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ENTREVISTA


Pedro Tudela.


Three-Body Problem, CD.


Esquírola, 2014


f/o/r/m/a/t/o, 2013


Privado s/Público, 2013


Re... , 2010


Re... (02) , 2010


Ubu's, 2005


Piecemeal, 2005


Dupla Sombra, 2003


Rastos, 1997

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PEDRO TUDELA


 

Artista multifacetado, com obras diversas que se estendem desde a pintura, a instalação, a performance, até à música e ao multimédia, Pedro Tudela vem desde os anos 1980 desenvolvendo uma experimentação própria a nível plástico e sonoro. Actualmente professor na FBAUP, acabou de lançar o disco “Three Body Problem” que foi o mote para a conversa com Artecapital.


Por Ricardo Escarduça e Victor Pinto da Fonseca

 


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RE: Three Body Problem, o seu mais recente álbum, está disponível a partir de 24 de Maio no bandcamp da plataforma Crónica. O álbum tem origem na banda sonora da peça de teatro Agapornis (Outubro 2014) inspirada na vida e obra de Anais Nin, mas vai mais além. Por decisão própria, o processo criativo foi estendido após a apresentação da peça, ao longo de dois anos, até à sua forma final. O que nos podes dizer sobre o processo criativo, seja na sua fase inicial enquanto banda sonora da peça, seja na sua fase de amadurecimento após a peça? Como e porquê adoptar esse período e esse processo criativos? Que marcas e impressões da peça e de Anais Nin podemos encontrar no álbum?

PT: O trabalho do @c (Pedro Tudela e Miguel Carvalhais) tem um processo de composição conceptual muito estruturado, mas procura a emergência e o imprevisto, por isso, é também muito plástico, tratando o som como matéria a moldar e a partir da qual as várias peças vão nascendo organicamente; basicamente é assim que a nossa produção sonora se desenvolve. Este caso não foi exceção, estruturámos a sonoridade que queríamos incutir a partir da peça, das conversas do encenador, dos bonecreiros (tratava-se do teatro de marionetas do Porto) e dos ensaios. Concluímos que era importante trazer alguns instrumentos acústicos para a organização e diálogo do universo de banda sonora que se estava a desenhar. O processo de trabalho do @c sempre foi colaborativo e este é um dos discos mais colaborativos que produzimos até à data, mas, mesmo antes da peça se tornar em disco, essa colaboração assentou nas participações de duas instrumentistas com sonoridades produzidas pela categórica presença do corpo e do maneio como modo concludente. Assim convidamos a Susana Santos Silva com trompete e a Angelica V. Salvi com a arpa. Conhecemos e já colaboramos algumas vezes com ambas, mas para este caso a diferença de registos das cordas e do trompete foi fulcral. A manipulação experimental das cordas da arpa e o sopro do trompete, tanto como os registos identificados de ambos instrumentos, tinha lugar no diálogo apontado para os ambientes sonoros e estruturais da peça. É certo que nessa fase da composição os pedidos partiram de nós, mas após conversas e primeiras experiências com ambas, às solicitações juntaram-se as sugestões delas como definitivas contribuições construtivas.
A banda sonora foi construída em vários quadros e o espaço do som, na peça, organizava áreas e quadros instruídos. Num álbum (disco), se não for apenas um testemunho, esse lugar/posição deixa de existir, a não ser que o exercício de memória consagre essa carência. Mas por outro lado, o álbum, como obra/peça, deve ter autonomia e consequência. Assim, o decurso de rever todo o material que tinha sido produzido para a Agapornis, não foi muito diferente dos exercícios de revistação e apropriação que temos desenvolvido. Revisitar, recolar e repensar este trabalho permitiu reconsiderar sequências de composição que supostamente vão existir para além da peça e da sua banda sonora. Para isso também foi importante o envolvimento de instrumentos/sonoridades e ideias/contágios, nesta fase resolvidos com as participações de João Pais Filipe (gongs) e do Ricardo Jacinto (violoncelo). Ambos surgem numa fase muito avançada da composição e, se por um lado os gongs foram requeridos ao João, a condição da inclusão de outro instrumento de cordas (violoncelo) foi pensada e/ou entregue ao Ricardo com a abertura da ingerência de um outro criativo mais.
Apesar deste tempo repensado e reescrito do que tinha sido produzido para Outubro de 2014, Three-Body Problem mantém algumas estruturas articuladas ao que agora é estruturado por faixas e uma obra com um novo alinhamento.


