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SNAPSHOT. NO ATELIER DE...




























Sobre a obscenidade da selva II. 2018. Óleo sobre tela. 80x140cm.


Conversações e maus costumes - Faculdade de Filosofia. 2017. Carvão e óleo sobre tela. 70x100cm.


Amabilidades e cedências. 2018. Óleo sobre tela. 100x160cm


Conspiração sobre a mesa. 2017. óleo sobre tela, 70 x 140 cm

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LUDGERO ALMEIDA

LIZ VAHIA


26/11/2018 

 

Licenciou-se em 2012 em Pintura, pela Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto. A sua obra, originada a partir de extensas pesquisas visuais em imagens de arquivos pessoais e institucionais, organiza-se em séries por onde perpassam os temas que o guiam: a antropologia, as ditaduras, o colonialismo. Diz que é a “obsessão pela imagem e por alguma especificidade contida nela” que o faz “transformá-la” em pintura. Depois de uma passagem pelo Brasil, o artista regressou ao norte de Portugal para continuar a reinvenção do seu imaginário. A Artecapital conversou com Ludgero Almeida tendo o seu atelier como pano de fundo.


Por Liz Vahia



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LV: Recorres a vários registos fotográficos, muitas vezes de arquivo, para construíres as tuas pinturas. Como é que te deparas com esse material? Partes de um tema e depois inicias uma pesquisa visual ou encontras primeiro as imagens e então trabalhas a partir daí?

LA: Existem imediatamente temas pelos quais nutro especial interesse, como os relacionados à antropologia, ao mito e ao ritual, ou os ligados às ditaduras (portuguesa e brasileira) e às antigas colónias, sendo esses os assuntos pelos quais procuro mais frequentemente em feiras e lojas de velharias, em arquivos digitais e em coleções ou álbuns particulares. É, no entanto, o fascínio e obsessão pela imagem e por alguma especificidade contida nela, algum pormenor ou determinada leitura que lhe dou que, mais do que o próprio tema, acaba por ser relevante na minha apropriação. Não existe em todo o caso um procedimento ou uma estratégia, a não ser uma certa disponibilidade para ser afetado, uma doação de tempo imprescindível para estar e procurar nos álbuns e arquivos por algo que não se sabe muito bem o que é, mas que pontualmente acaba por manifestar-se.
De certa forma, é a imagem que parece dialogar como se escolhesse o seu proprietário e buscasse nele uma significância. Vejo-me de certa maneira como um veículo, atravessado pelo seu poder metafórico e simbólico, sendo que é através dela, como enunciado, que produzo os seus desdobramentos e suas novas corporificações.


LV: Trabalhas a partir de uma ideia de memória, histórica ou afectiva, plasmada em instantes capturados de uma época ou de um tempo que aparentemente parece desviar-nos do agora, mas o que nos faz na realidade é olhar à luz da contemporaneidade para essas imagens e ver todas as camadas que lá estão e que nos chegam até hoje. Como dissestes num texto teu algures, fazes uma espécie de “montagem de imagens para desmontar as imagens”. Queres comentar?

LA: No campo artístico, tem-se incidido sobre as questões da memória, do arquivo, da narrativa e da apropriação, sendo que vários artistas se instigam na utilização dessas ferramentas no sentido de repensar as configurações do presente. Considero que, no entanto, cabe trazer alguma clareza sobre este olhar em perspectiva, visto que muitas vezes se confunde o mesmo com uma vontade de aportar uma dignidade e uma pureza à historiografia. No meu caso não é disso que se trata, pois não trabalho com essa objetividade, rigorosidade e factualidade, e tenho consciência de que ocupar-se da memória nada tem de neutro e pressupõe sempre uma tendência para a exclusão, consciente ou inconsciente, visto que elegemos algumas memórias que nos tocam em detrimento de outras, legitimamos ou depreciamos.
Olhar a memória à luz de uma contemporaneidade é sempre abduzi-la do seu lugar, de sua contextualização própria e portanto, o que produzimos é uma ficção, uma simulação e leitura subjetiva que, podendo ser uma potência é também uma fragilidade, na medida em que trazendo visibilidade sobre determinado assunto estamos também a circunscrevê-lo, de certa maneira, a adulterá-lo. Às vezes queremos manter uma virgindade da imagem, uma pureza e uma generosidade que já não lhe pertence mais.
Partindo deste pressuposto de que trabalhar com memórias nunca é verdadeiramente desnudar a história para uma verdade interrompida, acredito que são elas que cristalizam, em suas camadas e em seus extratos nada homogéneos, uma atualidade. A nossa civilização rodeia-se de memórias e objetos que corporificam, sintomatizam o passado e sobre eles existe um olhar mágico, quase ritual. Na ausência deles não temos verdadeiramente história e estamos em amnésia.
As minhas pinturas funcionam como mais um desdobramento das memórias, nomeadamente as fotográficas, que se somam a uma espécie de atlas imagético e dialético, aproximando-se em parte de um atlas warbuguiano. As pinturas não só reproduzem como trazem uma actualização e uma transferência inexacta do passado, pois, ao serem ativadas e transpostas para a actualidade, esses elementos mnemónicos incorporam novos sentidos e apropriações que redefinem a forma como os vemos. Não nos surgem mais intactos, cristalizados, mas profusamente cruzados por interpretações, olhares e fricções produtivas e subjectivas, que não só relativizam a factualidade, como também a ressignificam.
Assim, as minhas pinturas das últimas séries, “Ciência de uma terra desolada”, “Sobre o nascimento das confabulações” e “Do sintoma indelével”, compõem-se por um processo de montagem que alonga as significações das imagens originais, conferindo-lhes uma expansibilidade que vai além de uma leitura rígida dos objetos da investigação. As imagens fotográficas são cruzadas entre si e delas são retirados elementos, espacializando-os depois no suporte da pintura. O recorte, o zoom, a distorção, o foque e o desfoque, o inacabado, o abstrato e o figurativo, determinam novas configurações dessas memórias, remetendo a lugares, tempos e significados distintos.
É desta forma que vejo a possibilidade de reinvenção das imagens, não precisamente por se referirem em exclusivo a um passado que dificilmente entenderemos na sua integridade, mas porque viabilizam uma compreensão das memórias à luz do nosso olhar contemporâneo, multifacetado, inferindo diretamente no nosso modo de ler o mundo.


