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SNAPSHOT. NO ATELIER DE...




Atelier em Madrid. © César Barrio


Atelier em Lisboa. © César Barrio


Atelier em Arantzazu, 2016. © César Barrio


Rituales del Imaginario, 2016. Arantzazu, Guipuzcoa. © César Barrio


Rituales del Imaginario, 2016. Arantzazu, Guipuzcoa. © César Barrio


Modelo para Quatro Paredes de Água. Pigmento sobre acrílico. © César Barrio


Quatro Paredes de Água, 2019. Lavadouro das Francesinhas, Madragoa. Lisboa. © César Barrio


Quatro Paredes de Água, 2019. Lavadouro das Francesinhas, Madragoa. Lisboa. © César Barrio


Partitura de una catedral sumergida, 2022. Cova dels Òrguens, Castellón. © César Barrio


Homenagem a Helena Vieira da Silva. A invenção das distâncias, 2023. MUHNAC, Lisboa. © César Barrio


Caixa de luz. A invenção das distâncias, 2023. MUHNAC, Lisboa. © César Barrio


Homenagem a Melancolia de Dürer. A invenção das distâncias, 2023. MUHNAC, Lisboa. © César Barrio


Sedimentação. A invenção das distâncias, 2023. MUHNAC, Lisboa. © César Barrio


Resis. V Festival de Música Contemporánea de A Coruña, 2022. Colaboração com Sigma Project Quartet. © César Barrio


La Tierra y las ensoñaciones del reposo, 2016. Série Homenagem a Gaston Bachelard. © César Barrio


El aire y los sueños, 2016. Série Homenagem a Gaston Bachelard. © César Barrio


Desenho a tinta n.º 21, 2023. Série Cuaderno de Bitácora. © César Barrio


Desenho a tinta n.º 39, 2023. Série Cuaderno de Bitácora. © César Barrio


Retrato de César Barrio, 2023. © Mozhde Nourmohammadi

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Pedro Pousada



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São Trindade



Inez Teixeira



Binelde Hyrcan



António Júlio Duarte



Délio Jasse



Nástio Mosquito



José Pedro Cortes




CéSAR BARRIO

LIZ VAHIA


08/08/2023

 

 

[Versión en Español]

 


César Barrio nasceu em Oviedo, Espanha, em 1971. Actualmente, vive e trabalha entre Madrid e Lisboa. É licenciado em Arquitectura pela Universidade de Navarra, mas é nas artes visuais que vem desenvolvendo um denso trabalho de reflexão sobre a pintura, em diferentes formatos e suportes: “Acho que um pintor pinta sempre para saber o que é a pintura”. A “luz que atravessa” é a sua principal ferramenta, esse ponto de coincidência entre o material e o etéreo: “Sempre acreditei que, na arte, quanto mais peso ou densidade se introduz no objecto, mais leveza se produz nele”.

A sua primeira exposição foi realizada em 1989. Depois disso, deu cursos e conferências como professor convidado em várias escolas de Arquitectura e Belas Artes. É também colaborador regular como artista em ateliers de arquitectura e em projectos heterogéneos com escritores, músicos e poetas, bem como em cenografia e design de moda.

Os seus últimos projectos incluem as exposições individuais A invenção das distâncias (2023) no Museu Nacional de História Natural e da Ciência, em Lisboa, e Solo aquello que pasa por todas las puertas no Pabellón de mixtos de la Ciudadela em Pamplona (2021), a instalação Quatro Paredes de Água (2019), em colaboração com AC/E e a Câmara Municipal de Lisboa, e Rituales del Imaginario (2016), resultado da sua residência artística na Fundación Arantzazu Gaur em Guipúzcoa. Recentemente participou na Drawing Room Lisboa 2021 e Drawing Room Madrid 2022 e realizou várias acções artísticas na Fundación Juan March em Madrid no âmbito do ciclo Música Visual (2023) e no MUN em Pamplona numa Homenagem aos Encuentros de Pamplona (2023) com o Sigma Project Quartet.

