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JAROSłAW FLICIńSKI
LIZ VAHIA
Jarosław Fliciński nasceu em Gdansk, Polónia, em 1965. Desde 2009 vive num lugar chamado Esteval, entre Faro e Loulé, numa casa tradicional com mosaicos de padrões diferentes em cada divisão. Os anexos da casa foram transformados no seu atelier.
Considera-se um pintor, devotado à pintura como “estrutura única”, com trabalhos de grande escala e incursões na instalação. Em 2014 expôs “Estrela Negra” no CIAJG de Guimarães, mostra que lidava com a mudança, a adaptação ao lugar e a relação com os vestígios. Portugal trouxe-o a esse espaço limite, de fronteira, a um novo contexto para novas descobertas.
Por Liz Vahia
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JF: Uma má pintura provoca-nos uma interrogação sobre o que pode ser “uma má pintura”. Já parei de dizer que as coisas são “más” quando são más, e tenho muito medo quando preciso de dizer “bom”.
LV: Porque é um estado temporário?
JF: É muito temporário. Com tudo, especialmente com o passar do tempo. Posso dizer que nos últimos 20 anos se tornou o meu tema principal. Ao longo destes anos fiquei sempre desiludido, tentei sempre destruir alguma coisa, ou mudar-me. Com [esta nova série que estava a desenvolver antes de vir para Portugal] eu queria trabalhar outro código na tela. E Portugal é o lugar perfeito para o fazer, porque não há muitos pintores focados exclusivamente na pintura, daqueles que não estão a pensar no que vão comer ao pequeno almoço. Eu gosto dessa atitude, de entrega total. Porque não existe ali ligações à política, à ideologia, apenas às pinturas. E a pintura, na minha opinião, tem uma estrutura única, porque a sua linguagem é universal – e a prova é que tu vieste aqui para me entrevistar – com ligação a todos os elementos (como o teatro e a literatura), mas é muito abstracta e tem uma moldura, uma fronteira, não se pode ir mais além dela, e tem duas dimensões, é plana. Tem algumas especificidades complicadas.
Uma tela destas é uma pintura única, mas eu gosto que ela exista dentro de uma história mais longa. Por isso também construo instalações.
LV: Estas telas têm uma espécie de pré-pintura, uma pintura que ficará semi-oculta.
JF: Sim, sem isso não seria possível chegar a esta forma enorme e precisa, seja uma pintura ou um mural.
Mesmo apesar de serem grandes, as minhas telas não são monumentais, preciso de uma escala humana, são como alguém. Mesmo aqueles que não têm relação nenhuma com a arte, podem chegar a apreciar ou odiar, pois é algo que tem muita emoção.
Eu não preciso de pintar muito. Três ou quatro já está bom. Trabalho rápido, dois dias, uma semana ou duas. Há uma espécie de processo tecnológico relativamente à tela que determina as regras. Tenho que esperar que as camadas sequem, etc.
LV: Chegaste a Portugal com três pinturas.
JF: Cheguei com três pinturas porque achei que era importante ter um ponto de partida. Nesse tempo pensava assim, agora já consigo viajar sem ter nada.
Portugal é este tipo de lugar que me dá perspectivas mais amplas para os espaços. Não é só século X ou XV, é uma linha muito mais longa. Este era um tipo de lugar limite em que a humanidade estava à espera de alguma coisa, e nesse entretanto foram descobrindo coisas, como um barco em que podiam ir mais longe. Quando se vê a imigração dos nossos antecessores, 20, 30 mil anos atrás, é sempre em direcção ao sol a pôr-se no mar ou ao sol a levantar-se. Era sempre o sol. As estrelas mudam, por causa da rotação do planeta, mas esses dois elementos, o sol a pôr-se e o sol a levantar-se, permanecem. Quando cheguei aqui tive uma sensação sobre estas coisas. Há muito “mundo antigo”. Pessoas pré-históricas construíram aqui um muro com centenas de milhares de pedras para as proteger de outras tribos. Os mouros também estiveram lá e a estrutura do muro mudou e depois dos mouros destruiu-se tudo. Há também uns megalitos, que se crê serem as primeiras estruturas. As pessoas carregavam pedras ou paus e marcavam o território. Há uma teoria sobre a arquitectura dos megalitos, que diz que os povos faziam estes pilares para afirmarem que ficavam aqui, que não queriam ir mais longe. Eu cheguei há 6 anos e coloquei aqui a minha pedra e pau.
LV: Este contexto quase mágico influencia o teu trabalho?
JF: Dá-me uma perspectiva mais abrangente, sobre o mundo inteiro. Deixei de pensar no mundo da arte. Aqui não é preciso pensar nisso. Não quer dizer que não quero mostrar o meu trabalho. O meu trabalho é uma coisa no atelier e outra completamente diferente quando o público o vê.
Fiz muitos trabalhos site specific. Bastantes murais que desapareceram. Eu apreciava muito esse trabalho, é efémero como a vida: estamos cá temporariamente e depois desaparecemos.
Eu não gosto de copiar a realidade. Aborreço-me com os quadros que representam um pedaço do mundo, que o pintor fez tão perfeitos que se encaixam maravilhosamente nos jornais e nos textos. Estou farto desta realidade bem representada. A realidade não é o que vemos, a realidade deve recriar o que sentimos. Podemos ver os mesmos sítios várias vezes e estes parecerem sempre diferentes. Podemos fazer melhor do que um pedaço fotográfico da vida.
LV: Vês os teus desenhos de um modo totalmente diferente das tuas pinturas?
JF: Os desenhos são muito importantes. Funcionam como um diário. Penso muitas vezes em fazê-los maiores, em isto ser só o princípio e depois poder mudá-los a meio, mas não acho ser possível fazê-los tão maiores assim.
Eles precisam de esperar pelo seu tempo.
LV: Os desenhos têm o seu próprio código, mas também aqui se denota o trabalhar com as fronteiras do espaço.
JF: Isso é verdade. Eu trabalho com o sentido da fronteira.