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ENTREVISTA


John Akomfrah. Cortesia Lisson Gallery. 


John Akomfrah Purple, 2017. © Smoking Dogs Films; Cortesia Lisson Gallery. 


John Akomfrah Purple, 2017. © Smoking Dogs Films; Cortesia Lisson Gallery. 


John Akomfrah Purple, 2017. © Smoking Dogs Films; Cortesia Lisson Gallery. 


John Akomfrah Purple, 2017. © Smoking Dogs Films; Cortesia Lisson Gallery. 


John Akomfrah Purple, 2017. © Smoking Dogs Films; Cortesia Lisson Gallery. 


John Akomfrah Purple, 2017. © Smoking Dogs Films; Cortesia Lisson Gallery. 


John Akomfrah Mimesis : African Soldier, 2018. © Smoking Dogs Films; Cortesia Lisson Gallery.


John Akomfrah Mimesis : African Soldier, 2018. © Smoking Dogs Films; Cortesia Lisson Gallery.


John Akomfrah Mimesis : African Soldier, 2018. © Smoking Dogs Films; Cortesia Lisson Gallery.


John Akomfrah Mimesis : African Soldier, 2018. © Smoking Dogs Films; Cortesia Lisson Gallery.


John Akomfrah Mimesis : African Soldier, 2018. © Smoking Dogs Films; Cortesia Lisson Gallery.

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LUÍS SÁRAGGA LEAL



ANTOINE DE GALBERT



JORGE MOLDER



MANUEL J. BORJA-VILLEL



MIGUEL VON HAFE PÉREZ



JOÃO RENDEIRO



MARGARIDA VEIGA




JOHN AKOMFRAH


 

[for the English version click here]

 

John Akomfrah é um artista e cineasta altamente respeitado, cujas obras são caracterizadas pelas suas investigações sobre memória, pós-colonialismo, temporalidade e estética, explorando muitas vezes as experiências das diásporas migrantes globalmente. Akomfrah foi membro fundador do influente Black Audio Film Collective, que começou em Londres em 1982, juntamente com os artistas David Lawson e Lina Gopaul, com quem colabora ainda hoje.
Akomfrah (nascido em 1957) vive e trabalha em Londres. Teve inúmeras exposições individuais, incluindo no Imperial War Museum, Londres, Reino Unido (2018); New Museum, Nova Iorque, NY, EUA (2018); SFMOMA, San Francisco, CA, EUA (2018); Museu Nacional Thyssen-Bornemisza, Madri, Espanha (2018); Barbican, Londres, Reino Unido (2017); Tate Britain, Londres, Reino Unido (2013-14) e uma série semanal de exibições no MoMA, Nova York, EUA (2011). A sua participação em mostras internacionais colectivas incluiu: 'Unfinished Conversations', Museu de Arte Moderna, Nova York, NY, EUA (2017); ‘The 1980s: Today’s Beginnings?', Van Abbemuseum, Eindhoven, Holanda (2016); "All the World’s Futures", 56ª Bienal de Veneza, Veneza, Itália (2015); ‘History is Now: 7 Artists Take On Britain’, Hayward Gallery, Londres, Reino Unido (2015); Bienal de Sharjah 11, Sharjah, Emirados Árabes Unidos (2013); Bienal de Liverpool, Reino Unido (2012) e Bienal de Taipei, Taiwan (2012). Também foi destacado em muitos festivais internacionais de cinema, incluindo o Sundance Film Festival, Utah, EUA (2013 e 2011) e o Toronto International Film Festival, Canadá (2012).
De 2001 a 2007, foi Director do British Film Institute e, de 2004 a 2013, Director do Film London. Akomfrah recebeu doutoramentos honoris causa da Goldsmiths, Universidade de Londres; da University of the Arts, Londres; e da Universidade de Portsmouth, onde originalmente se formou em 1982.


