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ENTREVISTA


Raquel Henriques da Silva


Júlio Pomar, “Cegos de Madrid”, 1957-59. Óleo sobre tela, 81,5 x 101 cm


Pedro Cabrita Reis, “Os cegos de Praga, XII, 1998. Acrílico e grafite, 141 x 100 cm


Paula Rego, “Contos Populares: Branca Flor – rapaz jogando com o diabo”, 1974. Desenho, 70,3 x 50,5 cm


Armando Azevedo, Caderno de Artista, c. 1976-77


Luís Neuparth, “Espiral (Casa de Habitar)”, 1992-93. Madeira, Ø 400 cm


Ana Vieira, “Objecto-Porta”, 1975. Madeira, espelho e tecido de algodão, 193,5 x 50 x 93,5 cm


Helena Almeida, “Ouve-me”, 1975. Vídeo Stills


Pedro Gomes, “Sem Título (série Habitar)”, 1996. Desenho, 121,3x160 cm


Nuno Cera, “Smog #15”, 2000. Fotografia, 45 x 60 cm

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MARIANA BRANDÃO



ANTÓNIO PINTO RIBEIRO E SANDRA VIEIRA JÜRGENS



INÊS BRITES



JOÃO LEONARDO



LUÍS CASTANHEIRA LOUREIRO



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PROJECTO PARALAXE: LUÍSA ABREU, CAROLINA GRILO SANTOS, DIANA GEIROTO GONÇALVES



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LUÍS SÁRAGGA LEAL



ANTOINE DE GALBERT



JORGE MOLDER



MANUEL J. BORJA-VILLEL



MIGUEL VON HAFE PÉREZ



JOÃO RENDEIRO



MARGARIDA VEIGA




RAQUEL HENRIQUES DA SILVA


Raquel Henriques da Silva, investigadora e professora universitária é comissária da exposição “50 Anos de Arte Portuguesa” que celebra o contributo da Fundação Calouste Gulbenkian no campo das artes, ao longo do último meio século. A mostra nasce do cruzamento de documentos do arquivo do serviço de Belas-Artes da Fundação com obras da colecção do Centro de Arte Moderna e representa mais de cem artistas, apoiados quer através de bolsas, quer através de subsídios a projectos. Nesta entrevista, Raquel Henriques da Silva revela detalhes sobre o processo de investigação, explica os critérios de apresentação seguidos pela sua equipa (Ana Filipa Candeias e Ana Ruivo), e refere dados fundamentais do passado e do presente da história da arte portuguesa.

Por Sandra Vieira Jürgens
Lisboa, 25 de Junho de 2007


P: O que a fez aceitar o convite para coordenar a exposição “50 Anos de Arte Portuguesa”?

R: Aceitei o convite na medida em que me foi prometido que um dos pilares da exposição ia ser o arquivo do Serviço de Belas-Artes (SBA) da Fundação. Não me considero de forma nenhuma uma curator ou crítica de arte contemporânea. Gosto, vejo e tento acompanhar as exposições, escrevo textos pontualmente, mas considero que existem pessoas muito mais direccionadas para essa área. Estava previsto começarmos com dois anos de antecedência, o que me pareceu irrecusável, todavia acabamos por ter só um ano para a preparar. Mas foi, definitivamente, a vertente de documentação que mais me estimulou. Pessoalmente nunca tinha precisado de consultar os documentos do arquivo do SBA – tenho trabalhado muito mais sobre épocas anteriores – mas no entanto, conheço muita gente que já o fez e, inclusivamente, já foram integrados em mostras. Todavia, construir uma exposição centrada nesse espólio não deixou de constituir um enorme risco. Tinhamos dúvidas acerca do que iríamos encontrar e sobre a melhor forma de o apresentar. Não ficou de forma nenhuma terminada a catalogação e o inventário do SBA mas, a nova equipa de arquivistas que começou a trabalhar em simultâneo, revelou-se uma cooperação essencial em todo o processo.


P: Teve alguma revelação que fosse surpreendente?

