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ENTREVISTA


Lisette Lagnado


Cildo Meireles, “Projeto Coca-Cola insertions into ideological circuits. Coca-Cola Project”, 1970.


Diango Hernández, “The museum of capitalism”


Diango Hernández, “Spies and traitors”


Dominique Gonzalez-Foerster, Still de “Parc Central” (Brasilia)


Dominique Gonzalez-Foerster. Vista da instalação


Dominique Gonzalez-Foerster, Still de “Parc Central” (Paris)


Lisette Lagnado na instalação de Dominique Gonzalez Foerster para o “Skulptur Projekt Muenster” (réplica de Dan Graham). Fotografia: Lígia Afonso

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LISETTE LAGNADO


No contexto da mediática projecção prevista para o Brasil em 2008, consequente da sua participação, enquanto país convidado, na ARCO de Madrid e da realização, em Outubro, da 28ª Bienal de São Paulo, envolta, desde a apresentação do seu projecto (a 7 de Novembro de 2007), numa polémica e acesa discussão, pedimos a Lisette Lagnado que, enquanto curadora e observadora da cena artística internacional, analisasse projectivamente estes e outros eventos e, em perspectiva, comentasse a actualidade do sistema da arte contemporânea. A entrevista foi realizada em várias sessões de conversas online, num espaço transatlântico situado entre Lisboa e São Paulo.

Lisette Lagnado foi curadora geral da 27ª Bienal de São Paulo. Nasceu na hoje chamada República Democrática do Congo e vive no Brasil desde 1975. É doutora em Filosofia pela Universidade de São Paulo e Professora do Mestrado de Artes Visuais da Faculdade Santa Marcelina onde coordena o grupo de estudos “Hélio Oiticica e o programa ambiental” a partir dos arquivos que organizou para o Instituto Itaú Cultural, em parceria com o Projecto HO (Rio de Janeiro). É crítica de arte e co-editora da revista online Trópico. Integrou o grupo de curadores do livro Ice Cream (Phaidon), para o qual 7 dos 10 artistas que convidou são de origem latino-americana. Publicou Leonilson. São tantas as verdadese Conversações com Iberê Camargo, entre inúmeros outros ensaios sobre artistas. Redigiu o prefácio da edição brasileira de Os papéis de Picasso de Rosalind Krauss (Iluminuras).

Por Lígia Afonso
Dezembro de 2007


P: Como antecipa o papel do Brasil na arte contemporânea a partir de 2008? Considera que a participação do Brasil enquanto país convidado da ARCO, em Madrid, em Fevereiro do próximo ano, terá consequências significativas para a sua projecção internacional?

R: Em primeiro lugar, permita-me manifestar reservas em relação a qualquer expectativa vinculada a uma “feira nacional” ou feira temática. Não acredito que seja uma estratégia eficaz. O que é que as pessoas podem absorver quando há muita informação, tanta vez desprovida de contexto? Pouca coisa, na minha opinião. Os “bons” artistas continuarão a ser valorizados, e os menos conhecidos terão tido oportunidade de mostrar o seu trabalho fora das suas fronteiras. Mas, para mudar o estado das coisas, é preciso que isso não seja apenas um momentum: deveria existir uma agenda continuada, durante pelo menos um ano. A verdade é que a arte brasileira já frequenta Espanha há mais de dez anos e tem uma óptima recepção. Portanto, não vejo uma conquista especial nesse facto em si. Mesmo assim, reconheço que o Brasil está a receber um estatuto de “país” quando, antigamente, se expunha arte brasileira apenas em mostras latino-americanas, de “continente”.


P: O Brasil tem um património cultural de importância histórica e inequívoca, que tem contribuído para o seu crescente prestígio internacional, nomeadamente nas áreas da música, do cinema, da literatura e da arte contemporânea. Quem são os agentes que mais têm contribuído para essa credibilidade?