Entrevista por Dasha Birukova

Lisboa, 6 de Novembro, 2018

 

 

 

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Dasha Birukova (DB): Gostaria de começar pelo início, quando fazia parte do coletivo Black Audio Film que desenvolveu uma ideia de cinema negro, de dar voz a diferentes identidades raciais. Se olharmos para o fenómeno do cinema negro a partir da posição dos estudos de cinema clássicos, então eu, por exemplo, usaria mais ou menos a mesma abordagem que para analisar as obras de Sergey Eisenstein, Derek Jarman ou BAFC, baseada no contexto, discurso, linguagem cinematográfica, conceito estético, etc. Portanto, que tipo de vocabulário específico deveríamos ter para analisar a cinematografia negra? E precisamos realmente de fazer esta divisão?

 

John Akomfrah (JA): Houve um momento nos anos 80 em que passámos bastante tempo a perseguir esse Santo Graal. Agora acho que foi na sua quase totalidade uma perda de tempo, mas a jornada foi importante e necessária. Não acho que seja preciso ter, para qualquer cinema específico, um conjunto distinto de vocabulários que sejam totalmente exclusivos daquele cinema, não é necessário. Este é um ponto importante, porque significa que se alguém disser que está interessado em formular uma abordagem que se poderia chamar de “cinema negro”, então pode partir tanto de Eisentein, Tarkovsky ou Pudovkin, por um lado (sobrepondo-os obviamente que estes têm diferenças); até Fritz Lang e o expressionismo alemão, por outro lado, e depois também o cinema da América Latina dos anos 60.
É perfeitamente possível conciliar uma abordagem que tenha qualquer uma dessas aproximações ao tempo, à montagem, ao enquadramento, ao uso de paisagens, etc. Pode-se partir de coisas para formular uma nova abordagem sem necessariamente ter de criar uma linguagem totalmente nova. Acho que é um rasto falso. É interessante que mencione Jarman; Jarman é um nome que mereceu a atenção de uma série de jovens cineastas queer actuais. Tem ele alguma coisa especificamente em comum com eles, quero dizer, existe alguma queerness? Não, claro que não. Há quase seguramente uma sensibilidade, com certeza. Mas se olhar para o trabalho de Jarman - Blue definitivamente não é o mesmo que The Angelic Conversation, que não é o mesmo que Imagining October, que absolutamente não é o mesmo que Sebastiane. Existem enormes diferenças entre todos os trabalhos. Assim, poderia dizer-se que a questão da autoria não precisa de ser alcançada por algo distintamente cinemático que se possa associar à pessoa para que haja um “cinema”. Mas é quase impossível parar o desejo de formar uma escola ou um movimento e não acho que isso seja apenas uma coisa racial. Não há um mês que não passe em que alguém não queira montar um festival de cinema em alguma região remota da África Ocidental. Parece ser apenas o modo através do qual obtemos conforto da nossa intimidade no cinema, de que existe este desejo de nomeá-lo sempre em novos termos. É novo? Na verdade não. Mas oferece um tipo de conforto a adição de um meio de uma voz para as pessoas. Não tenho problema com isso.
Vou dar um exemplo, quando se cresce na Grã-Bretanha e se estuda cinema na Grã-Bretanha, está-se ciente de que este desejo de diferença não é apenas o privilégio das minorias, daí que ao longo dos anos 20 e 30, até à Segunda Guerra Mundial na década de 40, a Grã-Bretanha lutou para encontrar um lugar para si vis-à-vis o cinema americano. Relatórios após relatórios perguntaram “como podemos fazer um cinema britânico?” Devemos defini-lo em termos económicos, em termos políticos, em termos culturais? E assim, sempre que há um retrato muito maior da imagem, do cinema, da cultura que parece estar a fazer uma sombra demasiado grande sobre uma área, alguém dentro dessa sombra levantará outra bandeira. E é quase tão natural quanto nascer e o pôr do sol.
Em certas formas é ainda mais pronunciado actualmente, agora que todos sentem que tudo parece igual. O desejo de ser diferente é ainda mais forte agora, em todo o mundo.
Resumindo, eu sei o que quer dizer, mas acho que a militância da chamada de qualquer cinema precisa ser levada a sério, mas também não deve ser levada a sério no sentido de que esta está a pedir algo bastante inocente, que é quase tão normal como respirar.


DB: Li num artigo no The Guardian que “O coletivo foi fortemente instruído pela teoria do cinema e da psicanálise, pela discussão política e pelo debate” - que tipo de teoria psicanalítica é que usou naquele tempo, e se ainda a usa actualmente nos seus trabalhos?