R: Acho que tive fundamentalmente duas. Por um lado, a quantidade de material artístico, quer dizer, a forma como ao longo de décadas houve artistas que realizaram relatórios absolutamente reveladores. O caso do Júlio Pomar é paradigmático. O seu processo tem imenso valor, é constituído por cerca de 200 páginas de texto, material que parece ser maioritariamente original. Infelizmente não houve hipótese de o trabalhar, mas futuramente merece ser estudado com atenção. O próprio Alexandre Pomar ficou admiradíssimo, não tinha ideia que fosse assim tão volumoso. O Júlio Pomar já tinha comentado que não só fazia relatórios, como ajudava muita gente a fazê-los. Portanto, ainda que dependendo do temperamento e da oportunidade de trabalho de cada um, o facto é que a quantidade de material artístico enviado vai muito para lá daquilo que era solicitado pelo SBA. Exigiam-se relatórios de seis em seis meses, onde deveria constar documentação relativa aos processos de trabalho que iam desenvolvendo. Havia ainda uma particularidade muito interessante que era o registo das exposições vistas e que hoje duvido que ainda se mantenha. Alguns artistas elaboram-nos de forma um tanto burocrática enquanto outros utilizam a informação para fazer pontos de situação que correspondem a fases de reflexão e de indagação sobre o seu próprio trabalho.

A quantidade de artistas que entrega material é considerável e penso que todo esse material deve transitar para o Centro de Arte Moderna (CAMJAP) na medida em que constitui documentação artística. Não se pode considerar documentação de conservador de museu isto porque integra desenho, amostras de trabalho, fotografias legendadas... Claro que existem alguns objectos artísticos, caso do livro de artista de Armando Azevedo. A documentação artística – estou a utilizar esta expressão pela primeira vez, parece-me apropriada – não pode de forma nenhuma continuar a estar num arquivo geral a ser tratada por critérios arquivísticos. Não estou a referir-me só à existência de material impresso, catálogos ou convites, mas sobretudo à forma como os artistas elaboram os relatórios.

A diversidade de formatos está a atenuar-se muito nos dias de hoje em que a maior parte dos relatórios são enviados em dvd. É uma tendência muito recente e não significa que não sejam materiais muito interessantes e que não tenham também a componente de documentação artística. Mas, por exemplo, neste âmbito, surgiram-nos algumas questões com artistas mais novos que ficaram um pouco perplexos por querermos expor a documentação artística que eles consideram que, muitas vezes, já se transformou em material de exposição. De facto, a contemporaneidade coloca desafios completamente novos aos museus. No caso dos artistas que trabalham no campo da escultura, da pintura ou do desenho, definir o que é documentação artística não levanta grandes questões. É diferente quando analisamos a questão daqueles cuja documentação artística enviada tem uma forma de suporte e de matéria idêntica à sua própria obra. Quando assim é temos mais dificuldade em determinar o seu estatuto.

Foi portanto a riqueza e diversidade do material que mais me surpreendeu, nomeadamente, esse apêndice referente ao corpo dos relatórios propriamente dito que é apresentado sob a forma de objecto artístico – caso dos cadernos de René Bértholo e de um caderno do Costa Pinheiro que são objectos artísticos, muito embora integrem as componentes de relatório (têm muitos desenhos originais, muitas colagens). Existem outros que podemos catalogar como documentação artística e ainda alguns de carácter administrativo que têm interesse histórico mas já menos interesse artístico.

A outra revelação verdadeiramente surpreendente foram os pareceres de Fernando de Azevedo que mereciam um trabalho de edição. Entrou no SBA logo no início dos anos 60 e fez os pareceres para a concessão de bolsas de uma forma extraordinária. São reveladores por si só de uma história de arte feita ali, sobre o momento, e revelam uma qualidade ao nível da crítica que merece ocupar um lugar de destaque. Existe uma componente institucional, porque obviamente realiza aqueles relatórios em serviço, mas revela um conhecimento de todo o tipo de artistas, que reflecte uma proximidade e imparcialidade surpreendentes. Ele tinha sido do grupo surrealista, depois passa para uma abstracção muito própria, tem amigos, tem fidelidades, mas quando entra nos pareceres evidencia uma liberdade extraordinária. Está muito bem informado, mesmo a nível internacional. Para mim essas foram as duas questões fundamentais.


P: Considera que é necessário reflectir sobre a relação entre objecto/obra e documento? A colecção de um museu deve ir para além das obras de arte e integrar material de documentação?