RE: Se quisermos catalogar o género musical de Three-Body Problem, concordaria que seria descrito como música experimental e música concreta, com as suas sonoridades eletroacústicas aleatórias e imprevisíveis e a sua distorção das normais regras de composição musical? Como são traduzidas estas práticas musicais no álbum?

PT: Não se trata de transpor ou perfilhar condutas de estilo. Entre as minhas cismas tendencialmente associadas à minha formação de artista plástico/visual e as práticas de designer do Miguel Carvalhas encontramo-nos no experimentalismo do espaço sonoro instintivamente contagiado pela cronologia, mas conscientemente aberto ao que que nos desperta hoje, tanto no campo do som musical como em outras áreas cujo som tem protagonismo. Hoje, no modo de pensar a composição musical e a experiência sonora, temos sons que apenas podem existir articulados a terminologias recentes, mas que, potencialmente, seriam explorados conceptualmente de forma conciliável no passado. Creio que este álbum espelha este modo de estar e ver as coisas no espaço sónico.


RE: O projeto multifacetado a que está associado o álbum terá ainda uma outra vertente – a videoarte. O que nos pode revelar sobre esta vertente visual do projeto?

PT: Em contextos de concerto e instalação, desde 2001, trabalhamos com vídeos em tempo real da artista visual Lia. O trabalho tem sido continuado e expandido de um modo crescente. Como tal, desde o início desta colaboração, também temos produzido algumas peças áudio visuais para exposições em formato de instalação vídeo e/ou vídeo arte.
Desta vez, além do vídeo da Lia para Three-Body Problem, resolvemos propor a outros artistas com articulações ligadas à programação, próximos da linguagem do cinema ou do universo da animação para que, de um modo experimental, produzissem vídeos para cada uma das faixas do álbum. Tivemos a resposta de oito artistas que, com um vídeo criado por mim juntamente com Miguel Carvalhais, cobriram a integra do alinhamento sequencial do álbum. Apresentamos em sessão continua por ocasião do lançamento do disco e será também apresentado no programa das Curtas em Vila do Conde.


RE: O álbum será lançado através da plataforma online Cronica de que o Pedro Tudela é um dos responsáveis, dedicada à música eletrónica experimental. No entanto, a atividade da Cronica vai além da edição e comercialização de música – um processo criativo orgânico, colaborativo e evolutivo. O que nos pode contar sobre o processo de trabalho e de criação artística ao abrigo do ambiente da Cronica, seja no que se refere à interação entre artistas, seja no que se refere aos casos específicos da Cronicaster e da Futurónica?

PT: Embora também tenha uma plataforma online, a Crónicaelectronica não é apenas uma plataforma online.
A Crónica é um ponto de confluência de artistas de paragens muito diversas, por isso, embora se promovam ocasionalmente colaborações e interação entre artistas, nem sempre estão disponíveis meios para que isso aconteça. Alguns exemplos interessantes onde foram explicitamente promovidas colaborações são algumas das compilações que editamos; em particular o L (quinquagésima edição da label e distribuída gratuitamente na revista Neural), com os duos inesperados, ou o Essays on Radio na versão DVD. Mas também os concertos “Natal dos Experimentais” (que já vai na 11ª edição), onde promovemos várias vezes encontros e colaborações, algumas foram, entretanto, documentadas em podcast na Cronicaster.


VPF: O teu trabalho de artista visual está invariavelmente comprometido com o som, com o teu percurso de músico. Como observador surge-me admirável esse entendimento ou dupla percepção das tuas obras de arte sonoras... Esta afinidade e/ou dupla percepção é a ideia fundamental das obras de arte que crias?

