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ENTREVISTA


Patrícia Lino.


Manoel de Barros e A Poesia Cínica (2019), de Patrícia Lino. Relicário Edições, Brasil.


Capa provisória de I WHO CANNOT SING (2020), de Patrícia Lino. Gralha Edições, Brasil.


Cartaz de Vibrant Hands, de Patrícia Lino.


D’O Kit de Sobrevivência do Descobridor Português no Mundo Anticolonial, de Patrícia Lino.


Anti-Corpo, de Patrícia Lino.


ORAÇÃO (2019), de Patrícia Lino. Poema Visual de grande escala.


VIRADA (2019), de Patrícia Lino. Poema tridimensional. Acrílico sob papel cartão. 10cm.


VIRADA (2019), de Patrícia Lino. Poema tridimensional. Acrílico sob papel cartão. 10cm.


VIRADA (2019), de Patrícia Lino. Poema tridimensional. Acrílico sob papel cartão. 10cm.


THE UNITED STATES OF LONELINESS (2018), de Patrícia Lino. Poema audiovisual.


ARGOS (2020), de Patrícia Lino. Poema audiovisual.


ARGOS (2020), de Patrícia Lino. Poema audiovisual.

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JORGE MOLDER



MANUEL J. BORJA-VILLEL



MIGUEL VON HAFE PÉREZ



JOÃO RENDEIRO



MARGARIDA VEIGA




PATRÍCIA LINO


01/03/2020 

 

 

Patrícia Lino nasceu no Porto em 1990. É licenciada e mestre pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto, com bases em grego antigo e latim e especialização em poesia brasileira, com uma dissertação com foco no poeta brasileiro Manoel de Barros e a proposta de ligação da sua poética à filosofia grega. É artista, poeta interdisciplinar, ensaísta e dá aulas de literatura, cinema e cultura brasileira e portuguesa na UCLA, depois de se ter doutorado e leccionado em Santa Bárbara ao abrigo de uma bolsa, o que a furtou aos seus planos de estudar no Brasil, mais próximo das suas afinidades literárias. Partiu para Santa Bárbara, sabendo apenas que Santa Bárbara era o local onde muitos poemas de Jorge de Sena foram assinados. Depois de cinco anos e um doutoramento focado na poesia brasileira do século XX (e XXI também) e muitas aulas leccionadas - desde o português à literatura mexicana - partiu para Los Angeles, onde lecciona, desde Setembro de 2019, literatura, cinema e cultura brasileira e portuguesa.
Patrícia tem uma voz madura, e um tom pausado, como quem ensina sempre que fala. Falámos do seu percurso, do seu trabalho, das suas obsessões, da interdisciplinaridade e do afecto que tem ao trabalho editorial de Nuno Moura, com olhos atentos e sem conservadorismo e com quem irá publicar, via Douda Correria, o seu próximo livro de ficção em Portugal: O Kit de Sobrevivência do Descobridor Português no Mundo Anticolonial. Conta-me que desde sempre desejou ser professora universitária por quatro grandes razões: o ensino, a independência financeira, a obrigatoriedade de estudar para sempre e a possibilidade de manter em paralelo outros afazeres, como a poesia. Como percebemos das suas respostas a distinção entre fazeres, poético e ensaístico, há muito deixou de fazer sentido, e é na unidade que se revê. Esta unidade leva-a a uma prática que é extensa e enclausurável: foge dos meios estáticos, e está sempre em desenvolvimento e (des)adaptação. Existe entre plataformas, entre meios, entre disciplinas e também entre pessoas. O texto que se apresenta trata-se de uma adaptação da tele-conversa que tivemos.


 

Por Catarina Real

 

 

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CR: Talvez possamos começar com o teu livro Manoel de Barros e A Poesia Cínica (Relicário Edições, Brasil 2019).

PL: O livro propõe a leitura da poesia de Manoel de Barros como uma manifestação moderna da filosofia cínica, a partir da exploração da figura de Diógenes de Sínope e do que ele, segundos outros, propunha. Por outras palavras, olhar a poesia do Manoel como uma reinterpretação dos princípios cínicos ou kínicos e assumir o corpo material, bem como as partes do corpo que a cultura ocidental reprimiu e ainda reprime. Manoel de Barros e A Poesia Cínica toca nestes pontos e em muitos outros, e tenta construir um novo corpo a partir da ideia de nascer duas vezes dentro da própria vida, que é um ponto a que o Manoel regressa obsessivamente.

