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ENTREVISTA


Pedro Barreiro, Lisboa, 2020. Fotografia: AlĂ­pio Padilha.


an artist is always working, Lisboa, 2021. Fotografia: AlĂ­pio Padilha.


an artist is always working, Lisboa, 2021. Fotografia: AlĂ­pio Padilha.


an artist is always working, Lisboa, 2021 Fotografia: Silvana Ivaldi.


an artist is always working, Rivoli - Teatro Municipal do Porto, 2021. Fotografia: Pedro Barreiro.


Que farei eu com esta espada?, Galeria Mira, Porto, 2019. Fotografia: Aline Macedo.


Traumatheatre – variação isolada (sopro), Cão Solteiro, Lisboa, 2019. Fotografia: Aline Macedo.


Acting Club, Cine-Teatro Rogério Venùncio, Minde, 2019. Fotografia: Aline Macedo.


Ó Bibi, apita aqui!, Centro Nacional de ExposiçÔes e Mercados AgrĂ­colas (CNEMA), SantarĂ©m, 2019. Fotografia: Aline Macedo.


Break, Brake, Breique, Braque, Galeria Underdogs, Lisboa, 2019. Fotografia: Aline Macedo.


Senhor Joane, Catedral de Idanha-a-Velha, 2019. Fotografia: Rui FĂ©lix.


O Mandarim – apĂłstrofe e paciĂȘncia, Teatro SĂĄ da Bandeira, SantarĂ©m, 2017. Fotografia nĂŁo creditada.


Provisório, Teatro Så da Bandeira, Santarém, 2016. Fotografia: Silvana Ivaldi.


um espectĂĄculo absoluto, Companhia do FeijĂŁo, SĂŁo Paulo, 2014. Fotografia: Leekyung Kim.


Tool Box, Satyros I, SĂŁo Paulo, 2012. Fotografia: Ricardo B. Marques.


Porque o destino nos segue o rasto como um louco com uma navalha na mĂŁo, Palco Oriental, Lisboa, 2011. Fotografia: Ana Ribeiro.

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JORGE MOLDER



MANUEL J. BORJA-VILLEL



MIGUEL VON HAFE PÉREZ



JOÃO RENDEIRO



MARGARIDA VEIGA




PEDRO BARREIRO


22/02/2021 

 

 

Em 2020 Pedro Barreiro inicia a performance An Artist is Always Working. Começou no dia 11 de novembro de 2020 e não tem uma data para terminar. É uma performance duracional que acontece a todas as horas e minutos, e que inclui todas as situações do dia-a-dia do artista. Pode ser acompanhada no site www.alwaysworking.art, onde são sincronizadas, em tempo real, as coordenadas geográficas do artista – o local onde está a acontecer a performance – e sinalizados todos os momentos em que o artista tenha uma ideia. No final de cada mês o site emite um relatório destas actividades.
Pedro Barreiro é artista e programador. É actualmente programador do espaço Rua das Gaivotas 6.

 

 

Por Isabel Costa

 


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IC: Em janeiro de 2019 começaste a ser programador do espaço Rua das Gaivotas 6. Qual o balanço destes dois anos?

PB: Apesar de todas as dificuldades, das inerentes às contextuais, faço um balanço positivo. Por um lado, é muito estimulante participar no projecto da Rua das Gaivotas 6, onde é feito um grande investimento humano e financeiro para que artistas com menor acesso ou menos condições, com práticas divergentes ou marginais, possam ter um espaço, com uma equipa e com recursos técnicos, onde conseguem experimentar e testar publicamente, com relativa visibilidade, os resultados do seu trabalho. Por outro lado, é também frustrante ver tanta gente recorrer a um espaço como a Rua das Gaivotas 6, como se fosse o único espaço em Lisboa através do qual poderão emergir, profissionalmente, na cena artística contemporânea. Não é o único, é certo, mas é dos poucos. E desses poucos, não me refiro a nenhum espaço institucional de gestão pública, com capacidade financeira para garantir condições profissionais dignas, e para transformar positivamente a dinâmica da criação artística nacional que, a meu ver, continua a ser demasiado pobre. E é pobre, principalmente, pela falta de investimento e pela falta de coragem de programadores e de decisores públicos. Talvez me tenha desviado da tua pergunta mas, se é para fazer balanços, que se ponha algum peso na coisa.