LV: Essa série “Do Sintoma Indelével” esteve em exposição este ano no CAAA, em Guimarães, sendo os referentes visuais os arquivos do período da ditadura e da colonização. Podes falar um pouco sobre esse teu projecto e as narrativas que lá exploras?

LA: Essa foi uma exposição individual com a curadoria da Pat Lemos e marcou o meu retorno do Brasil para Portugal, fazendo por isso coabitar no mesmo espaço produções desenvolvidas nos dois países. Deste modo, a exposição foi constituída por uma amálgama de produções que revisitaram em retrospetiva os anos de produção de 2015 a 2018.
A pesquisa que deu origem aos trabalhos do Brasil, expostos em 2017 em duas exposições individuais no Centro Cultural da Universidade Federal de Goiás (BR) e na Galeria Alcindo Moreira Filho no Instituto de Artes da Unesp em São Paulo (BR), adveio de arquivos da ditadura militar brasileira, dos anos 70 e 80, sobretudo de fotografias feitas pelo DOPS (equivalente à PIDE em Portugal), feitas com o intuito de vigiar os movimentos estudantis organizados, os sindicatos e figuras intelectuais e políticas proeminentes que presumivelmente conspiravam contra a ditadura. Com o final da ditadura os arquivos, contendo listas de presos, torturas, investigados, relatórios, entre outros, iriam ser queimados e apagados, não permitindo que a população a eles tivesse acesso. Uma investigação feita pelo Conselho Mundial de Igrejas e pela Arquidiocese de São Paulo e dirigida pelo Bispo Dom Paulo Evaristo Arns, conseguiu aceder a esses arquivos antes que eles fossem destruídos, gravando-os em microfilme e distribuindo-os depois por várias partes do mundo. Através deles construi um conjunto de pinturas, algumas delas presentes na exposição no CAAA, em particular imagens de espaços vazios feitos após a prisão de alguns estudantes na Faculdade de Filosofia de São Paulo.
Já a investigação relativa a arquivos portugueses deu-se numa espécie de contiguidade com a pesquisa anterior e foi desenvolvida de uma forma mais superficial, encontrando-se ainda em prosseguimento. Ela foi baseada em imagens de diversas fontes, como por exemplo nos arquivos e bases de dados digitais, fotografias encontradas na Feira da Ladra e imagens de ex-combatentes da guerra colonial, entre outros.
Além disso, esta exposição contava com uma instalação de áudio feito com a artista sonora Melissa Pons na Serra da Cantareira (São Paulo) e que consistia em captações acústicas da floresta atlântica, um primeiro esboço para a criação de um mapa de desmatamento, onde seria percetível, através do som, a degradação da fauna e flora.


LV: Em Outubro passado pudemos ver também uma obra tua na exposição colectiva “Arte de Furtar/ Furto na Arte”, no Hospital Júlio de Matos, em Lisboa, sobre as várias formas de apropriação na arte. Que tipo de “apropriacionista” é que consideras ser? Interessa-te um questionamento permanente da fotografia como registo directo?