 

CR: Foi assim que se iniciou esta confluência, ou chão, diz-me tu, entre escrita ensaística, académica e a escrita poética ou visual?

PL: Deixei, desde cedo, de fazer uma distinção absoluta entre escrever um poema e escrever um ensaio, considerando o prazer que ambos me traziam. O que também está muito relacionado com a minha crença de que um ensaio é criativo, porque acredito que, se um ensaio não é criativo, não deverá valer a pena escrevê-lo. Tenho muito prazer em fazer os dois, o poema e o ensaio.
Falo muito deste prazer aos meus alunos e alunas. Muitos deles(as) aparecem-me com dúvidas. Perguntam-me: “como é que eu sei que é mesmo isto que quero fazer, seguir a carreira académica?” Costumo responder-lhes com uma pequena anedota. Peço-lhes que imaginem um(a) pintor(a), que pinta muito todos os dias, e que deixa imediatamente de pintar a partir do momento em que não precisa de o fazer mais. Pergunto-lhes se acham esta estória coerente. Respondem-me sempre que não.
Por que razão não imaginamos o académico como imaginamos o pintor?
Eu tenho muito prazer ao escrever um ensaio e o mesmo prazer ao escrever um poema, porque tudo se relaciona. Escrever sobre poesia interdisciplinar ajuda-te, além disso, no fazer do poema e vice-versa. Tudo se intersecta: pensar, ensinar e escrever. Tudo isto é, para mim, trabalho de poeta.

 

CR: Concordo completamente com a tua visão prazerosa do fazer, que me parece ainda contra-corrente, porque esta visão do artista, do poeta, que sofre ainda é vigente. A criação como dor. O artista como sofredor. Sentes que ainda é essa a visão generalizada?

PL: Essa imagem está muito ligada à imagem do homem — não da mulher — do homem solitário, genial... O homem é o que vive na solidão de criar, a sofrer genialmente...! Assim como a imagem do académico intocável. Mas isto tem os dias contados, e ainda bem. É, em primeiro lugar, um discurso masculino e classista e, para quem existe fora dele, absurdo. [risos] Assenta sempre numa ideia de superioridade e, para mim, ser poeta ou professora não parte da superioridade nem termina nela. Pelo contrário: são dois enormes exercícios de empatia.

 

CR: Dito isto sobre a interdisciplinariedade, revês-te em alguma geração de poetas, ou artistas, talvez aquelas mais marcadas por um experimentalismo?

PL: Há poetas portugueses e portuguesas que marcaram e marcam o meu trabalho e a minha vida... poetas que são fundamentais para mim a todos os níveis, como o Cesário, o Ruy Belo, o Cesariny ou a Fiama. Acho que não me identifico com nenhuma geração em particular e quando chego perto de me identificar, sinto que não caibo lá realmente. E não tenho de caber.
No Brasil, poetas como o Drummond, o Bandeira ou o Murilo. A poesia concreta, sem dúvida, e todos os movimentos imediatamente seguintes. Os anos 50 e 60 são muito interessantes. Os poetas concretos, neoconcretos, o poema-processo. Esta contínua briga poética interessa-me muito. Há um sentido de experimentação muito grande... Alguém pensa: “Vou fazer um poema que é uma casa!” E fá-lo, de facto. O Poema Enterrado é, como disse Ferreira Gullar, o primeiro poema com morada na história da poesia brasileira. A Neide de Sá, a Lygia, o Paulo Bruscky... Identifico-me e quero muito essa coragem de experimentar, de correr o risco e do fazer sem medo.

 

CR: Os teus contemporâneos, também estes que participam contigo em “I who cannot sing” [álbum de poesia mixada a ser lançado ainda em 2020 que conta com a colaboração de Luca Argel, Angélica Freitas, Pedro Eiras, Guilherme Gontijo Flores, Ricardo Domeneck, Raquel Nobre Guerra, Cláudia R. Sampaio, Miguel Cardoso e Letícia Feres], aí inscreves-te? Ou sentes que há uma distância?