IC: Em 2009 fundaste a companhia Sr João. Estiveram sediados no Brasil. Olhando para trás, que diferenças maiores encontras entre manter uma estrutura no Brasil e em Portugal?

PB: Primeiro é bom dizer que o Sr. João é muito pouco estruturado e não é bem uma companhia. É, acima de tudo, um grupo de amigos, que também são artistas, que a certa altura decidiu dar um nome a esse lugar de cumplicidade no qual se encontravam para criar em conjunto. Depois, os contextos são tão diferentes que é impossível comparar. Em São Paulo, éramos um grupo de artistas portugueses que ali moravam e que faziam muitas coisas, juntos e separados. Fizemos espectáculos, nossos e de outras pessoas, participámos em filmes, estudámos e demos aulas, conhecemos muita gente, viajámos e, principalmente, divertimo-nos à grande, sempre com uma actividade muito intensa e em meios extremamente estimulantes. Mas nunca dependemos financeiramente do Sr. João (estaríamos bem tramados), e sim dos vários trabalhos que íamos fazendo. Enquanto conseguíssemos e nos apetecesse estar por lá, mantinha-se o Sr. João no Brasil. Passados quase cinco anos, em 2014, quisemos vir embora. Eu e a Silvana fomos para Santarém, o Óscar foi para Londres e o Ricardo ainda por lá ficou mais uns tempos. Entretanto demos por nós e estávamos todos em Portugal outra vez. E foi aí que decidimos fazer o Estudo de Materiais (ou Anacronias Gerais), em 2019. De resto, continuamos a ser um grupo de amigos, que também são artistas, e o Sr. João continua a existir, como uma associação da qual nenhum de nós depende para manter o que quer que seja.


IC: Na tua perspectiva, qual a função do/a programador/a? A sua programação deve interferir nos assuntos da cidade onde programa?

PB: Comecemos por pegar na tua última questão, que responde parcialmente à anterior. O programador, existindo, interfere na programação e nos assuntos do lugar onde programa, contribuindo e participando nas dinâmicas desse lugar. Isso é que é programar. E deve fazê-lo com responsabilidade, brio, generosidade, dedicação e valentia. Repara que, pegando na tua frase, substituí “cidade” por “lugar”. Não só porque recuso o entendimento dessa função como parte de um fenómeno tendencialmente urbano, mas porque considero que o lugar no qual o programador interfere são vários lugares ao mesmo tempo – e que, de resto, são muito semelhantes aos lugares nos quais interfere o artista.


IC: No teu entender, qual deve ser a proximidade d/a programador/a com os objectos artísticos produzidos?

PB: Essa medida é variável e deve depender, primeiro, da vontade dos artistas e, depois, da natureza do projecto de programação e da pessoa que programa. Eu prefiro ter proximidade com os artistas que programo, seja para os conhecer melhor, seja para me conseguir posicionar com maior propriedade sobre as suas obras. Mas, por princípio, eu dou carta branca aos artistas que programo, não lhes impondo quaisquer limites além dos que têm que ver com a integridade física do edifício e com a lei vigente. Connosco, na Rua das Gaivotas 6, existe essa proximidade de par e prestamo-nos, eu e a equipa, ao acompanhamento dos projectos e ao apoio às criações, sempre que possível e quando assim for desejado pelos artistas. Já se o caso forem outros regimes, em que a proximidade tem como objectivo o condicionamento de artistas e o controlo sobre as suas obras, devemos combatê-los com toda a força, e para vencer.


IC: Uma pergunta simples: programas aquilo que não gostas?