A 19 de Agosto vai inaugurar na Casa das Artes de Tavira a exposição A Casa Térrea, onde continua a explorar o confronto criativo entre a paisagem, a luz e as imagens.



Por Liz Vahia

 


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LV: Em jeito de início de conversa e de contextualização, podes contar-nos como se deu a tua aproximação à cidade de Lisboa? Neste momento, repartes a tua vivência entre Madrid e Lisboa, com um “grande” atelier em Madrid e outro “pequeno” em Lisboa.

CB: Fiz a minha primeira residência artística em Lisboa em 2011. Foram três meses em que partilhei um estúdio com Vicente Pastor, outro artista espanhol. Mas a minha relação com a cidade remonta à minha infância, quando vinha cá com a minha família passar uns verões.
Posteriormente, vim trabalhar durante várias temporadas, embora só agora tenha decidido abrir um atelier permanente em Lisboa.
Estou a achar muito interessante este duplo processo de alternar o meu trabalho nas duas cidades.


LV: O facto dos teus ateliers serem espaços fisicamente tão distintos influi de algum modo no teu trabalho artístico? Não me refiro apenas às possibilidades técnicas que cada um permite/limita, mas mesmo a nível conceptual, sentes que há processos criativos distintos que preferes fazer em cada um deles?

CB: Sem dúvida. No meu caso, o sítio onde se trabalha tem muita influência nas coisas que surgem. No atelier de Lisboa, toda a intenção é fazer uma tabula rasa, começar do zero. Criar um esvaziamento para poder investigar novos caminhos que estavam latentes no meu percurso há algum tempo. Inevitavelmente, num espaço mais pequeno o olhar é mais íntimo e por isso tenta-se romper com hábitos adquiridos. Este poema de Fábio Morábito que li poucos dias depois de inaugurar o novo atelier explica muito bem o que considero ser uma atitude indispensável no meu trabalho:

Escrevo contra
Os meus pensamentos
E contra o ruído
Dos meus hábitos.

Digamos que no atelier de Lisboa é mais fácil para mim experimentar novos caminhos, faço mais maquetas e desenhos, e transfiro esses caminhos abertos para obras de grande escala no atelier de Madrid.


LV: A propósito de espaços de trabalho e de como influenciam a criação artística, realizaste em 2016 uma residência em “Las Catedrales” de Arantzazu, da qual resultou o teu projecto “Rituales del imaginario” (2016). Sobre essa residência, afirmaste que a paisagem era tão espectacular que “atravessou” as obras concebidas. A tua pintura é claramente uma investigação sobre o que é a matéria e o que é a luz. O que é que aquele local potenciou a esse respeito?

CB: Sim, parece que me lembro que vem da frase de Paul Klee: "Creio que o pintor deve ser trespassado pelo universo e não querer trespassá-lo ele próprio".
A estadia em Arantzazu foi muito importante para mim. A basílica de Arantzazu foi construída nos anos 50 pelo arquitecto Saenz de Oiza, anexa a um mosteiro franciscano muito isolado no alto das montanhas de Guipuzcoa. Artistas da envergadura de Oteiza, Chillida e Lucio Muñoz juntaram-se para este projecto. É um sítio muito referencial.
Foi-me concedida uma residência de três meses nuns espaços pouco conhecidos que não estão abertos ao público. São cubos abertos para a paisagem numa escala enorme, interligados e localizados no topo de um grande penhasco. O nome Las Catedrales foi dado por Oteiza. Houve uma altura em que ele gostaria que o seu museu se situasse ali.
Não pude deixar de me lembrar da frase de Pascal Quignard: "Um dia, a paisagem passará por mim". Foi essa a sensação. Vejo as estações passarem através das grandes aberturas para a paisagem. Mudava de dez em dez minutos e era de uma grande exuberância. Havia dias inteiros de nevoeiro em que eu parecia estar diante de uma foto da série Teatros de Sugimoto. Uma luz branca com a paisagem a pulsar por detrás.
Comecei por fazer peças de grande formato, muito materiais e pesadas, e nos últimos dias acabei por fazê-las apenas com um pouco de pigmento e alguma resina sobre acrílico. A minha pintura tornou-se nua. A luz que atravessava a cor e as sombras que se produziam eram as próprias peças. Sempre acreditei que, na arte, quanto mais peso ou densidade se introduz no objecto, mais leveza se produz nele, e foi exatamente isso que produziu essa paisagem nas minhas obras.

