A arte é a tua vida e a vida também é uma arte”. Outra escreveu: “Se você é luz, o teu amor também está nas imagens que partilhas, e irás receber todo esse amor de volta”. A de 12 anos escreveu: “A tua arte me movimentou muito, lembrei-me do meu pai e da minha cultura”.
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O trabalho de Carlos Carima pode ser visto actualmente em:
15.7 - 22.9 Exposição colectiva Afro German Art / Galerie der Künstler , Munique
20.9 E-WERK Luckenwalde, Berlin