PB: Ora, a maior parte daquilo que programo não existe como objecto quando o programo. Ou seja, não tenho forma de saber se gosto ou não da coisa, na medida em que ainda não a conheço. Depois, acho que o gosto não deve ser para aqui chamado, não só porque limita e reduz os juízos e as considerações que se podem tecer sobre uma coisa, mas principalmente porque há critérios bem mais importantes. O que pode representar, no percurso de um artista, ser programado naquele momento, ter aquele espaço, poder experimentar, testar publicamente o seu trabalho? E de que forma é que aquele artista ou aquela peça dialogam com outras peças e com outras pessoas e participa no mundo? O que é que a coisa opera, o que produz, o que propõe, como se posiciona, de onde vem? Como se diferencia, o que põe em causa, o que reconfigura, de que modo é relevante? Tanto em relação à sociedade e ao tempo em que vivemos, como em relação ao lugar e ao sistema aos quais pertencem as obras, que é a arte. E nada disto tem que ver com modelos de eficácia, até porque pode ser muito mais importante programar um artista correndo o risco de que ele se espalhe ao comprido do que programar um artista que apenas confirma aquilo que já sabemos.


IC: Foste programador artístico do Teatro Sá da Bandeira em Santarém entre 2015 e 2017, e és programador da Rua das Gaivotas 6. Esta função é agora parte da tua actividade artística. A performance que estás a apresentar An Artist is Always Working (alwaysworking.art) comenta e desafia a relação do artista com a instituição que o acolhe, e com a ideia de um resultado final. Estás, de alguma forma, a reflectir sobre a tua experiência como programador?

PB: Estou, também, a reflectir sobre a minha experiência como programador, mas muito mais sobre a minha experiência como artista e como cidadão. É que cidadão e artista eu sou sempre, programador só quase sempre. Quando comecei a trabalhar no Teatro Sá da Bandeira, uma das estratégias que usei, a bem da minha saúde mental, foi encarar a direcção artística e a programação daquele teatro municipal como se aquilo fosse um espectáculo. O que eu sabia era fazer espectáculos, nunca tinha dirigido ou programado um teatro, então assumi essa função como parte da minha actividade artística. Isto para dizer que a função de programador já fazia parte da minha actividade artística antes desta peça. É certo que esta peça subverte várias coisas, especialmente no que respeita à natureza do fazer artístico, à relação do trabalho com o produto e à relação do sujeito criador com os sujeitos financiadores e mediadores. Mas a lógica de subversão que constitui esta peça não só já se encontrava nas opções e nos critérios poéticos que formalizaram todas as peças que fiz até hoje, como em ideias que tive muito antes de me ter tornado artista. Uma dessas ideias, fundadora, acompanhou-me durante o pouco tempo em que fui estudante de Direito. Pouco depois de entrar na Faculdade de Direito de Lisboa (lugar onde fiz um único amigo, que acabou por ser determinante para o que vim a ser), comecei a desenhar um objectivo que se tornou na minha única motivação em continuar ali. Terminando o curso, haveria de escrever um livro intitulado Da nulidade de todos os actos jurídicos, que haveria de fazer jurisprudência para rebentar com aquilo tudo. Uma ideia anarquista, ingénua, impraticável e, sem disso desconfiar na altura, muito perigosa. Percebi, pouco depois, que para prosseguir com essa ideia lhe devia dedicar toda a minha vida e que, inevitavelmente, iria perder no final. No máximo, aquilo seria apenas mais uma excentricidade. Então decidi que iria ser actor. Depois, acabei por me tornar artista, um artista que está sempre a trabalhar (como todos os artistas) e que às vezes também é programador.


IC: Allan Kaprow, no final da década de 50, iniciava uma prática artística com o intuito de tornar qualquer acção do dia a dia num acto performativo. O que veio a chamar de Happening tinha como objectivo a representação da vida quotidiana, ligada á espontaneidade, ao que não está bem ensaiado. Interessa-te pensar no potencial performativo destas acções quotidianas?