R: Mas completamente. Material esse que pode, inclusivamente, ser tornado visível de muitas formas. Já existem museus, o IVAM (Instituto de Arte Moderna de Valência) é um caso desses, construídos em grande parte sobre a sua riqueza documental, a chamada documentação artística que é hoje considerada uma componente fundamental da obra. Daí podem resultar formas de exposição cujas opções de exibição vão mais ao encontro das linhas de trabalho dos artistas. Em muitos casos não foram ainda assimiladas, prevalecendo a forma tradicional de fazer exposições. Mesmo quando se expõe uma obra muito processual, por exemplo do campo da performance ou da instalação existe a tendência de a encerrar numa determinada perspectiva.

O museu continua a usar muito frequentemente uma metodologia de exposição associada à contemplação, à passividade, quando muitos artistas trabalham num outro sentido. Foi a primeira vez que organizei uma exposição onde a componente de documentação foi tão importante e teria gostado de ter desenvolvido um modelo ligeiramente diferente de exposição. É uma autocrítica. A documentação potencia uma forma de abordagem diferente e parece-me que o público intui isso mesmo. Em vez de contemplar um trabalho, quer seja filme ou pintura, a documentação permite outros apontamentos. No caso de um relatório de René Bértholo, ele explica que fez um quadro errado e que vai tentar corrigi-lo, acabando por dar conta de todo o processo – tudo isto é muito inédito. Também nos deparamos com artistas que nos seus relatórios, por exemplo o António Sena, explicam o que estavam a usar de novo, o que mudaram e porque o fizeram. São absolutamente extraordinários e deveriam ser todos editados. Só por si não fazem história de arte, mas os textos do Fernando Azevedo podem fazê-la ou, pelo menos, muito boa crítica de arte. Os relatórios dos artistas são componentes do seu trabalho e ninguém espera que os dados registados tenham alguma cientificidade. Essa documentação artística é diferente da documentação histórica, não tem que ter objectividade, tem é que dar a ver processos de trabalho. Em vários momentos se percebe que há uma reflexão, por exemplo quando Paula Rego afirma que descobriu que os contos de fadas, sejam portugueses, ingleses ou franceses, tratam questões idênticas e que finalmente percebeu o que é o consciente colectivo estudado por Jung. Constitui uma reflexão – Paula Rego não é nem psicóloga, nem médica, nem crítica literária – mas no seu relatório compreende-se que existe uma questão nova sobre a qual escreve, articulando e exprimindo o seu pensamento.

O valor didáctico da exposição não resulta de uma relação unívoca entre a obra e a documentação. Importa a capacidade de colocar questões em torno de uma obra e não é correcto nem se espera que a documentação artística seja tratada como documentação histórica. Ao longo do processo de investigação senti-me como se me estivesse a ser colocada a célebre questão da arca do Fernando Pessoa: não paravam de surgir questões para as quais existiam inúmeras versões. Pode também ser associado ao trabalho projectual dos arquitectos que sempre foi extraordinariamente privilegiado. Aliás, existe essa grande discussão na história de arte sobre o que devemos estudar, se os projectos (que são o momento da criação), ou a execução da obra, que resulta de uma série de adequações que muitas vezes têm que ver com exigências posteriores. Há muita gente que acha que o grande arquitecto é o Alberti que nunca acabou obra nenhuma e que desistiu de todas porque a concretização nunca correspondia àquilo que ele queria fazer.


P: Depois dessa primeira fase que se traduziu no encontro inicial com o arquivo, quais foram as seguintes etapas e que critérios usaram na selecção de documentação?

R: Debatemos muito porque, de facto, tanto a Ana Filipa Candeias como a Ana Ruivo são tão comissárias da exposição quanto eu. Claro que quando foram convidadas foi para fazer investigação, mas acabaram também por se apropriar da exposição. O trabalho foi sempre desenvolvido em dois campos: um, ver dossiers, que era o mais estimulante e, ao fim de algumas semanas, percebemos que não iríamos conseguir ver os dossiers todos. Acabamos por deixar de fora algo que terá muito interesse estudar, em termos sociológicos e eventualmente académicos: a recusa de bolsas.

