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SNAPSHOT. NO ATELIER DE...




“O atelier na cabeça”, Vanda Madureira. © Jorge das Neves


Eu, 8 Desenhos de depois do Buraco, 2012. Instalação. Lápis sobre papel e bancos, sons gravados, 195 x 450cm. 'Electricidade Estética', Caldas da Rainha. © Jorge das Neves


Eu, 8 Desenhos de depois do Buraco, 2012. Acção, 25'. 'Electricidade Estética', Caldas da Rainha. © Jorge das Neves


Mergulho, 2014
. Fotografia, Impressão a jacto de tinta sobre papel Fine Art colodo sobre DIBOND, 
144 x 100cm
. Edição de 3 + P.a.



Tribuo, 2018. Vídeo HD, cor, som, 3’06’’. [Still do vídeo]


Tribuo, 2018. Vídeo HD, cor, som, 3’06’’. [Still do vídeo]


Demersus 2006/2018.
 Desenho escultórico, Lápis sobre papel
, 24 x 58 x 33cm. © Jorge das Neves


Homo-retrato, 2020. Acção, 15'. “O Museu como Performance”, Biblioteca da Fundação de Serralves. © Jorge das Neves


Homo-retrato, 2020. Acção, 15'. “O Museu como Performance”, Biblioteca da Fundação de Serralves. © Jorge das Neves


Homo-retrato, 2020. Acção, 15'. “O Museu como Performance”, Biblioteca da Fundação de Serralves. © Jorge das Neves


Luvas-Lápis, 2019. Luvas de algodão e lápis de cor. Dimensões Variáveis. Usado em 'Homo Retrato'. © Jorge das Neves


Intimum vitae delineare, 2020. Acção, 45'. “O Museu como Performance”, Átrio da Fundação de Serralves. © Jorge das Neves


Intimum vitae delineare, 2020. Acção, 45'. “O Museu como Performance”, Átrio da Fundação de Serralves. © Jorge das Neves


Intimum vitae delineare, 2020. Acção, 45'. “O Museu como Performance”, Átrio da Fundação de Serralves. © Jorge das Neves


Intimum vitae delineare, 2020. Acção, 45'. “O Museu como Performance”, Átrio da Fundação de Serralves. © Jorge das Neves


Cotão 2020/2021. Escultura. Linhas de lã, 50x50x50cm. “Não me enrices a meada”, CAPC, Coimbra. © Jorge das Neves


Tese. Escultura, relva semeada, 120 x 62cm. Jardim de casa, Coimbra. © Jorge das Neves

Outros registos:

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Binelde Hyrcan



António Júlio Duarte



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Nástio Mosquito



José Pedro Cortes




VANDA MADUREIRA

LIZ VAHIA


14/11/2022

 


Vanda Madureira é artista visual e performativa. Vive e trabalha em Coimbra.
Licenciada em Artes Plásticas pela Escola Superior de Artes & Design das Caldas da Rainha (ESAD.CR), frequenta desde 2013 o Doutoramento em Arte Contemporânea do Colégio das Artes da Universidade de Coimbra, encontrando-se em fase de redacção da tese que versa sobre as ligações potenciais entre desenho, corpo e performance, intitulando-se provisoriamente O Desenho como Potência.
Foi, é e será membro-activa de vários colectivos artísticos, como “Motor”, “Cospe na Cobra”, “MIO”, e dos quais destaca “Pizz Buin”.
Desde 2005, explora a dimensão mais relacional do desenho num projecto intitulado Desenho de Depois do Buraco, onde o desenho é alavanca-gatilho para o envolvimento e cruzamento com outros campos disciplinares, estimulando acções e intervenções artístico-performativas, por vezes acompanhadas por artistas cúmplices em regime de colaboração e co-autoria.
Está representada desde 2021, na Coleção de Arte Contemporânea do Estado, com Tribuo e Demersus.


Por Liz Vahia

 

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LV: Explica-nos o que entendes por um “desenho como potência”, como mencionas no texto de apresentação do teu trabalho. Dizes também que o desenho participa “da própria condição de ser artista”, ele “concretiza o autor”. Como justificas isto a partir da tua prática?