PB: Claro que interessa, na medida em que me interessa pensar no potencial performativo de tudo. Nem há grande hipótese de assim não ser. Um gajo escolhe os materiais e compõe com o que há, com o que tem e com o que vê. Obviamente que esta peça reconhece e insere-se numa tradição, na qual o Kaprow é incontornável, como o são, de modos diferentes, o Boetti, o Hsieh, o Francis Alÿs, o Jonathan Meese, a Carey Young ou o Paulo Henrique, entre tantos outros exemplos.


IC: Esta dimensão do teu trabalho faz-me lembrar a vontade que surgia nos anos 60 de criar obras de arte que resistissem à criação de um objecto e, por isso, ao mercado da arte. Por esta razão, a performance arte afirma-se fortemente nesta década e nas seguintes. O que estás a propor nesta peça relaciona-se com esta vontade?

PB: Não propriamente. Não tenho problemas com a ideia de objecto, nem com a participação dos objectos num mercado. A forma como o mercado funciona, e os seus mecanismos de legitimação, validação, visibilidade e inscrição, é que me parece questionável, como também mo parecem muitas das motivações que temos e que às vezes dão em objectos. Há um texto que tenho como fundamental que fala, entre outras coisas que também têm que ver com esta peça, desta questão da participação dos objectos (de arte) no mercado (da arte), que o Fernando Brito escreveu para a sua exposição Jogo (pode ser lido aqui). E não foi nos anos 60, foi em 2016. Depois, e voltando à tua pergunta, esta peça relaciona-se menos com uma ideia de querer e mais com uma ideia de poder.


IC: Pegando no maravilhoso texto do Fernando Brito de que falaste, em que ele assume que “jogar o jogo da arte” é participar num jogo moderno, e onde “o nome obra nomeia o uso de uma coisa numa jogada de arte, o nome modernismo nomeia genericamente a confusão filosófica entre coisa (a bola do jogo, a mercadoria que o artista vende) e obra (a jogada).” Olhando este exemplo para pensarmos este teu trabalho, dirias que estás a tentar subverter um jogo viciado?

PB: Poderia dizer, mas suspeito que estaria equivocado se o dissesse. Penso nisso muitas vezes e pergunto-me se o que identificas como vício no jogo não será somente uma condição do próprio jogo. 


IC: Há nas artes performativas um contexto para o desenrolar de qualquer performance, que estabelece, entre muitas coisas, o lugar de quem vê e o de quem faz. No entanto, segundo Ervin Goffman, na vida real o papel representado por um indivíduo recorta-se segundo os papeis representados pelos outros presentes. Sendo que a tua performance se desenrola ao longo do tempo e inclui todas as tuas acções de vida, quando te cruzas com alguém, consideras essa pessoa um participante da tua performance?

PB: Se me cruzar com uma pessoa e ela olhar para mim, considero-a espectadora. Mas se tivermos uma terceira pessoa que esteja a olhar para aquele cruzamento, sendo daquilo espectadora, a outra pessoa que se cruzou comigo poderá ser considerada, por esta terceira pessoa, participante na minha performance. Depende sempre do enquadramento de quem vê.


IC: Esta performance é duracional e é desempenhada pelo teu corpo em qualquer situação do dia a dia. De certa forma podemos dizer que obra existe alojada no teu corpo? Se sim, podemos então dizer que esta performance tem como objecto palpável o corpo do artista?

PB: Onde estava alojada, por exemplo, a Sometimes Making Something Leads to Nothing? No corpo do Francis Alÿs? No gelo que ele empurrava? Nas ruas da Cidade do México? Nos olhos de quem via aquilo? Ou, pegando num caso em relação ao qual a minha performance poderá parecer mais próxima, onde estava alojada qualquer uma das One Year Performances do Tehching Hsieh? No corpo dele? Na jaula? No relógio de ponto? Na rua? Na pessoa à qual esteve amarrado? Em cada um dos segundos de cada um dos minutos de cada uma das horas de cada um dos dias de cada um daqueles anos? O objecto da performance – destas, da an artist is always working ou de outra qualquer - é a própria performance e tudo o que dela faça parte.