LA: Eu acho que tenho um leve vestígio da síndrome de Diógenes (nome esse que não faz jus nenhum ao filosofo cínico), no que diz respeito a uma necessidade natural, ainda assim muito controlada, de acumular imagens e objetos, muitas vezes sem saber dos usos futuros dos mesmos. Acredito que é isso que faz de mim um “apropriacionista” pois é, ao trabalhar com essas materialidades, em particular com a fotografia, que estou necessariamente a revolver memórias, olhares e produções de outros.
A fotografia oferece uma instantaneidade, recolhe um momento singularizado que não seria captável por outro meio. Além disso, enquanto traz visibilidade ao passado, ela também enquadra, omite e esconde, conduzindo à contingência de uma livre invenção poética. É este aspeto essencial da fotografia que me cativa a utilizá-la como base de questionamento para a pintura.


LV: Estás neste momento a fazer um mestrado na área do ensino das artes. Podes falar-nos do teu interesse pelos vários métodos pedagógicos, um tema que te é caro pelo que sei?

LA: O meu interesse pela pedagogia é recente e deve-se especialmente à influência da Amanda Midori (com a qual tenho desenvolvido algumas oficinas relacionadas às artes e com a qual compartilho a maior parte dos pensamentos relacionados a este assunto), pela paixão com que fala em educação e pela forma como me tem cativado a enveredar pelo mesmo caminho. Além disso, alguns episódios enquanto vivi em São Paulo entre 2015 e 2017, especialmente a experiência que tive enquanto educador numa mostra de arte pública perto da cracolândia, alertaram-me para a urgência de uma intervenção mais direta e pessoal, eu diria até política, no sentido de Ranciére, quando se abre espaço para uma partilha do sensível.
Contando com todas as crises existenciais da educação e com um descrédito e desgaste quase generalizado das suas funções e aptidões, parece-me ainda assim que a educação é espaço privilegiado por excelência para atuar na espinha dorsal, não na construção de um projeto comum totalizador, mas na contribuição para um sujeito autopoiético, capaz de interpretar, produzir e resignificar o mundo em interdependência com os outros.
Atualmente encontro-me a estagiar na Escola da Ponte, a primeira escola com contrato de autonomia em Portugal, extensivamente conhecida no âmbito nacional e internacional pela pedagogia inovadora e diferenciada, baseada em projecto e em mecanismos de cooperação e colaboração. Lá, desenvolvo investigação sobre como estes mecanismos de cooperação e colaboração estão implicados na construção de uma cultura escolar específica, complexificando alguns assuntos como a ideia de consenso e dissenso nas práticas artísticas ou os conflitos entre conceções educativas presentes na escola.


LV: Aparte do mestrado, como é que é a tua rotina no atelier? Estás a trabalhar nalguma série de pinturas de que nos possas já adiantar alguma coisa?

LA: A série que estou a desenvolver presentemente partiu de material recuperado em indústrias devolutas do Vale do Ave em 2018, como são exemplo objetos diversos da tecelagem (engrenagens e correntes de distribuição), algodão, imagens fotográficas e relatos de ex-operários. Esses elementos encontrados por meio de uma espécie de arqueologia industrial, ao deixarem de ser signos mudos e ao passarem a constituir indícios fantasmagóricos, objetos reaparecidos e visibilizados, possibilitaram e estimularam uma investigação, um resgate e uma releitura das memórias não oficiais, de certo modo, contra-hegemónicas, centrada por um lado na ficcionalidade própria que advém de um surgimento aleatório e anacrónico destes materiais e, por outro lado, sustentada em depoimentos e testemunhos de primeira-pessoa, de intervenientes diretos, de atores anónimos que ajudam a relocalizar a importância das memórias pessoais e das identidades dentro da comunidade.
Através dos relatos, foi constatada uma relação primordial, de interdependência, entre o surgimento da indústria algodoeira do Vale do Ave desde o deslocamento da indústria portuense nos meados do séc. XIX e sua expansão, crescimento e crises, com a exploração dos territórios brasileiros, angolanos e moçambicanos, donde advinha a maior parte da matéria prima. Esta interseccionalidade entre territórios, baseada sobretudo na troca comercial do algodão, estabeleceu uma ponte concreta entre a investigação no Vale do Ave e outras duas investigações que vinha a trabalhar até agora, fundamentada em imagens fotográficas das colónias e da ditadura portuguesa. Assim, ao contrário de uma investigação convencional na qual se parte do todo para o particular, aqui, inversamente, parti do específico (objetos, fotografias e relatos) para encontrar uma história geral de correlação, de tensões, coerções e poderes.
O resultado final, pressuponho, utilizará de um aglomerado de materialidades e atravessará várias linguagens como a pintura (que tenho trabalhado com mais regularidade), a instalação, o vídeo e a literatura.