VM: Será um desenho que nunca se esgota e que adquire aptidões próprias para produzir ou se concretizar em acto e cada vez que esse acto se concretiza não se fecha, mas amplia-se, abre-se a novos caminhos e a novas possibilidades de desenho.
Um artista que desenha e não esquece a própria impossibilidade de desenhar, que possibilita a própria impossibilidade de não chegar ao acto. Que o desenho pode não acontecer ou não poder ser. É na passagem da potência ao acto que o desenho pensa sobre si mesmo. Na sua ausência, o desenho enquanto apenas potência pura participa na própria condição de artista. O artista - que desenha, que pode vir a desenhar – é então aquele que espera, que pratica uma poética do esperar insidiosamente moralizada e ameaçada pela técnica. É o artista dessa ausência calcografada na impossibilidade de não ser desenho: ainda não foi – desenhar – mas mesmo que não venha a ser é sempre essa possibilidade.
Como deixar de ser artista sem desenhar, sem viver com e para além do desenhar?
Muitas vezes quando a vida fica em estado de suspensão, é aí que começamos a viver ou a superar a nossa própria existência...(risos) Esta resposta está a ficar demasiado existencial... Mas na verdade o desenho acontece entre a melancolia e o riso, na impossibilidade de não poder ser de outra forma.
As relações com o trabalho a partir de uma certa altura adensam-se de tal forma que se perde a noção entre a vida da obra, a obra sem vida e o autor antes e depois e para além da obra; mas não apenas essa perda, essa incerteza: ganha-se uma clareza tal que na vida tudo é obra sem ter que ser dita, afirmada, confirmada, um pôr em obra a vida, mas sem o peso do esteticismo, do bem estar, da elegância, do ser expectante – o artista à espera de ser – conformado pelos pilares do bom gosto.
A linha que costura a vida do artista enquanto acontecimento da obra torna-se muitas vezes como um estendal de roupa ou um fio telefónico; faz parte essencial do nexo quotidiano, mas ninguém repara neles.
De qualquer forma, uma linha não é só a junção de dois ou mais pontos, há muitas linhas: pode ser uma linha de pensamento (à espera de ser quebrada, de não ser realmente pensada), a linha de uma meada (toda enleada e à espera de ser destruída por mãos impacientes), as linhas são durações que definem o que lhes é extrínseco, mas que nesse processo arriscam-se a deixar de ser importantes na sua singularidade. São linhas que para aparecerem tornam-se de modo bizarro na sua própria antinomia, não-linhas. (risos)


LV: O desenho no teu trabalho tem muito a ver com a definição que Gilles Deleuze tem de “Acontecimento”: não o “ser” mas a “acção”, uma singularidade independente do seu criador, que não existe fora das suas concretizações, mas que ao mesmo tempo não se deixa limitar por elas. Penso que resumes bem isto quando falas em “transformação da folha de papel em algo mais do que uma folha de papel”. Concordas?

VM: Sim, tem tudo a ver com o advir de si, o deixar vir à tona ou ter disponibilidade para deixar revelar-se.
Como se fosse um processo interior em que de repente tudo se conjuga para o acontecer, como se o desenho estivesse dentro da cabeça e ao mesmo tempo fora dela.
Por exemplo, acho que foi em 2009 ou 2010, estava com uns amigos no Porto e fomos a uma loja de coisas em segunda mão. No meio de muitas coisas, lá estava o fato de banho riscado, um fato de banho antigo, mas ainda novo (pois tinha ainda a etiqueta), com um padrão muito similar aos desenhos que andava a fazer. Não sei bem se fui eu que o encontrei ou se ele esteve sempre à minha espera. Em 2014 fiz a fotografia “Mergulho” e mais tarde “Tribuo”, o vídeo, e por consequência “Demersus”, o desenho escultórico.
Cronologicamente aconteceu assim: em 2006 fiz um desenho, em 2009, 2010 encontrei um fato de banho que me fez mergulhar no desenho, em 2014 fiz a fotografia (uma encenação do mergulho no desenho), e desse agenciamento ou devir o desenho transforma-se em vídeo e escultura, isto já em 2018, daí esse desenho que é uma escultura datar de 2006 - 2018.


LV: Como começaste a ligar o teu trabalho de desenho com a performance e, consequentemente, o registo vídeo?

VM: Aconteceu de uma forma natural, quase sem notar na verdade, pois a acção ou performance sempre lá esteve, assim como o vídeo.
Antes de 2005, e nos últimos dois anos da Esad, o meu trabalho artístico era essencialmente em formato vídeo; em 2005, em especial com a convivência do “Buraco”, senti que estava a precisar de fazer algo mais físico e foi assim que regressei ao desenho ou aquilo a que chamei “Desenhos de depois do buraco”. Depois, e falando do caso em concreto dos desenhos do tamanho da parede (300x150cm), e muito embora já me tivessem convidado para os expor, sempre tive muita relutância em o fazer, pois não queria expô-los de forma tradicional, numa parede, eles tinham as suas especificidades (eram assinados por um amigo com o tipo de letra que usava na rua em grafittis, marcavam alguns encontros, incorporaram a parede do atelier onde eram feitos). Assim, mantive-os enrolados no atelier, só em 2012 são expostos na Electricidade Estética, nas Caldas da Rainha, em que escolhi 8 desenhos correspondentes a 8 bancos de cozinha que trouxe de casa. Coloquei-os em cima dos bancos, enrolados para dentro com a assinatura do meu amigo para fora, houve quem pensasse que fosse um trabalho dele. Depois mais tarde, e com a ajuda de uma amiga, ia desenrolando-os e falando sobre cada um deles. É aí que surge a acção ou performance, muito embora eu não tivesse ainda essa consciência.
Em 2014 fiz uma individual que se intitulava “Arre te fógua, ou 4 desenhos de depois do buraco” e é nessa exposição que aparece novamente o vídeo, não como registo, (o vídeo não aparece nunca como registo), mas como algo que funciona por si, como uma espécie de dobra do desenho.