R: A Bienal de São Paulo cumpre um papel fundamental nesse sentido. Em relação a uma política de Estado, pode esquecer. As pessoas (sem diferenciação de partidos) têm endurecido as suas queixas contra o mercado. Talvez esperem medidas reguladoras do serviço público, com um sentido de responsabilidade sobre o interesse geral da cultura. De facto, entre os agentes do meio artístico, são os curadores (alguns) que têm assumido a tarefa de inserção da arte brasileira no contexto internacional. A pergunta da ARCO já insere a questão no âmbito da mercadoria. A firme presença de galerias brasileiras em feiras importantes como Basel e Basel-Miami tem contribuído para a formação do olhar do coleccionador. Esse coleccionador – também privado, mas, sobretudo, institucional – interessa-se por arte brasileira a partir do momento em que percebe existir uma constância de galerias que “representam” determinados artistas. A Tate Modern comprou na Frieze obras de artistas brasileiros em dois anos consecutivos. Galerias como a Luisa Strina, a Fortes Vilaça e a Casa Triângulo, têm muitos anos de investimento na produção contemporânea. E veja que isso acontece mesmo sem uma revista de arte no país! Fazemos nó com água!


P: Começou por considerar pouco relevante a importância de feiras nacionais ou temáticas, mas referiu a Frieze e a de Basel. Qual a diferença em relação às primeiras?

R: Penso que o esforço de fazer uma mega apresentação da arte do Brasil, comparando com o trabalho realizado pelas boas galerias, talvez não traga uma mudança quantitativa e qualitativa substancial. O acontecimento “Ano Brasil” pode não causar grande diferença. Há pouco tempo, houve um “Ano Brasil” em França e tenho dúvidas sobre o quanto esse evento terá alterado a imagem estereotipada que circula comummente. Você acha que o “Ano Portugal” mudou o ritmo de produção dos artistas portugueses? Como implementar algo que vá para além da festa e da política? A sorte do Brasil é que a arte contemporânea que produz tem um reconhecido prestígio. À partida, o evento em Espanha tem tudo para dar certo. E depois vão pensar que inventaram a visibilidade…é uma hora que “parece” mais democrática. Mas, infelizmente, o sistema da arte não é democrático. Entrar em boas colecções continuará a ser para poucos artistas, como o foi em todas as épocas desde a criação dos museus públicos. A maior diferença com o advento do capitalismo global reside na criação de colecções corporativas de multinacionais, cujo papel confunde os negócios: hoje temos a tendência de chamar público ao capital privado que se institucionalizou. É só isso, mas significa uma mudança radical, ainda a ser analisada e reanalisada...


P: Em que medida essa condição de país prestigiado poderia ser potencializada em termos da criação ou consolidação de políticas culturais, em ambas as dimensões local e global? Poderia isso contribuir para a sua democratização?

R: A arte brasileira é respeitada fora das suas fronteiras, malgrado alguns absurdos estruturais, nomeadamente a falta de uma revista especializada e a existência de vários museus sem direcção séria e sem programa… Basta acompanhar o número de artistas em colectivas internacionais e até mesmo em exposições individuais em museus de prestígio. A Folha de São Paulo acaba de publicar um estudo que diz que as classes C e D (pessoas que talvez nem ganhem um salário mínimo) melhoraram a sua condição económica e as classes D e E diminuíram em virtude da classe C ter aumentado! No Brasil há tanto trabalho informal que não sei como medir o salário, somos campeões da informalidade do contrato social. Eu baseei-me nesse crescimento para reflectir sobre o conceito de “gambiarra”.


P: Nós inventámos o recibo verde. Um recibo mensal de trabalho precário. Pagamos impostos e não temos regalias.

R: (risos) Perfeito! Toni Negri fala em precariado no lugar de proletariado.


P: O Estado demite-se da criação e consolidação de estratégias culturais actuantes na diversidade e na especificidade concretas do fenómeno social…

R: Exacto. E isso relaciona-se com a “gambiarra” sobre a qual escrevi há muitos anos atrás. É puxar energia sem pagar…


P: Considera que existe um vazio editorial no Brasil. Mas há projectos de reputação internacional, alguns em formato online que tiveram algum protagonismo recente, nomeadamente na Documenta 12. A Lisette é editora de uma revista…

R: Embora boa, a penetração da revista Trópico pouco influi no panorama geral, ela não é bilingue e a língua constitui uma barreira real. O maior projecto de reputação internacional da arte brasileira é a Bienal de São Paulo. Talvez por ter passado pela experiência de organizar uma edição da Bienal de São Paulo, que é um trabalho hercúleo – que envolve projecto, diplomacia, conceito, etc. –, tudo me parece sem grande possibilidade de transformar o mundo. Se nem uma bienal, que mobiliza viagens de pesquisa e consultores dos lugares mais distantes, voltada para uma grande causa e com vontade de estabelecer diálogos, consegue animar os colegas brasileiros para o debate, a partir de que paradigmas podemos pensar?