Inicialmente ponderamos articular, porque temos formação de base em História, o trabalho que estavamos a desenvolver com a própria história da instituição e do SBA. Na realidade fomos deixando cair questões que inicialmente nos interessaram. Paralelamente, com o objectivo de ter presente o acervo da Colecção, realizamos uma listagem exaustiva quer dos artistas representados no CAMJAP, a partir dos quatro roteiros publicados, quer das principais exposições. Muito rapidamente iniciamos a pesquisa na base de dados e começamos a fazer visitas esporádicas às reservas. Quando afirmamos que é verdade que a exposição procurou basear-se mais fortemente na documentação, na verdade fomos sempre trabalhando nas duas componentes. Quando tivemos que prestar contas pela primeira vez, e não tinha passado nem um trimestre, já tínhamos a decisão tomada e não foi nada fácil convencer quem de direito que iria ser assim. Que iríamos, na medida do possível – nunca se pode fechar, sobretudo numa fase tão prévia – escolher os artistas em função da documentação e essa foi-se, efectivamente, tornando o nosso eixo orientador. Imediatamente percebemos que íamos deixar gente muito importante de fora, mas a alternativa era escolher aquilo que, num vago consenso a três, pudessem ser os artistas mais importantes da Colecção do CAMJAP, ou as obras mais relevantes dos artistas mais importantes, e depois ir procurar documentação. Não fizemos isso, daí o sofrimento enorme que foi (não é metáfora, foi real) aguentar esta metodologia de elevado risco até começarmos a conseguir convencer as pessoas de que talvez resultasse.

Escolher quem está na exposição teve como primeiro critério, de longe o mais importante, a riqueza documental dos seus processos. E isso não encerra nada de pessoal, é sim a novidade, o não conhecimento, o percebermos que o material reunido se relaciona com a obra do artista. Claro que isso nos levou a uma tentação muito grande, que depois tivemos que inflectir, que consistia em acentuar ainda mais o carácter de margem que nós vimos que a exposição poderia adquirir. Chegamos a trabalhar, por exemplo – também aí a Gulbenkian desempenhou um papel importantíssimo – em núcleos de gravura, depois também de tapeçaria (que acabou por ser o que ficou mais consistente). Chegamos, portanto, a pensar em acentuar ainda o carácter de margem colocando a tónica em artistas menos conhecidos. Numa fase muito avançada, a meio, ou talvez a mais de meio (a exposição só foi fechada três a quatro meses antes de inaugurar) para nós já era claro que a metodologia base seria ir buscar as obras relacionadas com a documentação – e não necessariamente outras melhores e mais interessantes. Simultaneamente, decidimos que iríamos fazer um núcleo da exposição no Piso 0 explorando afinidades e dentro dos próprios processos, começaram a surgir desde muito cedo aquilo a que chamamos os conceitos ou categorias organizadoras. Decidimos também que nessa zona iríamos tentar propor uma cronologia. Assim, em primeiro lugar serviu-nos de orientação a qualidade e a eficácia dos relatórios e a relação que as obras estabeleciam com eles; depois um segundo critério mais aberto – para nos permitir integrar mais artistas, embora também achássemos que poderia ser validado como linha de trabalho – que visava destacar não tanto o influxo do material que os artistas trazem para dentro do SBA, mas a organização de eventos pela Fundação que foram momentos fundamentais de aquisição ou de mostra de obras. Consequentemente elegemos as exposições gerais de artes plásticas, sendo que a primeira e a segunda (1957 e 1961) são muitos importantes e as seguintes revelam momentos em que a comunidade artística portuguesa se envolveu efectivamente. A exposição de 1986 já é muito menos importante mas, por exemplo, correspondeu à primeira exposição promovida por um organismo com a responsabilidade da Gulbenkian em que as categorias artísticas se alargam. É só em 1986 que isso acontece, claro que já se fazia vídeo e fotografia há muito tempo, mas só neste ano as premiações se alargam. Achamos que poderíamos pôr a tónica aí e depois elegemos as exposições “7 Artistas ao 10º mês” porque desde o início queríamos cobrir os 50 anos de actividade. Pareceu-nos que este programa curatorial nos permitiria alargar o leque de representação, introduzir outro tipo de materiais que iam para além do critério de ter sido bolseiro ou ter recebido um subsídio. Não há nenhum dos artistas presentes que não cumpra um ou vários destes requisitos: ter sido bolseiro, ter tido um subsídio de investigação ou ter sido expositor no âmbito das exposições de artes plásticas ou dos “7 Artistas aos 10º mês”.