 

Homo-retrato, 2020. Desenho escultórico, Lápis sobre papel, 
173 x 47 cm. © Jorge das Neves
 

 


LV: Muitos dos teus desenhos têm “interior”, podem ser habitados, têm buracos ou emitem sons, por exemplo. Tens também desenhos que designas por “desenhos escultóricos”. E há casos que acho curiosos, como o das “luvas-lápis” (como se o desenho se desenhasse a si próprio), ou o dos “talheres-lápis” ou “vassoura-lápis”. Os teus desenhos são muito “pessoa”, ou é uma percepção muito minha?

VM: Sim, o ideal é chegar ao ponto em que o desenho se desenha a si mesmo, o que eu quero dizer não é tanto chegar ao ponto em que o lápis desenha a imagem de um lápis, ou a cadeira desenha a imagem de uma cadeira mas, por exemplo, e nesse caso muito concreto do “Homo-Retrato”, eu incorporo a folha e nas minhas mãos de lápis faço esse auto-retrato cego, que não é só o meu retrato, mas um retrato genérico e em última instância o do próprio desenho a ser desenho, a tornar-se mais uma realidade deste mundo cheio de realidades que não conseguem terminar nem conseguem acabar. O rolo-envelope fala disto, o desenho demonstra de forma intuitiva sem descuidos propositivos que o que prevalece é essa condição de inacabado.

 

Vassoura-Lápis, 2019. Vassoura com patine de pó de grafite e lápis de cor, 139x30x33cm. Usada em 'Operários ao Desenho'. © Jorge das Neves

 


LV: Estás neste momento a fazer a tua tese de doutoramento. Como foram estes anos a pensar sobre a tua prática de desenho com o intuito de “escrever” sobre ela? Além da acção, este desenho também te incitou de algum modo a escrever sobre ele?

VM: No início correu bastante mal, em primeiro porque sempre quis que a minha tese fosse um desenho, e formalmente isso é impossível. Depois, na tentativa de escrever, deixei de desenhar e por consequência ia ficando louca...... O desenho que me tinha proposto a fazer estava acabado, sem nunca chegar a ser feito e a escrita era péssima.
Mas foi sem dúvida essa privação que me fez olhar para o desenho de uma forma nova, ou melhor, foi aí que eu vi esse desenho alargado, que se multiplica e desdobra infinitamente, quase como naquela história do Glenn Gould em que ele diz que só conseguiu agarrar a interpretação de uma fuga de Mozart quando a empregada começou a aspirar e ele deixou de ouvir a música.
Eu gostava de escrever como desenho, mas para o conseguir fazer teria que... Não sei... Cada vez que leio livros ou reflito sobre algo, dá-me vontade de fazer e não de escrever.
Durante os primeiros anos da tese, sorvi vários autores em busca do desenho, do meu desenho, e encontrava mais afinidades na filosofia do que na teoria da arte… Isso fez-me equacionar aquilo que andava a fazer, quer lhe chamemos desenho ou coisa artística, mas pouco me serviu para a tarefa de escrever…
Sabia, sei, o que não quero, escrever para justificar o que faço, substituir o desenho pela escrita ou escrever como um teórico, crítico ou filósofo, no fundo quero escrever com verdade e paixão.
O problema sempre se pôs e é transversal àqueles que se dedicam a um trabalho que não passa pela escrita: Como me confrontar com a necessidade de sistematizar aquilo que faço num plano discursivo, numa linguagem que não é a que estou habituada e sobre a qual terei que prestar provas? Trata-se de dobrar um médium a outro, sabendo, é claro, que a escrita assim como o desenho são pensamento e é entre o pensamento e as suas mediações (biomecânicas, conceptuais, físicas, etc.) que a coisa se processa...
Não tenho a pretensão de escrever para alimentar a verdade do artista ou para enfeitar a ingenuidade da grande obra, mas não quero produzir um silêncio forçado, um documento sem interlocutores, sem dissonâncias e ecos e que ninguém lê… No fundo, o medo da irrelevância, outro dos catalisadores do querer fazer arte.
A tese está (risos) a crescer no quintal. Está um tanto quanto desformatada, há que lhe deitar a mão, desinfetá-la, deixar que a intempérie a desmanche e que a ordem social a desminta…