JA: Estávamos muito interessados nisso tudo, claro. Acho que muitos estudos de cinema estavam interessados ​​em psicanálise por causa da questão da identificação. Mas estávamos muito interessados ​​em psicanálise não apenas da escola lacaniana ou freudiana, mas também numa espécie de sentido negro [risos]. Especialmente no trabalho do psiquiatra francês Frantz Fanon, porque Fanon descreveu um processo de tomada de consciência das diferenças, que interessava a muitos de nós ​​porque parecia ser real. Por exemplo, quando eu era mais jovem estava ciente de que havia uma espécie de perseguidor, um “doppelgänger”, um duplo de mim (metaforicamente falando) andando por aí, porque havia sempre conversas sobre jovens negros causando problemas. Então, por muito tempo, pensava que isso era outra pessoa, não eu, e então nalgum momento é-se confrontado por esse reconhecimento de que os “jovens negros” de quem eles falam, sou eu. É um momento espelho estranho quando parece a fase do espelho lacaniana. A questão de um se tornar negro, o que não é realmente uma escolha devo dizer, tem essa dimensão psicanalítica, especialmente ao crescer no mundo industrial avançado nos anos 60, 70 e 80, está-se ciente de que existe essa maquinaria de nomear, e em algum momento deixo de ser esse indivíduo "John Akomfrah" para ser esse miúdo negro John Akomfrah. E luta-se durante muito tempo para evitar isso, porque sabes o que isso significa; quando se é visto como um do coletivo, é preciso retirar outras coisas que são negativas. Essa foi uma das razões pelas quais a psicanálise foi realmente importante para nós porque estávamos conscientes de que a questão da identidade tem essa dimensão psicanalítica. Se estou ainda interessado nisso? Sim, porque ainda acho que é importante.


DB: Perguntei isso porque em relação ao discurso pós-colonial como um fenómeno de trauma coletivo, seria mais eficaz superar as suas consequências focando-se mais na ciência psicológica? Esse objetivo humanista da arte poderia ser mais efectivamente realizado pela psicanálise, não acha?

JA: Sim e não. Sim, porque eu não acho que haja um desvio que se possa fazer que evite a dimensão psicanalítica. Sim, há definitivamente uma componente individual subjectiva nisto que é psicanalítica, não se pode evitar isso. Mas, ao mesmo tempo, parece-me que a tentativa de tornar as categorias psicanalíticas ou “psicológicas” puramente individuais está errada, porque se há uma geração que experiencia o mesmo momento espelho, então deixa de ser apenas psicológico. O domínio psicanalítico não é totalmente privado. É quase certamente com a sua dimensão solitária privada, mas não é total ou completamente privada. A psicanálise ajuda-nos a negociar com a sobreposição entre o público e o privado, mas não pode responder a todas as questões levantadas por ESSA sobreposição. O que estou a tentar dizer é que eu poderia ter decidido, em 1981, aos 20 anos, ir estudar história da arte e: sou apenas um ser humano, não quero ser negro, branco, amarelo, eu só quero ir para uma escola de arte. Mas é isso possível? Certamente não era possível para mim, porque as estruturas, as narrativas, os regimes de verdade que organizaram a minha vida não eram aqueles sobre os quais eu tinha um completo controle. Então, é quase impossível, na verdade. Não significa que se é automaticamente uma coisa ou outra, mas tornar o objeto de missão um de negação, eu não tenho certeza exatamente.


DB: Tentei perguntar se deveríamos partir das agências sociais para falar sobre o discurso pós-colonial, cultivar o comportamento humano normal entre todas as raças e não provocar essa sensualidade traumática?

JA: Certamente, concordo cem por cento com isso. A única coisa que acrescentaria sempre são as narrativas da historicidade ou… [ruído tremendo na sala atrás] …percebe o que quero dizer? Queremos ter uma conversa ... somos capazes de o fazer? Não. Por causa de outros dramas, de outra agência a impactar em nós. Talvez isto lhe possa responder mais do que aquilo que lhe posso dizer.