PL: Gosto muito de entrar em diálogo com elas e eles. Aprendo muito. Este projeto, I Who Cannot Sing, é muito bonito porque o diálogo acontece de modo bastante natural. O processo desenrola-se um pouco assim: seleciono ou eles(as) selecionam um dos seus poemas, peço-lhes depois que se gravem a ler o poema, ou gravo-os eu, e depois passo muitos dias a ouvir a sua voz, a leitura, a entoação que dão a certas passagens ou a certos silêncios... o modo como evidenciam uma certa palavra. Escuto-os a todas as horas do dia durante muito tempo. Depois começo a traduzir tudo isto para sons. Funciona muito como o processo tradicional de tradução: como é que encontro o som certo para esta palavra, o instrumento certo para acompanhá-la, como marco os silêncios...? Todas as perguntas que se fazem quando se traduz.
Estou praticamente a acabar! O álbum sairá no Brasil este ano pela Gralha Edições. Será um pequeno livro que se desdobrará em poemas e num código que nos levará para o site onde o álbum vai estar disponível.

 

CR: Agora falavas das estratégias e processos de tradução e lembrei-me do “Vibrant Hands”, que é baseado em 12 tisanas de Ana Hatherly. Parece-me que tem também o mesmo processo, o mesmo acompanhamento das palavras, com a imagem e com o som. Este processo de tradução é uma coisa constante na tua prática?

PL: Sem dúvida. Em 2017, depois de uma oficina de ilustração e poesia que organizei em São Paulo, alguns amigos, músicos de profissão, disseram-me que, apesar de eu os ter convencido a desenhar, não me tinha ainda arriscado na música. Fui para casa a pensar. Que enorme incoerência da minha parte: exigir dos outros que se arriscassem em novas linguagens e temer, eu própria, arriscar-me no som. Comecei, um pouco depois, a fazer os primeiros beats, cutucando a mesa, o corpo, usando a voz e, a partir daí, não parei. Li, fiz muitas perguntas e estudei bastante. Tornou-se obsessivo. Vibrant Hands é o primeiro trabalho onde me arrisco realmente no som. As palavras são da Ana, e tudo o resto é o resultado da combinação entre a imagem e o som.

 

CR: A Ana Hatherly é uma dessas referências individuais em te revês, esta figura da mulher, artista, académica, poeta?

PL: Ela é bastante importante para mim. Descobri o trabalho dela quando tinha 17 anos, mais ou menos, e foi realmente um acontecimento. Primeiro não entendi, depois quis entender e, quando entendi, espantei-me muito. Além disso, ela era precisamente todas essas coisas ao mesmo tempo: poeta interdisciplinar, ensaísta, professora.

 

CR: Tinha também apontado o “Não é isto um livro” para falarmos um pouco. Apontei algumas coisas do livro porque enquanto ideias eram muito singulares, como no poema “A Pantufa” - a antiguidade da pantufa ser semelhante à da bússola - e também a formulação “não há estética onde não há deus”.

PL: O livro ia sair em Maio, mas o lançamento foi adiado para Junho. Será publicado na Colômbia e faz parte da coleção de poesia portuguesa das Edições Vestígio. A coleção, curada e traduzida por Jerónimo Pizarro, é muito necessária e urgente. Admiro muito o trabalho do Jerónimo, que é, além de um enorme ensaísta e editor, o grande divulgador da poesia portuguesa na Colômbia, e do Diego Cepeda, diretor das Ediciones Vestigio e um desses raros designers de palavras. Esse poema em particular, a “Pantufa”, foi escrito em 2018. No deserto do Arizona, há espaços exclusivamente dedicados a receber e a identificar os corpos de quem tenta cruzar o deserto rumo aos Estados Unidos. Também conservam as pantufas que, sobretudo os(as) mexicanos(as), usam para proteger os pés sem deixar rastro; acumulam-nas. Perto desses espaços vivem alguns artistas que se interessaram pelo tema e começaram a produzir objetos a partir das pantufas e das garrafas de água. As preocupações destes artistas pareceram-me absurdas. O poema di-lo... limpar ou não a pantufa antes de colocá-la no museu? Não basta assumir o privilégio em que vivemos, temos de descer dele. O poema é tudo isso, uma descida. Não há estética onde não há deus, porque para eles e elas, no meio do deserto, deus deixou de existir. É o momento em que, queira dizer deus o que queira dizer, ele deixa de existir. Ao mesmo tempo, a “Pantufa” é um poema inútil, porque não muda absolutamente nada. Talvez avise quem, como eu, sabia muito pouco sobre o assunto. Mas não muda absolutamente nada.