Quando se faz uma exposição com 120 artistas, importa enunciar claramente qual é o critério de presença. Houve uma série de artistas, que me telefonaram a dizer que tinham sido bolseiros e que não estavam representados na mostra – mas esta não é uma exposição de bolseiros, essa componente existe mas nem todos estão presentes. Cerca de 80% estão por razões de concessão de bolsa ou subsídio. Esse foi portanto o critério mais seguro, assumindo-se logo que existiriam artistas que ficariam de fora. Depois foi a articulação positiva e interessante entre a documentação dos processos e as obras, sendo que resolvemos ao mesmo tempo não fazer núcleos autorais. Por outro lado, assumimos situações de artistas referenciados apenas com documentação.


P: Considera que se poderá fazer a história da arte portuguesa destes últimos 50 anos a partir desta exposição? O resultado desta exposição poderá constituir um discurso de referência? Ou prefere que seja encarado como prova de existência de outras narrativas, de uma linha de investigação alternativa à história oficial?

R: Na verdade foi o próprio contacto com os dossiers que nos abriu essa metodologia. Embora não tivessemos realizado nenhuma reunião prévia sobre isso, eu e as minhas colegas temos a impressão que o mainstream na arte portuguesa sempre foi e permanece bastante fechado. O meio artística abrange pouca diversidade e tende a repetir-se. É evidente que isso nos poderia ter aberto campo para fazer uma história alternativa – mas acho que não se constrói nenhuma história alternativa. Não vou dizer que a uma certa altura não tenhamos ponderado estar a fazer precisamente isso, a abrir espaço de representação e reconhecimento a artistas que ninguém sabe quem são. Temos algumas situações que me provocaram hesitações finais porque, de facto, são artistas que tiveram momentos interessantes mas que, com o tempo, se concluiu que não se traduziram em percursos com relevância. Tenho a esperança que o que ali é proposto seja entendido como uma possibilidade que os meios de trabalho nos abriram. Não se trata efectivamente da montagem de uma história alternativa porque a exposição deve ser vista – e é isso que mais defendo – pelo seu carácter aberto, positivo, processual e não conclusivo.

O título está relacionado com essa questão. Acontece que surgiu antes, ainda nós não tínhamos o conceito de exposição apurado. Apesar de achar que os títulos são muito importantes, não sou propriamente nominalista. Quando a Lúcia Almeida Matos me fez essa crítica disse-lhe que lhe dava alguma razão. Nunca mais tinha pensado no título, bastaria ter um subtítulo, mas também não há que ignorar que esta exposição ocorre num contexto comemorativo. Acho mesmo que até hoje foi uma das críticas mais pertinentes que ouvi porque o título parece que sugere uma visão alternativa e isso não decorre. Por exemplo, a bandeira do Grupo Puzzle, que ocupa uma área imensa, não é nenhuma afirmação de uma obra a integrar as 50 obras mais importantes ou pretende ilustrar um período considerado mais relevante. É uma obra sem grande qualidade artística, mas tem interesse sociológico, sendo sobretudo muito interessante a justificação de Fernando Azevedo para a sua compra. Por outro lado, a obra nunca foi exposta e o grupo tem uma hiperactividade naqueles anos: tiveram imensos apoios e toda a documentação é muito rica. Trata-se de um grupo que teve ali um momento de reconhecimento internacional pela curiosidade mais ou menos etnográfica mas também política e ideológica, na medida em que representava a revolução portuguesa, e foi isso que quisemos dar a ver.

Ao nível do design expositivo fiquei com a sensação que não conseguimos comunicar a nossa ideia a cem por cento. Com o tempo mínimo que teve para trabalhar considero que a Cristina Sena Fonseca se saiu muito bem. Desenhou aquelas vitrines tendo visto pouca documentação. Na verdade tínhamos sonhado que a própria montagem pudesse ser mais processual, tendo como modelo as exposições na Biblioteca de Serralves em que se recorre a materiais manejáveis, como as fotocópias colocadas em mesas de consulta, e monitores, por exemplo. No final acabou por se fazer uma exposição com uma museografia muito clássica, institucional. Na brincadeira costumo dizer que a Cristina nos aprisionou a exposição! Na realidade, também não fomos capazes de gerar uma alternativa a tempo. O sofrimento de fazer uma exposição é esse, o inevitável limite temporal que é disponibilizado. Embora a documentação esteja presente, gostávamos que estivesse ainda mais, reflectindo a força com que nos surgiu.