DB: Com o Black Audio Film Collective, assim como com os filmes da Smoking Dogs, tem um corpo enorme de trabalho com uma diversidade muito ampla de temas. Poderia dizer-me mais sobre esta maneira de escolher temas para filmes? Tem um vetor distinto de trabalho?

JA: Tínhamos pessoas dentro do coletivo (tanto o Smoking Dogs e o Black Audio Film Collective) cuja herança era bastante diversificada, do Caribe, África Ocidental e Ásia, - então os assuntos daquelas regiões eram bastante diversos. Eu queria fazer alguma coisa sobre o Gana porque meus pais eram de lá, outros queriam fazer algo sobre a Jamaica porque era esse o seu contexto de fundo. Portanto, acho que a diversidade de assuntos tende a espelhar a diversidade de interesses e preocupações dentro do próprio coletivo. Mas havia temas consistentes em termos da abordagem que queríamos adoptar. E quase todas eles são caracterizados por uma espécie de modo reflexivo. Muitos deles envolveram o uso de material de arquivo, não todos, mas bastantes, e muito deles foram uma espécie de conversação entre o passado e o presente, tinha uma espécie de dimensão histórica, e esses eram apenas interesses comuns nos formatos em que eu trabalhei e os quais continuo a usar.


DB: Há uma teoria de que todos os filmes de Tarkovsky têm uma proporção áurea na sua composição que definiu um tempo específico para momentos semânticos importantes nos filmes. (Mas não havia evidências escritas de que esta era uma decisão consciente). Tem algum sistema ou estrutura em particular que define como trabalha nos filmes?

JA: Essa é uma pergunta difícil. Não porque não seja verdade que exista um sistema, mas porque este parece variar. Quem conhece o meu trabalho dirá que estou sempre a falar de Andrey Tarkovsky e sobre O Espelho em particular. Tenho admirado enormemente o trabalho desde que tinha 15/16 anos, quando o vi pela primeira vez, e a sua influência permanecerá comigo até que eu morra. É claro que, quando se tem uma profunda admiração por alguém, o modo como trabalham influencia como trabalhas também. E há algumas pessoas assim, que trabalham dessa forma, não muitos, mas há alguns: Michelangelo Antonioni, Ouseman Sembene, Santiago Alvarez. O que definiram, para mim, na sua prática como urgências, as emergências, são aquilo que eu acho ainda importante. Por isso, estou muito interessado em usar o som, o ecrã único ou os ecrãs múltiplos para explorar questões de temporalidade, e estou muito interessado em trabalhos sobre o tráfego de memória. Interessa-me muito obras que são sobre o memorial em oposição à memória, como se inauguram / comissariam memoriais, etc. E estou interessado em questões de diáspora, não apenas as africanas. E para mim o que define cada trabalho depende daquilo que é o cluster de interesses em qualquer momento. Portanto Purple com certeza não teria sido possível sem o interesse em momentos de trabalhos; o trabalho de Mark Rothko foi absolutamente muito importante para mim, assim como a abertura do Deserto Vermelho de Antonioni - apenas a abertura, não todo o filme; é assim que o meu trabalho no cinema acontece. Começas um diálogo não apenas contigo mesmo, mas com fragmentos das coisas que admiras e gostastes, e os trabalhos emergem dessa conversa, desse diálogo com os fragmentos. Então, depende. Não sei como se chega a essa junção, mas isso acontece sempre.


DB: É óbvio que a principal característica dos seus trabalhos é uma certa forma de usar material de arquivo. Nesse sentido, gostaria de perguntar como trabalha com isso? Como lida com uma ideia de que o arquivo pode ser pessoal ou ser criado por diferentes razões como antropológicas ou políticas? Esta ideia de visão objectiva da nossa história realmente existe quando olhamos para os materiais de arquivo?