 

 

 


LV: Em “Rituales del imaginario” (2016) vemos então como as montanhas envolventes ou essa grande janela-quadro do edifício se transfiguram nas tuas obras a uma escala diferente, mas com o mesmo “peso”, se quisermos seguir a citação que fazes de Bachelard, de que “não se trata tanto de descrever formas, mas de pesar uma matéria”. A questão da “escala” é um processo muito consciente na tua obra? Mencionas o facto do longe e do perto se confundirem quando a matéria se expõe.

CB: Sim, a questão da escala é crucial no meu trabalho. Mas não foi algo procurado ou premeditado. Foi algo que surgiu naturalmente.
Acho que um pintor pinta sempre para saber o que é a pintura, e isso implica, por um lado, aceitar que a sua profissão é uma procura de um olhar, para ver uma coisa como se nunca tivesse sido vista, e, por outro lado, tentar saber de onde pensa para poder pensar com exatidão. Pensar a partir da pintura, obviamente. Hoje em dia, embora acreditemos estar a pisar verdades sólidas, não temos uma noção exacta do que é o espaço ou o tempo. Pensar a pintura, a poesia, a música ou a ciência é pensar o que é a profundidade, o que é a luz? Todas as buscas que se julgavam fechadas são agora reabertas. É por isso que penso que, tal como Mallarmé, é fundamental colocar o incompreensível em primeiro plano.
Partindo da estreita relação entre a tela pintada e o corpo, com um claro símile entre a tela e a pele, e a carne e a tinta, comecei a perceber que pintar é confundir o espaço interior e exterior da tela, e que desta forma a noção de escala desaparece de alguma forma.
Na minha busca pessoal, Rituais do Imaginário foi um desenvolvimento e uma consciencialização das ideias que surgiram em 2011 durante a minha estadia em Lisboa. Nessa altura, escrevi:

"Quanto mais se desce ao interior da matéria, aumentando a escala da visão, como quem abre um túnel ou entra numa gruta, as imagens que te ficam nas mãos têm uma grande semelhança formal com as fotografias que nos são enviadas pelos satélites.
O longe e o perto confundem-se quando a matéria consciente de si mesma derrama o seu brilho
".

É isso que é a pintura, é abrir uma gruta para tentar ver o reflexo das estrelas no fundo.
Isto, claro, não é nada de novo. Penso que sempre esteve presente na arte. Já estava no fígado divinatório etrusco de Piacenza. Procurar no interior, nas profundezas do corpo, uma visão cosmogónica e visionária.


LV: A ideia de “escala” estava também muito presente na tua instalação intitulada “Quatro paredes de água” (2019), que realizaste para o Lavadouro das Francesinhas, no bairro da Madragoa, em Lisboa. Eram oito peças de grandes dimensões, em acrílico transparente pintado, penduradas verticalmente sobre a água dos tanques. O efeito era deslumbrante, a luz incidia nas placas e o reflexo da água prolongava a pintura. Era como se a água se fizesse pintura. Afirmaste que essa instalação era “una investigación sobre la creación de pintura habitada. Las superficies de color desaparecen, se vuelven aire, y al pasar la luz a través de ellas y producirse todo tipo de reflejos en el agua y entre ellas, el espacio se convierte en pintura”. Este interesse em expandir a pintura para lá de um suporte, mas ao mesmo tempo garantindo a sua materialidade, ou em colapsar o interior e o exterior, são preocupações constantes para ti?