 

CR: Também vindo deste livro, fica-me a pergunta: há coisas das quais, de facto, não se pode falar? [Num dos poemas de “Não é isto um livro” lê-se “A minha namorada fazia um ruído desagradável/ ao sorver praticamente todos os líquidos// Deixei a minha namorada/ por não aguentá-lo/ e tampouco por ter como dizer-lho/ pois como falar do sorvo// do amor sim/ mas do sorvo?” ]

PL: “Desencanto” é um poema cómico. Quero que as pessoas se riam, não do sorvo, mas do desconforto ou da poeta que está desconfortável por ter de escrever um poema desconfortável ou lidar com a vida prática.

 

CR: Voltando ao que falavas antes, e tocando n’O Kit de Sobrevivência do Descobridor Português no Mundo Anticolonial, achei muito curiosa a ironia didática como este é construído. E também aqui faço um destaque de algumas formulações como quando referes em ”Bola-Mapa Mundi” que depois da colonização, veio o futebol ou em “Caravelas”: “Tememos que a inspiração profunda dos aromas referidos anteriormente provoque uma crise de nostalgia ou, no pior dos casos, saudade. Não há nada maior que a saudade portuguesa.”
Achas que já existimos no mundo anticolonial e achas que este kit ainda há-de servir alguém?

PL: Apesar de serem muito diferentes, O Kit surge ao mesmo tempo que o Anticorpo, outro livro e paródia anticolonial. Li O Kit e exibi o Anticorpo várias vezes em Dezembro de 2019 em Portugal. A par do riso, havia uma sensação de desconforto, um sentimento de culpa e algum choque. A reação dos portugueses e portuguesas que estavam na audiência era radicalmente distinta da reação dos brasileiros e brasileiras que também lá estavam. Os(as) portuguesas assumiam e engoliam, de algum modo, a responsabilidade dos horrores do passado. Fiz questão de apresentar o texto em público antes de publicá-lo, porque queria ver qual era a reação das pessoas, que foi esta. Claro, isto aconteceu em espaços portugueses abertos e receptivos, porque sei que, noutros espaços, teria sido atacada. Por outras palavras: este livro é óbvio e não é.
O Kit é uma apropriação daquilo que fomos ouvindo a vida inteira. O trabalho de paródia já está feito. Quando as pessoas o ouvem, fora do contexto dos dias, apercebem-se da fragilidade e do ridículo do discurso colonial; o que, horas antes, não parecia tão frágil e ridículo na rua ou no supermercado.

 

CR: Qual a tua relação com o contexto expositivo?, quando não é ainda declarada a união do universo da Poesia e das Artes plásticas?

PL: Impressiono-me sempre muito quando um(a) poeta me diz que não tem interesse em pensar ou ampliar o seu trabalho visualmente. Impressiono-me também com o contrário, um(a) artista visual que, por exemplo, não lê poesia. A monodisciplinaridade em Portugal é fortíssima... por isso é que dizia que alguns dos meus objetos não serão literários...

 

CR: Mas teriam outra leitura dentro do universo das artes plásticas.

PL: Verdade. Participei, muito recentemente, numa exposição colectiva aqui em LA com um vídeo-poema chamado “The United States of Loneliness”. Nem as curadoras nem os colegas o estranharam. O alarido depende, claro está, muito dos espaços e das pessoas.

 

CR: Há mais algum projecto próximo que queiras referir?