IC: Além dos espectadores poderem saber o momento em que te surgiram as ideias, podem também saber onde estás fisicamente. Que dispositivo usas para que tenhamos esta informação?

PB: O facto de poderem saber onde eu estou fisicamente só é relevante porque assim sabem onde está a performance a acontecer. O dispositivo que uso, por agora, é o meu telemóvel com uma aplicação chamada GPSLogger. Mas estou em vias de adquirir um localizador GPS de alta precisão, modelo TK913 da TKSTAR.


IC: Se alguém te interpelar e perguntar o conteúdo das tuas ideias, faz sentido, segundo a peça, partilhá-las? Como vês esta troca?

PB: Quanto a esse tipo de interacção, a peça não impõe nem impede nada. Sou eu que decido, dependendo do caso e da avaliação que dele faça.


IC: As tuas ideias, para além dos gráficos no site, estão registadas noutro suporte? (Interessa-me saber se este trabalho é puramente conceptual, ou se existe um registo do trabalho do artista, além daquele a que espectador tem acesso no site).

PB: Sim, estão todas registadas no meu caderninho.


IC: Ao visitar o website, fiquei a pensar que os gráficos também funcionam como desenhos. Para realizar esta performance, fizeste algumas viagens com o intuito “de desenhar” o gráfico do website?

PB: Diga-se que, desde que esta performance começou, viajar não tem sido das coisas mais fáceis de fazer e é certo que quanto menos me movo, mais monótonos serão os gráficos do website. Mas também é certo que, além dos dados espaciais, são também enviados para o site os dados temporais, que são, uns e outros, hierarquicamente equiparados no que concerne à influência que têm nos gráficos. De resto, não conto fazer esse exercício de manipulação intencional do que é graficamente desenhado no site, até porque espero ir tendo outro tipo de motivos para me mover.


IC: Vais recorrer a outro tipo de registo (filme, fotografia)?

PB: Sim. Fotografias já existem várias, a maior parte tiradas pelo Alípio Padilha que tem sido o principal fotógrafo desta peça. E hão de haver mais, tendo em conta que qualquer fotografia que me seja tirada, enquanto me apetecer continuar com isto, será um registo desta performance. Quanto a vídeos, é capaz de já haver alguma coisa feita com telemóveis e com câmaras de vigilância, mas também aqui acontece o mesmo que expliquei acima. Desde 11.11.2020, que foi quando isto começou, até isto acabar, qualquer captação vídeo da minha imagem é um registo desta performance.


IC: De 9 a 11 de dezembro estiveste em Alcanena, e o Cine-Teatro São Pedro anunciou a tua performance. Fizeste alguma apresentação pública?

PB: Já que falas em teatro, há uma coisa que acho que pode não se estar a perceber muito bem. Nesta peça, tudo é potencialmente público. Sempre que eu estiver na rua ou num espaço de acesso público e alguém olhar para mim ou souber que eu estou ali, estou a apresentar publicamente esta performance. E quando não a estou a apresentar publicamente, estou a apresentá-la em privado ou a fazê-la para ninguém. Esta performance pode até ter actividades diferenciadas que a podem colocar num lugar de exposição mais oficial, como uma ida a uma universidade ou a um festival para falar sobre ela, ou quando é anunciado que estarei em determinado lugar a apresentá-la, como foi o caso de Alcanena. Mas ela está sempre a acontecer, continuamente, não sendo interrompida nem reiniciada. Começou uma única vez e há de terminar uma única vez. Ou seja, é uma performance que está sempre a acontecer e que toda a gente pode saber onde é que está a acontecer, por via do website, que também é performativo. Mas o saber-se onde está a acontecer não serve só para se saber onde está a acontecer. Serve também para se poder ir ver o que está a acontecer, onde estiver a acontecer. E o que se poderá ver é um artista a trabalhar. Em Alcanena, não estive no Cine-Teatro São Pedro, logo esta peça não foi apresentada publicamente no Cine-Teatro São Pedro. Mas foi em muitos outros sítios pelos quais passei naqueles dias, como a Câmara Municipal, a Casa da Cultura, a ARPICA, o Museu da Boneca, o Hotel Eurosol, o Mercado Municipal, o Bulldega, o Cantinho do Toino, a praia fluvial Olhos de Água, ou o Tony das Bifanas e o Espaço Jazz, já em Minde.