JA: Eu parto da suposição de que tudo o que eu uso ou me aproprio vem com uma nota promissória. O importante não é apenas as pessoas que estão fora dos materiais de arquivo; realizadores, operadores de câmara, etc., mas também as pessoas dentro do material. Todos aqueles que consentiram em ser filmados estão a dar ao futuro uma espécie de nota, dizendo “quando vir isto amanhã - sou eu”. Tento encontrar quantas posso dessas notas promissórias e depois tenho que juntá-las, mas no presente. "Eu sei que disse que quer estar no futuro, mas gostaria de estar neste futuro com aquele tipo ou esta mulher?" Tenho que tentar seduzir cada fragmento para fazer uma promessa a outro fragmento, porque sem isso é impossível haver narrativa.
Se eu acho que as imagens incorporam um certo tipo de verdade objectiva? Sim, fazem-no, mas não aquelas que as pessoas pensam. Há uma facticidade objectiva na imagem, até nas imagens manipuladas. Olho para todo o material de arquivo que tenho, cada frame captura um momento. Esse momento ou é real ou fictício, mas é capturado todo do mesmo modo. Pode aquele momento valer pela verdade de todos os momentos naquele momento? Não, não vale, não pode, e não pretende fazer isso. Acabei de trabalhar num projeto sobre soldados coloniais na Primeira Guerra Mundial (Mimesis: African Soldier). Quando se olha para a maioria das imagens que eu encontrei, soldados russos, belgas, franceses, britânicos a lutar, eles eram principalmente brancos, quase todos europeus ou norte-americanos - é isso que as imagens me dizem - “Nós (soldados brancos) lutámos na guerra". Foram os únicos que lutaram na guerra? Não. No entanto, porque não se vê pessoas de cor nas imagens, há a percepção de que elas não estavam lá. Mas as imagens não me estão a mentir. Estão a dizer-me o que sabem. É só isso. E cabe-me a mim encontrar outras formas de complementar o que me estão a dizer de modo a chegar às imagens do "quadro completo", não acho que devam ser responsabilizadas pelas afirmações absolutistas que fazemos com elas; elas não fazem em si mesmas essas afirmações, porque basicamente o que estão a tentar dizer é algo muito humilde: Eu sou um registro deste momento. Realizadores, produtores, canais de TV, Estados e governos podem tentar fazer com que digam muitas outras coisas, mas em si mesmas elas não começam por dizer isso, "elas" dizem algo muito prosaico, quase banal; “Eu sou apenas um momento.” É isso.


DB: Gostaria de falar sobre polifonia nos seus filmes. Esta noção veio da música, mas foi apropriada pela literatura especialmente depois que Mikhail Bakhtin a definiu como um diálogo cultural onde a posição do personagem e a posição do autor é separada e independente, então explorando esse discurso polifónico podemos analisar uma imagem de uma personagem assim como uma imagem de um autor. Portanto, a minha pergunta tem duas partes - primeiro, como é que trabalha com uma polifonia do ponto de vista musical (já que o som tem sido uma parte importante dos seus trabalhos desde o início) e a segunda parte - como representa a sua posição de autor nas suas obras, especialmente quando usa tantos materiais de arquivo?

JA: Eu gosto do que chamo de “o movimento duplo”. E para mim o movimento duplo é como tentar ter um bolo e comê-lo ao mesmo tempo. E está relacionado com a sua pergunta sobre polifonia, porque a polifonia é precisamente uma maneira de usar fragmentos. É sobre como criar um todo usando diferentes fragmentos e esses fragmentos estão em diálogo entre si. O propósito do exercício é chegar a algo que parece uniforme via o fragmentário. Na tradição da música africana chamam a isto "chamada e resposta" - e pode-se mudar o equilíbrio da chamada e da resposta, mas o ponto é o mesmo, chegar a uma compreensão melódica ou harmónica de um fragmento usando o fragmento em si como um dispositivo estruturante. Isso é importante no meu trabalho, portanto não penso que estou dentro ou fora dos trabalhos - estou envolvido na orquestração destes fragmentos. Não há nada ali que seja apenas objectivo, porque no mínimo há um processo de selecção a decorrer e que sou eu que faço, estou a dizer que estas imagens são importantes desta forma em combinações com este arranjo sonoro, portanto eu estou lá em todos os momentos. Mas não sou arrogante para supor que nem tudo o que eu quero que aconteça é o que acontece. Eu simplesmente facilito um certo arranjo - sonoro e espacial, é isso.