CB: São coisas que resultam do processo de trabalho, e apercebemo-nos de onde estamos quando já chegámos.
Comecei a aperceber-me da viagem de ida e volta em que a minha trajectória se estava a moldar. Do caminho que nasceu em Lisboa, e que depois desenvolvi em Arantzazu, surgiram estas novas peças em metacrilato que desenvolvi em amplitude nas Quatro Paredes de Água em Lisboa, fechando de certa forma um círculo.
Esta instalação foi possível graças ao trabalho de produção de Leonor Pereira. Teria sido impossível para mim fazer todo o trabalho a partir de Espanha. A ideia veio do sítio. Este lavadouro do século XIX, com a sua vista panorâmica sobre Lisboa, era o sítio ideal para formalizar as novas ideias. Esta instalação foi a última imagem pública do sítio, uma vez que desapareceu. Vão construir um centro social no seu lugar. Cada tanque de água tinha peças de acrílico de 12 m x 2 m a voar por cima, a poucos centímetros da fronteira entre a pedra e a água e reflectidas nela. Funcionava como uma caixa de ressonância. A luz passava através das quatro peles e os tanques eram como barcos, tinham esse simbolismo e, ao mesmo tempo, é muito óbvio, tinham também uma relação com o trabalho das lavadeiras, com a lavandaria. É de facto uma homenagem a tudo o que estas paredes ouviram. Na altura, era um espaço da cidade cheio de vida. Criava um efeito óptico de uma urna, de entrar numa clareira na floresta. Num interior, surgia a imagem óptica de entrar num exterior. Criou uma espécie de templo, dentro da imagem de templo que o lavadouro já tinha. E foi interessante como os ruídos e as imagens da cidade também se reflectiram nas peças de metacrilato. O objectivo era que a pintura fosse um espaço. Como diz Merleau-Ponty: "Já não se trata de falar do espaço e da luz, mas de fazer falar ao espaço e à luz que aí estão".
Gostaria também de salientar a sorte que tive por, ao mesmo tempo, a Dona Fernanda, a última lavadeira que ali trabalhou, com quem partilhei o espaço, ao estender a roupa, ter criado instalações efémeras muito bonitas, que deram muito mais sentido às minhas.

 

 

 


LV: A tua última exposição foi “A invenção das distâncias”, que esteve patente até 16 de Julho no Museu Nacional de História Natural e da Ciência, em Lisboa. Nela mostravas, além de pintura, algumas caixas-esculturas, que de certa forma são pinturas num outro formato, ou talvez, um desdobrar de perspectivas sobre a pintura. O que eu acho curioso nessas caixas é a forma como elas “contêm” e “revelam” ao mesmo tempo, sem que uma característica se sobreponha à outra. São uma espécie de contentor atravessado pela luz. Parece-me que as esculturas se enquadram naturalmente no teu trabalho de pintura, fazendo jus à tua afirmação de que procuras sempre “a raíz das coisas”. Concordas?

CB: Sim, são claramente uma extensão do que eu entendo por pintura. Mais uma vez jogamos com mudanças de escala. Estas peças poderiam ser explicadas imaginando o aspecto de uma tela pintada através de um microscópio. A exposição mais impressionante de pintura abstrata que se pode ver é percorrer o Museu do Prado com binóculos.
Esta exposição no Museu de História Natural foi como uma síntese de todos estes anos. Sempre trabalhei de forma seriada, mas aqui cada peça tinha uma entidade diferente e um percurso diferente, o que produziu um diálogo interessante entre elas. Era como se estivéssemos a falar da mesma coisa mas com vozes diferentes. Essa fragmentação reforçou uma imagem de vestígios arqueológicos. Havia peças de grande formato, uma Homenagem a Vieira da Silva intimamente relacionada com a instalação de 2019, ou outra que foi feita no ano passado para uma instalação numa gruta pré-histórica perto de Castellón, na costa mediterrânica. E havia ainda caixas de acrílico que funcionavam como sedimentos de memória, ou como resquício de matéria atravessada pela luz.

 

 

 


LV: Nesta exposição, “A invenção das distâncias”, tinhas também vídeos que resultam de colaborações com o quarteto de música contemporânea Sigma Project Quartet. Queres explicar-nos que tipo de colaboração é esta e o que é isto da “pintura em movimento”?