À pergunta como foram definindo os conceitos, respondemos que foram surgindo daquilo que nos pareceram as preocupações reveladas pelos artistas. Existem agrupamentos de artistas um pouco contra-natura, outros fluem muito bem, outros que nós próprias fomos surpreendidas por eles. Concluindo, a nossa intenção não foi escrever nenhuma história de arte alternativa, foi mostrar que este arquivo merece ser trabalhado não só porque enriquece a própria colecção dos tais documentos artísticos mas porque também questiona uma ordem histórica que é bom que se comece a admitir (o que é recente) que possivelmente não está completamente fechada e pode abrir a possibilidade de maior diferenciação.

Os artistas que estão agora entre os 60 e os 70 anos queixam-se, tirando duas ou três excepções, que não têm visibilidade. Se houvesse museus com colecções permanentes não se sentia tanto essa questão, o problema é que em Portugal não há. Vai haver agora o Museu Berardo, mas é uma colecção internacional na qual os portugueses só funcionarão enquanto marcações. Compreendo a linha do Chiado, compreendo a linha de Serralves mas, na verdade, se for para qualquer outro país europeu pequeno tem-se essas linhas de forte afirmação e questionação de vanguardas, digamos assim. Existem museus, mais ou menos tradicionais, convencionais, onde as colecções permanentes propõem discursos, articulações, relativamente estáveis. Costumo questionar: Se alguém traz um amigo de fora e pretende mostrar a arte portuguesa, onde o pode fazer? A forma como a História parece feita, possivelmente também resulta disso. Em Portugal as coisas tendem a excluir-se e portanto há um grupo de quase uma centena de artistas que, ainda que com alguma carga metafórica, se pode dizer que estão marcados de invisibilidade já há alguns anos. Acho que é injusto e sobretudo bastante negativo porque há uma tendência para – devido á pequenez do espaço e à fragilidade dos meios institucionais recorrentes do estado não cumprir as suas obrigações – repetir modelos.


P: Um museu não é só importante pelo património que detém, mas pela forma como pensa a sua colecção, a preserva, a mostra. Acha que poderia advir maior riqueza, em nome da diversidade do panorama artístico, se os museus propusessem modelos diferentes de pensar e apresentar a colecção?

R: É necessário. Acho que apesar de tudo o CAMJAP tem feito alguma coisa nessa matéria, tem trabalhado a sua colecção. No entanto, quando mergulhei nas reservas constatei que, por exemplo, os materiais em suporte de papel (a gravura, a serigrafia) normalmente não têm sido tratados. Mesmo a escultura, possivelmente, não tem sido tão tratada como eu pensava. O Museu do Chiado, dentro dos limites de uma colecção que é mais estreita, trabalha muito a sua colecção. Mas acho que, trabalhar muito a colecção para a mostrar em exposições trimestrais e depois alterá-la outra vez, não estabiliza. Defendo aquilo que o CAMJAP tinha ultimamente que me parece muito bem. Refiro-me especificamente à solução de, quer no Piso 0 quer no 01, criar pequenas exposições temporárias dentro da exposição permanente. Isso dinamiza mas também confere alguma estabilidade que depois deveria ser amparada de outras formas. Admito que o conceito global das peças que fora escolhido entre cronologia e temas umas vezes se compreendia melhor, outras não tanto. A questão da disponibilidade de espaço também é determinante. O Museu do Chiado ou o de Serralves não o poderiam fazer.


P: Museus como a Tate Modern, com direcção de Vicente Todolí, renunciaram a certo momento à cronologia para ordenar as suas colecções por critérios mais formais e temáticos. Depois voltaram a ela. O que é melhor?