PL: O Golpe Concêntrico, que é o segundo ensaio maior que pretendo publicar a seguir. Será uma extensão da minha tese de doutoramento, que entra também nesta questão da interdisciplinaridade: se estou a trabalhar sobre um objecto que é interdisciplinar, deve o meu ensaio adaptar-se a ele, deve o meu ensaio ser também interdisciplinar? Tenho trabalhado muito esta questão. Como fazer e validar este tipo de ensaio. É contraditório que a validação de um poema interdisciplinar tenha de fazer-se via ensaio verbal. Parece não haver realmente saída deste círculo tão eficiente e... robusto.
Tenho pensado muito na ideia de espanto. Um ensaio interdisciplinar, porque está também em fase de validação, tem de causar espanto. Se não causar o espanto ou o pasmo, vai receber sempre a mesma crítica: o que traz este ensaio interdisciplinar que um ensaio inteiramente verbal não possa trazer? Tentei desenvolver, na teoria e na prática, esta questão num ensaio, “O prazer rigoroso e a leitura pós-verso”, que será publicado em Portugal em Junho pela Universidade Fernando Pessoa.
Precisamos ainda muito do espanto.

 

CR: Quanto à situação actual - e diz-me como é o estado das coisas por aí - achas que se torna ainda mais pertinente pormos “amor no nosso tédio”? Ou ainda não chegamos à parte do tédio, e estamos só nervosos? Achas que há lugar para uma palavra activa dos artistas e dos poetas neste momento?

PL: A situação é bastante alarmante. O sistema de saúde que, aqui, é privado não está, de modo absolutamente nenhum, preparado para lidar com uma crise como esta. Os preços dos cuidados médicos são incomportáveis. É muito triste pensar que, entre os mais frágeis, estão também os que não têm seguro de saúde.
Ao mesmo tempo, é muito interessante perceber que, em situações como esta, as pessoas voltam aos poemas. Talvez tenha muita sorte, mas tenho visto, sobretudo nas redes sociais, muitas pessoas a partilhar vídeos onde leem os seus poemas favoritos. Poemas e não passagens de romances!, são poemas o que estão a ler. E isto diz-nos alguma coisa: o poema não resolve nada, não dá respostas, mas, como verbo, imagem e música, talvez acalme e conforte, e é aquilo a que as pessoas sentem necessidade de voltar numa situação como esta. É interessante para mim, alguém que trabalha todos os dias com poesia e que ouve tantas vezes que a poesia é o mais inútil dos géneros, constatar que ela serve no fim e antecipa o início de uma mudança muito grande. Tenho-me perguntado sobre o que quer isto dizer.
Dentro da comunidade literária brasileira, com que tenho muito contacto, percebo uma necessidade muito grande em comunicar; estão constantemente a organizar debates online, lives, não necessariamente sobre a pandemia, mas para discutir ou ler poesia. É, aliás, muito curioso que este momento de crise nos tenha feito perceber que podemos organizar sessões, de repente, multi-internacionais com meios que estão, há muito tempo, à nossa disposição.
O importante é não ficar parado: por exemplo, o meu querido colega José Luiz Passos teve a ideia de organizar um conjunto de eventos live chamado Lido em LA/Read em LA, com escritores(as), poetas e editores(as) luso-afro-brasileiros(as). Muito em breve, aqui na UCLA.
Não escrevi ainda sobre a pandemia ou as consequências dela. Escrevi outras coisas que nada têm a ver com a pandemia, mas a que a pandemia talvez me tenha levado: comecei a reler Homero durante a quarentena e fiz, por exemplo, um vídeo-poema a partir da passagem que narra o reencontro de Ulisses e Argos.

Como professora, tive de adaptar-me, como todos(as) os(as) meus(minhas) colegas, muito depressa. Não só gravo as aulas, como crio animações e montagens e peço aos(às) estudantes projetos que fazem mais sentido num momento como este: produzir uma curta-metragem sobre o isolamento ou sobre as perguntas que têm feito durante o isolamento; pensar sobre a comunidade LGBTQIA+ ou a violência contra as mulheres num contexto como este a partir de um ou mais filmes; fazer um livro de artista durante este período a partir dos mesmos temas. De resto, tem-me custado escrever sobre o tema propriamente dito — talvez por estar há já tantos dias fechada e assistir a tanto sofrimento. Isto faz com que não consiga escrever sobre o assunto. Talvez depois, mas não agora.