CB: Estas colaborações surgiram depois de ter começado a utilizar o retroprojector como suporte para a pintura. Foi uma ideia que surgiu em Lisboa, durante a minha estadia em 2011, e que foi evoluindo ao longo dos anos. A primeira acção ao vivo que fiz com o Sigma Project Quartet foi no festival Jazzaldia em San Sebastián em 2015, e continuámos a relação com concertos como os do Kursaal em San Sebastián, ou no Círculo de Bellas Artes ou na Fundación Juan March em Madrid. Neles, estamos à procura do sonho de fundir todas as artes naquele momento.
Para mim é muito sugestivo, pois realizo os mesmos processos que gero no atelier, mas fora do contexto. Pinto num pequeno pedaço de vidro por cima da base do retroprojector e este é projectado no ecrã de um teatro ou na fachada de um edifício.
A abordagem é que cada gesto que faço tem de dar uma imagem acabada, tem de ter um sentido próprio. Cada passo como uma origem. Cada origem como todo o seu desenvolvimento.
As imagens que surgem têm aquela ambiguidade de escala de que falava antes. Não se percebe se se está a olhar para um microcosmo ou para um macrocosmo. É como o poema de Paul Celan com que intitulei uma exposição há uns anos em Madrid.

Um telescópio
acolhe
uma lupa

No início, estas colaborações eram acções efémeras ao vivo, mas mais tarde comecei a fazer peças de vídeo, editando e montando trabalhos a partir de improvisações gravadas no meu estúdio, e também com base na música dos Sigma. Estas foram visualizadas em festivais de música contemporânea, como o Resis na Corunha, em Espanha, ou no Chile.
Articulando a proposta com o espaço museológico fora da sala do museu, projectei vários destes vídeos, incluindo a apresentação da última obra de videoarte intitulada Jalkin (Sedimento) do compositor Ramón Lazkano.

 

 

  


LV: A tua próxima exposição será já este mês na Casa das Artes de Tavira. Queres contar-nos um pouco sobre o que poderemos encontrar lá?

CB: Sim, tendo tido a oportunidade de passar vários verões em Tavira, nesta próxima exposição foi-me impossível não ser influenciado pela forma como vejo o Algarve, nem que esta tenha surgido dos poemas de Sophia de Mello Breyner sobre aquela terra.
De facto, a exposição chama-se Casa Térrea, a partir de um dos seus poemas. Penso que Sophia de Mello sente uma ligação entre a nudez da luz do Algarve e a da Grécia. Essa luz espantosa, como um martelo, faz-me lembrar os poemas do poeta grego Seferis:

A luz é uma batida
cada vez mais lenta
como se fosse parar
.

É uma sensação como se tudo fosse essa luz. A luz é o objecto e o que resta é uma terra queimada. Imaginei a exposição como o preenchimento de um vazio com essa terra. Terra que é um rasto, um caminho, o fóssil do gesto. Para mim, essa paisagem tem uma ligação com a ideia na arte de que não se pode falar do contacto entre a imagem e o real sem falar de uma espécie de incêndio. Portanto, não se pode falar de imagens sem falar de cinzas. A seleção das obras foi feita com base nestas ideias.
A exposição consiste basicamente no confronto de duas pinturas de grande formato, 5 m x 2,5 m, da série que realizei em Arantzazu e que ocupam uma parede inteira, uma negra como se estivesse queimada e outra transparente mas que é o vestígio da primeira, com uma série de 100 desenhos a tinta sobre papel japonês feito à mão, realizados no meu novo atelier em Lisboa e expostos como um diário de bordo, com fragmentos de poemas de Sophia de Mello, Rui Nunes ou Herberto Helder, que fui lendo à medida que ia realizando este trabalho. Interessa-me contrastar a densidade material e o peso das pinturas de grande formato com a leveza do papel e dos desenhos que são quase traços de tinta, traços que surgem à medida que o papel seca e que transmitem a memória das formas deixadas pelas marés nas salinas ou nas margens da Ria Formosa.
Completaremos a exposição com uma sala adjacente onde serão projectados os vídeos realizados em colaboração com o Sigma Project, bem como um vídeo de uma instalação que realizei com outros artistas há dois anos na própria Ria.