P: Enquanto curadora da Bienal anterior, como recebeu a notícia da opção curatorial de Ivo Mesquita, a qual não contempla a exibição de obras de arte no espaço da Bienal, mas que pretende antes promover uma reflexão teórica alargada sobre a pertinência do próprio modelo a partir da ideia de vazio?

R: Por um lado, a opção apresentada por Ivo Mesquita é uma não-opção. Sem tempo nem verba, ele pensou que isso seria pertinente. Por outro lado, deve ser levado em consideração que ele é um profissional de bienais. Ele passou uma década dentro da instituição, assumindo vários papéis, além de também se ter envolvido na concepção da Bienal de Joanesburgo. Ele sabe que uma Bienal é um formato expositivo que precisa de ser repensado, discutido, etc. Então, juntou a falta de tempo com a necessidade. E não é “a partir do vazio” como sugere a sua pergunta: é a partir da crise de uma gestão administrativa. O que causa perplexidade é como é que ele vai levar a ideia dele adiante com uma gestão notoriamente desastrosa. E depois, não é verdade que não haverá nenhum artista convidado. Ele vai convidar performers, designers, músicos... enfim, trata-se de dar visibilidade a outras formas de expressão artística. Mas eu prefiro que seja ele a falar do seu projecto do que estar eu aqui a defendê-lo de modo tosco.


P: As publicações decorrentes da 27ª Bienal de São Paulo, nomeadamente os projectos artísticos, já foram editadas?

R: Não. O livro correspondente ao “catálogo geral” está na gráfica. A terceira publicação, relativa aos seminários, não deve sair, não existe qualquer previsão. Esse atraso trouxe enormes prejuízos para a compreensão do meu projecto.


P: Mas esses seminários propunham já aquilo que Ivo Mesquita propõe agora como base do projecto da sua Bienal: uma reflexão alargada...

R: Eu não fiz um projecto de exposição. Preocupei-me em conceber um programa novo para a Bienal. O fim das representações nacionais significava reconhecer a emancipação intelectual do Brasil, para que a Bienal não fosse mais um “guiché” de ideias fora do lugar. Agora que o trabalho mais árduo foi realizado, ou seja, ter conversado com cada um dos agentes culturais dos diferentes serviços diplomáticos, um a um, da Austrália a Portugal, da China ao Japão... Prefiro não falar nos rumos actuais da Bienal e manter-me com esperança de que todo o esforço não tenha sido em vão.


P: Mais a questão orçamental que esse corte implicou... Certamente que a ausência de representações nacionais coibiu alguns países de contribuições financeiras mais substanciais. Como se defendeu a Fundação Bienal dessa nova situação?

R: Calma, vários países pagaram. Inclusive, compreenderam o sentido maior da palavra “cidadania”. Como podemos definir a situação de um cineasta turco que vive e trabalha em Berlim, para citar apenas um exemplo já notório? A Alemanha, como os Países-Baixos, entenderam o seu papel na questão das migrações na Europa. Quais são as informações de que o curador dispõe quando assume uma Bienal? Que os Estados Unidos, a França e a Grã-Bretanha financiaram os seus artistas? Maravilha, que novidade! Mas ninguém – da Bienal de São Paulo – sabe afirmar o valor da produção. A “instalação” vem quase pronta. Nessa edição, os Institutos responsáveis pela difusão da sua cultura no exterior tiveram de compreender o projecto da 27ª Bienal; entender a escolha curatorial dos artistas e, depois, viabilizar um trabalho novo. De qualquer forma, mesmo no sistema de representações nacionais, quando se convidava um artista de um país cujo regime político não era democrático, a Fundação já assumia as despesas. Quando o país não pagava, ou o financiamento era insuficiente, accionávamos uma negociação com as galerias (caso o artista a(s) tivesse). Eu não tive acesso ao orçamento geral. Apenas sabia que as verbas estavam a entrar porque, inclusivamente, eu estava a ajudar a captá-las. É um perigo pensar que o final das representações nacionais possa ter coibido contribuições maiores. Isso é colonização cultural. Você tem ideia do que é a política cultural oficial dos países sem liberdade de expressão? Retroceder seria um crime. A Indústria Cultural, perto disso, é um conto de fadas.