R: Acho que é muito importante ir-se fazendo os dois tipos de exercício dependendo do tipo de colecção com que se trabalha. No caso da Tate, por exemplo, é quase condição de sobrevivência para não se perder em tanto excesso. Em colecções pequenas o público adere aos dois modelos, aos quais se deve acrescentar o autoral, ou seja, núcleos de autor inseridos num conjunto mais vasto. Não considero que nenhuma seja melhor que outra. O termos feito o núcleo de tapeçaria, inserida nas ditas artes decorativas, interessou ou não alguma coisa? E no entanto todos os debates da contemporaneidade as atravessaram. Existe todo um conjunto de questões que não estão completamente fechadas. Tudo depende, em definitivo, da colecção que se tem para gerir ou que se quer construir, bem como do desafio de que a lógica das vanguardas ainda é a que nos determina – e no entanto essa lógica tem cem anos de existência. O Museu de Arte Contemporânea de Istambul, um espaço fascinante, com uma área muito generosa – tem dois ou três anos de existência – e começou com uma lógica que consistia em associar os artistas turcos com nomes internacionais. Precisamente no momento em que o visitei tinham acabado de remontar o museu conferindo-lhe uma dinâmica muito mais tradicional, reflectindo a evolução da arte turca, fundamentalmente baseada na pintura. Talvez interesse para o público local, mas pouco mais.

Nunca tivemos efectivamente a possibilidade de ver (com a excepção da Casa da Cerca e de Sintra, de algum modo), um núcleo de artistas portugueses inseridos num discurso da arte internacional. A falha é imensa. Em termos de linhas de trabalho defendo cada vez mais os contextos. Teria sido importante, nesta exposição, colocar os artistas expostos conjuntamente com os artistas que foram importantes para eles (e que nunca são portugueses). Estes artistas vão desenvolvendo o seu trabalho em diálogo com outros artistas, reflectindo muito um espírito anti-nacionalista, anti-português – uma ânsia de cosmopolitismo muito marcada. Muitas vezes eram referenciados artistas praticamente desconhecidos. Uma exposição que reuniria artistas que são tão desconhecidos no mainstream internacional como os portugueses teria sido muito interessante.


P: Encontrou uma continuidade, uma linha directriz na política de apoios e de aquisições?

R: Os discursos nunca são unificados porque o CAMJAP só surge em 1983 e só em 1979 foi mesmo decidido constituir o Centro. A partir de 1979 há uma certa liberdade da parte do Sommer para constituir uma comissão de compras (nós deixamos isso completamente de lado) e comprar em quantidade. Até 1979, portanto, pouco mais de vinte anos, foi-se comprando através de uma relação muito mais marcada do que se pode pensar com os subsídios. Nunca se disse “nós damos subsídios e depois adquirimos obras”, mas o que é facto é que na prática isso acabou muitas vezes por acontecer. O exemplo do KWY é paradigmático e por isso também correspondeu a uma marcação que fizemos. Em 1961 tem uma importância enorme marcada também pela decisão de ir mesmo o José de Azeredo Perdigão ver a exposição do grupo – ninguém sabia quem era aquela gente – e comprar um quadro a cada um. Isso revela um sinal de que a Fundação, para lá de todas as imensas pressões e hesitações (nomeadamente no próprio conselho de administração) que estava a sofrer, é do lado dos novos que se vai situar. Nessa altura, o facto de todos os membros do grupo terem sido bolseiros, traduz-se numa das razões da aquisição.

Por exemplo, logo em 1970, resultante de relações maiores a Londres que depois infelizmente se foi quebrando, surgiu também a oportunidade de se fazer uma exposição dos bolseiros na cidade – que eram muito menos que os de Paris – e comprou-se uma obra a cada um. É por isso que temos uma obra da Marina Mesquita. Havia situações em que os bolseiros, quando acabavam o período da bolsa, eram eles próprios que propunham ao SBA a realização de uma exposição - ainda houve uma linha de exposição de bolseiros que se traduziu em treze e que depois ficou pelo caminho (invocada na cronologia). Muitas vezes quando se faziam exposições adquiriam-se algumas obras. O que é facto é que a Gulbenkian não é diferente de outras colecções portuguesas. O que é diferente na Fundação é mesmo a aposta dos subsídios e das bolsas concedidas aos mais novos.