IC: A precariedade do trabalho artístico leva os artistas a passar a maior parte do tempo a fazer trabalho burocrático. Em certa medida, os artistas estão sempre a trabalhar, mas não têm controlo sobre o seu tempo. Nesta obra quiseste de alguma forma subverter este jogo, ao passares a ter controlo sobre o tempo?

PB: De certa forma foi também por perceber que tenho pouco controlo sobre o meu tempo, e que o uso em demasiadas actividades nas quais preferia não o usar, que criei esta peça. Por outro lado, também digo com esta peça que todas as actividades com que ocupo o meu tempo, quer eu goste de as fazer ou não, fazem parte do meu trabalho como artista. A verdade é que eu já tinha este entendimento sobre o trabalho artístico antes de ter tido a ideia de fazer esta peça, e não conto que por causa dela venha a ter mais controlo sobre o meu tempo do que tinha antes.


IC: Nesta peça fazes uma hipérbole da produtividade associada ao trabalho artístico. Quero perguntar-te se esta hipérbole não se trata de uma hipérbole realista? (Ou seja, apesar de ser um exagero, se não será de facto assim?)

PB: Como disse na pergunta anterior, não acho hiperbólico dizer que o artista está sempre a trabalhar. Aquilo que pode parecer exagerado, ou até impossível, é considerar que todo o trabalho do artista é arte. Ainda assim, aquilo que o enunciado desta peça diz é que todo o trabalho deste artista é arte.


IC: Todos os meses o site alwaysworking.art faz um relatório das actividades, que acabam por ser as actividades artísticas da peça. É inevitável não pensar nos relatórios de actividades artísticas que somos obrigados a fazer para recorremos aos apoios financeiros. Esta lógica aparentemente semelhante de comprovar resultados presente na tua peça, é uma forma de ironizar o nosso sistema de apoio às artes?

PB: Não sei se arrisco uma figura de estilo, mas é bastante evidente que dialogo, também, com o nosso sistema de apoio às artes. Do ponto de vista estatístico e numérico, os relatórios do site serão muito úteis no momento de fazer o relatório de actividades para justificar o apoio financeiro que foi atribuído a este projecto mas, infelizmente, não serão suficientes, até porque aquilo que é reportado nesses relatórios que estão no site não são as actividades artísticas da peça. Se assim fosse, teriam de ser reportadas todas as acções que desempenho e todos os acontecimentos nos quais participo, o que não acontece no site nem acontecerá em qualquer relatório de actividades que tenha de vir a fazer para justificar qualquer apoio financeiro.


IC: No site, no texto de apresentação desta peça, esclareces que o capital (as tuas ideias), o teu desempenho e o resultado final são a mesma coisa e por isso têm o mesmo valor. Podes falar-nos um bocadinho desta ideia?

PB: Ora, na verdade aquilo que eu digo é que o capital diferencial dos artistas são as suas ideias e que a operatividade desse capital se dá pela capacidade desses artistas em formalizarem algumas dessas ideias como resultado objectual da sua actividade, de modo a participarem no sistema da arte. E depois digo que, em an artist is always working, o capital, a operação e o resultado se apresentam como uma mesma coisa. Sobre isso, por agora, não tenho mais a dizer.