P: Serão acertadas as comparações recorrentemente estabelecidas entre o Brasil e a China ou outros mercados emergentes, nomeadamente a Rússia?

R: Não sei. Não gosto de comparações e não sou expert em mercado. É verdade que desde a Documenta 12, o Leste Europeu voltou a ocupar o centro dos debates. Acho excelente que se repensem os cânones. As narrativas históricas sempre foram contadas do ponto de vista das nações mais ricas, como se elas tivessem inventado tudo: a arte conceptual; os happenings colectivos; as intervenções urbanas; a contracultura e assim por diante. É difícil, para quem cultiva um mínimo de valores marxistas, ver a debandada dos países que foram socialistas ou comunistas a entrar nos padrões neoliberais de consumo, reproduzindo de modo acrítico a iconografia do capital. É um pesadelo!


P: No artigo sobre o “malabarista e a gambiarra”, publicado na revista Trópico, e a partir de uma frase de Cildo Meireles: “O malabarista é uma síntese do conceito de território. É alguém que administra três objetos num território para apenas dois”, Lisette escreveu: “Há uma astúcia na idéia de dilatar um território, onde antes cabiam dois, para três, quatro ou mil. E isto não vale apenas para o bote mas para a realidade econômica do planeta” . Quer desenvolver essa ideia? Há na “gambiarra” uma solução para o pesadelo global?

R: Há, sim, acredito. Este texto foi extraordinariamente usado, para minha surpresa, mas sinto-me péssima quando vejo o conceito a ser referido de modo inapropriado. Há um equívoco em estetizar a “gambiarra”, ou seja: estimular a coisa mal feita, grosseira, rudimentar... Nunca fiz um elogio àquilo que é feito sem cuidado, mas depois da publicação desse artigo, houve quase uma valorização exagerada de esculturas com papelão, vassouras, enfim... Cada material tem uma razão muito precisa para ser escolhido. Saíram atrás de uma fórmula, quando eu me estava a referir a um modo de sobrevivência, àquela economia informal mencionada antes: o precariado. Só não se pode achar que a pobreza é linda... A “gambiarra” tem a ver com o conceito de bricolage de Claude Lévi-Strauss.


P: A criação é uma forma de resistência?

R: A criação está a virar o mais novo fetiche do capitalismo. A origem da “gambiarra” foi inspirada na notícia da fuga, por mar, de dissidentes cubanos. A imagem da notícia – você deve ter visto muitas – mostrava uma camioneta transformada numa embarcação. Mas a ideia básica é: diante da proibição da lei, “como” fazer? Cuba é um exemplo. Eu tenho cuidado para que o conceito de “gambiarra” não perca o seu sentido transgressor, de ilegalidade. Quando o regime soviético caiu, Cuba perdeu a sua então maior força externa de sustentação e os seus equipamentos foram sucateados. O sistema entrou em colapso e o país envelheceu subitamente: a tecnologia é uma ferramenta que precisa de ser constantemente actualizada, senão transforma-se em ruína. Artistas, mas não somente artistas, trabalhadores e inventores, sabem que a consciência é poderosa. Hoje, basta não se ser passivo para que já se seja considerado crítico. Resistir é fazer uso da consciência. A “gambiarra” dá uma funcionalidade lúdica para aquilo que não tinha futuro. Outra imagem que me faz pensar muito é a do malabarista, evocada por Cildo Meireles, quando fala em saber manejar três objectos num espaço onde só cabem dois. Por que será que essa imagem de um objecto no ar, ou seja, fora do controle da mão, é tão importante no raciocínio de Cildo?


P: Sobre a apropriação invertida da “gambiarra”: os artistas produzem arte a partir de teoria crítica em vez da reflexão ser produzida sobre o objecto artístico. Tem o curador o poder de gerar uma fórmula artística?

R: Não sei responder. São os media que fazem isso.


P: Qual o papel de um curador no sistema globalizado da arte contemporânea?

R: Depende de cada um. Imagino que cada curador tenha um projecto pessoal e ideológico. Sempre me coloquei pronta a estimular a produção emergente, mesmo consciente das suas imperfeições, contradições, etc. Hoje percebo que quero inscrever um conjunto de ideias nesse tal mundo globalizado, mas talvez queira justamente desenvolver certos conceitos, como sejam a relação do artista com o lazer. Já não acredito tanto em “descobertas”.