Em termos da colecção, a hesitação, o puxar para um lado, o puxar para o outro, os artistas que estão presentes e nunca tiveram especial relevância... traduz gostos pessoais que são mais do que deveriam, como acontece em todas as colecções, de resto. Além de que a Gulbenkian, e eu não tinha noção nenhuma disso, bateu-se com a mesma questão que ameaçou Serralves – apesar da distância tão grande que separa os dois casos – que é fazer uma colecção desde o século XIX. Como os museus de arte contemporânea eram um sítio onde ninguém ia, que toda a gente achava que aquilo não existia de forma nenhuma, a Gulbenkian acabou por comprar obras do Columbano, uma série do Sousa Lopes e um núcleo de modernistas, por exemplo. Isto porque havia a ideia do SBA de que a Gulbenkian ia ter que fazer esse museu que Portugal não teve. A colecção vai-se fazendo de uma forma um tanto errática até muito tarde (até 1979). Hoje acho que devem ser situações autónomas: uma questão é o apoio cedido através de bolsas e subsídios e uma outra é a constituição de uma colecção. Claro que devem existir pontos em que se tocam, mas não têm que convergir um para o outro, devem ter autonomia. Uma coisa é apoiar um projecto de trabalho interessante (facultar a possibilidade de o concretizar), outra é comprar o produto desse trabalho.

Defendo que passados cinquenta anos, este trabalho sobre a documentação que iniciamos e que não está concluído, poderá resultar em situações ou propostas de aquisição interessantes e o contrário, isto é, reflectir que houve obras que tiveram a sua vida, que existem no mercado ou que estão na posse dos autores e que, no entanto, configuram situações de pesquisa que foram feitas. Sinceramente acho que se tivesse no lugar de Jorge Molder tentaria olhar para as possibilidades que a documentação abre e tentava reflectir, completando, numa lógica de reforço que poderia ser muito interessante. Não tinha noção do carácter tão errático que a colecção teve até aos anos 70, pensei que fosse mais ponderada – o que não quer dizer que não se tenham comprado boas obras. Depois de 1979 há a assunção de uma maior responsabilidade por parte do Sommer. O grosso dos sentidos da colecção só depois de 1979 se começa a definir.


P: Se estivesse no lugar de Jorge Molder como pensaria a colecção em termos de exposição? Num momento que se espera uma maior definição sobre o futuro e a programação do próprio Centro de Arte Moderna, o que é que poderá ser feito?

R: Procuraria recuperar algum tempo e não me estou a referir ao presente, acho que para o presente quase todas as instituições estão a fazer isso. Na verdade tentaria perceber e potenciar a pertinência de algumas marcações internacionais. Foi uma pena o CAMJAP fechar-se numa colecção de arte portuguesa. Não digo apostar numa política de aquisições sistemáticas, mas cirúrgicas. Teria sido interessante encomendar ao Christo a “cobertura” da própria Fundação. Não digo fazer uma colecção semelhante à Berardo, ou seja, colmatar lacunas em termos de representatividade dos principais movimentos. Por exemplo, no âmbito da exposição do Amadeo de Sousa-Cardozo teria sido estimulante adquirir obras de alguns dos artistas presentes na mostra. Em Portugal poder haver um centro que é um museu mas que ao mesmo tempo é um espaço prepositivo nessa matéria.

A Gulbenkian deveria fazer um investimento para particularizar a sua colecção, apostando, por exemplo em dois ou três temas, três ou quatro agrupamentos de artistas, retrabalhando a colecção a partir da consciência da sua obrigação cronológica. Poderia apostar em termos de colecção, num reforço em 10 anos, do núcleo pop, ou do conceptualismo de Julião Sarmento e de Fernando Calhau, ou no núcleo das tradições figurativas. Serralves e outras instituições estão a fazer isso com os artistas nascidos na década de 70. Será de todo impossível fazer isso para o passado próximo? Com artistas que ainda estão vivos? Não seria uma linha interessante, de assumir alguns valores positivos da periferia mas não fechando a componente cosmopolita que esta periferia teve?

A arte portuguesa coloca outra questão que me toca especialmente como historiadora: há imensas desistências, uma questão para a qual eu não tenho resposta mas que este trabalho de arquivo manifestou. A carreira de ser artista neste domínio dá ideia que surge como uma aposta de desmesura que depois se esvai. Na realidade existe muito pouco trabalho académico sobre a contemporaneidade.