PT: O meu interesse pelo som já vem de há muito. Incluí-lo e/ou compromete-lo com a minha prática plástica só se efetiva em 1990 com o projeto Mute ... Life. Com esse projeto entendi que a plasticidade do som tinha lugar no meu trabalho. Mas, tal como outra qualquer matéria, tem requisitos que são exclusivos e a contenda é mesmo respeitar essas características e adequá-las às ideias. Como esse é um processo recorrente no meu trabalho, então sim, diria que passou a ser fundamental porque contém haveres que são seus, e para mim, insubstituíveis ou mesmo não representáveis. Há muitos objetos mudos que remetem para o som, mas isso verifica-se com tantos outros assuntos/objetos que não sendo manifestamente qualquer facto, transportam consigo os seus pré-conceitos ou, ainda, de forma e modo atrativos, importam novas relações.


VPF: No teu trabalho - para além de se ver o desenvolvimento intelectual das tuas ideias -, consegue ver-se em cada uma das obras um trabalho de artesão, a beleza da elaboração manual, que apela diretamente à nossa capacidade de apreensão visual.
Significa isto um saber fazer entre diferentes impulsos ao mesmo tempo... quero dizer, pensar e sentir simultaneamente. Parece-te fazer sentido esta descrição do teu trabalho?

PT: Talvez seja adequada essa afirmação em jeito de pergunta, mas por outro lado há imediatamente umas tantas questões que se levantam: o que é a beleza da elaboração manual? O que é que é belo na relação das partes? O que é matéria escolhida para ocupar o lugar do pensamento e da decisão? O que é saber fazer no contexto da plasticidade? ... e por aí fora. Provavelmente são algumas das perguntas que, longe de mim achar que são exclusivas, invadem as várias fazes do pensamento e ação, ou que se apreendem, na produção, na concepção e no resultado.


VPF: A maioria das tuas obras de arte são criações pensadas como uma experiência sensorial expandida: visual, sonora, somática... Gostava de saber se essa união entre artes plásticas, música, performance, e literatura, te criou uma identidade flexível híbrida sem fronteiras claramente delineadas… Como é que trabalha a tua imaginação no dia a dia?

PT: Bem sei que é um lugar comum dizer que o dia a dia é também trabalho para quem incrementa acto criativo, que não desligamos o interruptor para esquecer o que nos absorve, mas de facto as coisas estão em todo o lugar e o gabinete ou a oficina agora também pode não ter condomínio fechado. Não quero confundir os factos afetos a determinados resultados, mas o meu trabalho assimila o que já existe e o que pode ser novo quando construído e/ou relacionado. Como já afirmei, os objetos e as linguagens suportam os seus pré-conceitos os seus requisitos, mas quando conduzidos, afirmam-se e não negam o que já consigo transportavam.


VPF: A intensidade - a trajetória individual - das cidades e dos países, vai e vem consoante as suas aspirações e desejos em progredirem culturalmente; o conhecimento é o grande antídoto contra os preconceitos, a única maneira de seguirmos adiante, e de estarmos realmente vivos.
Enquanto artista tens um saber ampliado que expande a tua capacidade de conhecimento do universo artístico em que vivemos; simultaneamente, és professor e diretor do curso da licenciatura em artes plásticas na FBAUP. Pergunto-te: estamos a ser capazes de construir o enquadramento apropriado para no futuro imediato as novas gerações fazerem o que tem de ser feito - irem para além do que sabemos? E este 'para além do que sabemos', estas esperanças, ou, se quiseres, estes sonhos para o futuro, aprende-se na universidade? Ou é fundamental que se desenvolva o experimentalismo - a prática - que permite ser performativo e progredir...

PT: É o experimentalismo que está no sítio certo para rebater o conformismo ou a formatação dos factos. Não somos apenas nós, os que já ‘sabemos’, que fazemos a cama ideal para que no futuro se use ou empregue adequadamente o que é transmitido. Não devemos sacudir a responsabilidade da transferência do conhecimento e como bons anfitriões, damos o que temos e sabemos, contudo é absolutamente necessário dar espaço e responsabilidade a quem aparece.