P: É crítica, portanto, da importância generalizada do fenómeno da emergência?

R: Eu acho que, com os anos, tornei-me mais rigorosa em relação à definição de um verdadeiro artista. Isso parece contraditório com uma das plataformas que eu mais defendo: que o artista deve envolver não-artistas no processo de trabalho e que assim vamos construindo uma consciência maior e mais determinada. O que eu acho é que talvez não seja preciso ser “artista” para exercer este papel e um não-artista poderá também ser “construtor”, desde que contenha em si próprio uma enorme liberdade.


P: A sua resposta remete para a linguagem de Hélio Oiticica, artista cuja obra foi seu objecto de doutoramento e estrutura conceptual do seu projecto para a Bienal de São Paulo.

R: Ainda não consigo – talvez um dia isso ocorra – desvincular-me do que Oiticica pensou em termos de arte e de “além-da-arte”, ou seja, um estado em que não-artistas estariam inseridos no processo criativo. Defendi o doutoramento em 2003, após uma pesquisa longa e intensa nos arquivos de documentação escrita do artista. Quando me convidaram, em Abril de 2005, para pensar num projecto para a Bienal, eu não tinha conseguido encontrar uma referência que superasse Oiticica: tudo o que eu pensava fazia-me voltar a ele – espaço, escultura, cor, comportamento, cinema, teatro, performance, sociedade, música, arquitectura, cidade, urbanismo... Obviamente revi a estrutura de uma mostra “expositiva” e questionei o formato, mas eu precisava de encontrar um conceito. Conceito, sim, dispositivo, também, porém não tema. A Bienal de Paulo Herkenhoff tinha-me marcado muito nesse sentido, por ter sido uma bienal com um conceito e não uma bienal temática. Exposições de menor dimensão podem ser temáticas, do tipo “a linha e o espaço”, “a Europa nos anos 80” ou “o feminino e o fazer artístico”. São sempre possibilidades, porém todas de cunho restritivo. No meu entender, a Bienal deve ser mais generosa.


P: Quais são, para você, as linhas mais interessantes do pensamento plástico actual e que artistas melhor traduzem esses conceitos?

R: Os artistas que me têm interessado mais são aqueles em cujas obras vejo uma vontade de propor algo a nível “ambiental”, no sentido de aguçar as sensibilidades e abrir perspectivas fluidas entre o que é arte e aquilo que vem de outras disciplinas, como a arquitectura e o cinema. Nesse sentido, o cinema-de-artista, que não se limita ao espaço huis-clos de projecção em sala escura, tem potencial em termos da incidência na fruição do espectador em tempo real. Saliento, por exemplo, Dominique Gonzalez-Foerster. Mas isso não significa que eu não fique fascinada com o desenho do cubano Diango Hernandez e com a sua facilidade em expressar, através de um suporte tradicional, um leque de expectativas que nos chega dessa ilha onde tantos grupos de esquerda depositaram esperanças por um futuro melhor. Estou neste momento a escrever uma monografia sobre cada um destes dois artistas e estou, novamente, apaixonada.


P: Em Portugal discute-se actualmente a criação de uma Bienal de Lisboa. Enquanto observadora internacional, o que pensa sobre essa possibilidade?

R: Percebi que não tenho uma opinião unidimensional a respeito do fenómeno das “bienais”. Em geral, sou a favor de fortalecer aquelas que já existem, porque tenho uma tendência para pensar que as coisas só fazem sentido quando geram uma tradição, não quando esta tradição é compreendida como repetição, mas antes enquanto terreno fértil para a criação de expectativas. Considero que as bienais são grandes momentos de encontro entre especialistas do mundo inteiro – este é o aspecto mais promissor – e, nesse sentido, a criação de uma bienal assenta sempre numa necessidade de colocar uma determinada cidade em evidência. Parece-me que seria muito bom para Lisboa, porque já existe uma infra-estrutura institucional próspera. Sou mais céptica em relação à criação de bienais em lugares sem visão patrimonial, pois não acredito que o turismo possa gerar, em si, um projecto educativo. Quando as bienais são importantes na formação dos artistas locais, elas convertem-se em capital cultural. O meu (pouco) contacto com jovens artistas portugueses faz-me pensar que há uma necessidade latente de internacionalização, a ser atendida de um modo ou de outro.