DB: Queria falar agora sobre o uso de projeções múltiplas no seu trabalho. Porque usa este novo (em relação ao tipo de organização do cinema clássico) contínuo espaço-temporal? O princípio dos ecrãs múltiplos remonta aos ícones hagiográficos na ideia de narração simultânea, bem como poderia criar narrativas acidentais. O que tenta fornecer ao público usando instalações multicanais? Além disso, o público que assiste ao filme e o público que assiste à vídeo instalação têm diferentes características de percepção. Em determinado momento dirigiu-se para o espaço da galeria e, portanto, o público mudou. Foi um desejo intencional de mudar uma maneira de falar com o público? E será que o público percebe os seus trabalhos da maneira que imaginou, e esse diálogo com o público chega a ser expressado por si?

JA: Uma parte da audiência do trabalho na variante de ecrã único migrou para o novo formato e alguns são claramente novos, mas a coisa é que eu mudei os locais em que o trabalho é instalado.
Portanto, anteriormente, as pessoas teriam assumido que o nosso trabalho seria sempre exibido apenas no formato cinema ou televisão, mas eu sempre fiz trabalhos que também se exibiram em museus e no espaço da galeria. E agora quero trabalhar mais dentro da galeria e do sistema de museus, porque isso me dá a capacidade de trabalhar com ecrãs múltiplos muito mais do que o cinema o permite. E os ecrãs múltiplos significam algo muito diferente nesses dois espaços. Se eu trabalho com ecrãs múltiplos no cinema significa que eu sou basicamente (Sam) Peckinpah ou é um exercício de montagem, mas dentro do espaço da galeria os ecrãs múltiplos são uma proposição filosófica nos seus próprios termos. Claro, os ecrãs são editados juntos, mas isso não significa que um ecrã não possa existir sem outro, todas eles existem e todos são independentes entre si, mas é apenas melhor vê-los todos juntos. A montagem de ecrã único em que o ecrã é dividido não é o mesmo, e está a tentar dizer-te algo sobre como a edição funciona, e não é isso que estou a fazer.
A montagem espacial e os arranjos acústicos com a projeção em ecrãs múltiplos são muito importantes. E a posição das pessoas vis-à-vis os objetos também o é. Há algo de muito autoritário sobre o cinema que indica onde se deve assistir inteiramente ao filme. Eu quero fornecer modos mais flexíveis de percepção.


DB: Quantas vezes esteve em Portugal?

JA: Não são muitas nos últimos 20 anos. Acho que volto a cada quatro anos.


DB: Tem cineastas portugueses favoritos?

JA: Todos têm! [risos]. Como o Pedro Costa, gosto muito das suas obras. Mas o cinema de língua portuguesa é algo diferente, porque tem todo um componente brasileiro, portanto tenho mais cineastas favoritos que são brasileiros, por causa do acesso muito cedo ao terceiro cinema.

 

 


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Dasha Birukova (nascida em 1985 na Rússia) é curadora e escritora sediada em Lisboa. Formou-se na Universidade Estatal Russa para as Humanidades, Moscovo, departamento de história da arte, e na Universidade Estatal Russa de Cinematografia (VGIK), Moscovo, departamento de história do cinema. As suas especialidades são o filme experimental, o vídeo e media arte.
Fez a curadoria do programa “New Media” no National Centre for Contemporary Arts (NCCA, Moscovo) e a co-curadoria do Festival de Media Art “VideoFocus”, organizado também pelo NCCA (2014 e 2015). Foi co-curadora da exposição “Error Message”, que integrou a 4ª Bienal Internacional de Arte Jovem de Moscovo, 2014. Em 2016, Dasha Birukova juntou-se à equipa do projecto “Geometry of Now”, com curadoria do artista britânico Mark Fell e organizado pela VAC Foundation em Moscovo. Em 2017, foi curadora da exposição “Pink Flamingos” no espaço artístico BLEEK, na Bélgica. Em 2018, leccionou na Universidade Estatal Russa para as Humanidades, em Moscovo, no departamento de história da arte, e na British Higher School of Art and Design, Moscvo, onde fez a curadoria da exposição «BRITANKA_coop: ritual», projecto especial da 6ª Bienal de Arte Jovem, Winzavod, Moscovo.