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DIOGO DA CRUZ

CATARINA REAL


13/10/2021

 

Diogo da Cruz vive entre Munique e Lisboa, e tem vindo a desenvolver um trabalho assente na criação de narrativas, através de projectos de longa duração que fazem uso da tecnologia para “replicar, imitar, rearticular ou reimaginar” as estruturas subjacentes à sociedade ocidental. Os seus projectos aliam a ficção, investigação científica, história - colectiva e pessoal, e têm em vista a “reflexão em torno da lentidão como forma de resistência”.
 
 
A Arte Capital colocou algumas perguntas ao Diogo, em Novembro de 2020 via videochamada Munique-Lisboa,  para entrar melhor na sua prática e discurso artístico.
 
 
Por Catarina Real

 

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CR: Queres começar por introduzir o teu percurso, de Lisboa a Munique, da escultura à performance, de aluno a professor?
 
DC: A minha candidatura à Faculdade de Belas Artes de Lisboa foi um bocadinho inesperada porque eu fiz o ensino secundário em Ciências e Tecnologias. Queria estudar Medicina. À última hora, arrisquei pela Escultura, que era o que cumpria para mim o estereótipo de “arte a sério”. O meu primeiro ano trouxe-me imensa liberdade. Eu gostava muito de desenhar, e desenhava muito, mas tinha muito pouco conhecimento da História da Arte. Frequentava museus mas não tinha muita educação artística. Fui-me também apercebendo que as ferramentas que trazia do trabalho de laboratório, no ensino secundário, podiam ser aplicadas no processo artístico. A forma como registava cada decisão que tomava, ou as hipóteses de materiais diferentes que equacionava, funcionavam a meu favor; na alturas das avaliações tinha um portfólio com todos os passos que tinha tomado. A partir daí comecei também a introduzir temas mais científicos e alguma interdisciplinariedade dentro da minha prática. No terceiro ano decidi fazer Erasmus e a Alemanha pareceu-me ter uma forma de ensinar diferente, e que eu queria experienciar. Não há créditos, não há notas, há outra liberdade. Vim para Munique, fazer o último ano da minha licenciatura em Escultura. Depois decidi continuar aqui, na Akademie der Bildenden Künste München,e fazer o diploma que eles ofereciam . Estudei numa classe de escultura, também. O trabalho do meu professor, e da turma, era muito livre ao nível dos meios utilizados e as discussões que tínhamos debruçavam-se sobretudo sobre a parte conceptual e respectivas referências; em torno dos conceitos e da forma como os materiais, as formas e os processos se adaptam a eles. Tive também oportunidade de fazer parte de classes de projecto onde há professores convidados, normalmente artistas de performance. Tive a oportunidade de estudar com a Andrea Fraser, que é conhecida como a primeira artista a trabalhar a crítica institucional e é uma performer fantástica. Aí comecei a ter influências performáticas, embora o meu trabalho ainda fosse muito escultórico. 

A performance surgiu no meu trabalho de finalistas. Acabei por trabalhar muito a nível teórico e duas semanas antes da inauguração da exposição de finalistas apercebi-me que queria só deixar o livro que tinha produzido no espaço. Estava com muito medo. Queria usar a voz e a presença na sala como meio de comunicação para dar a cara aos conceitos que tinha trabalhado. Sempre foi uma experiência de que gostei. Sobretudo no contexto académico, achava que a arte acontecia quando estava ao lado das minhas peças e podia falar com alguém sobre elas. Esta possibilidade de a escultura ser uma desculpa para um encontro social, para a comunicação, sempre achei muito interessante. Ao participar no programa da Maumaus em 2016, essa dimensão social da prática artística ganhou uma grande relevância na minha forma de pensar e criar. Foi assim que a performance, assente no diálogo, e para transmitir a parte conceptual e de investigação que existe no meu trabalho, apareceu.

 

CR: Afastaste a hipótese da investigação ser transmitida apenas como livro? 

DC: Ela continua lá, mas a escrita às vezes não é uma solução. Uma das coisas que penso ser extremamente importante - e tento também passar isso aos meus alunos [o Diogo lecciona agora na faculdade em que estudou, em Munique] - é ter noção do quão acessível desejas que a tua obra seja. O facto de estar lá eu para transmitir as ideias torna a obra mais acessível. E esse é um grande desafio quando trabalhas conceitos complexos, ou mais difíceis de explicar. 

 

CR: E vês as tuas aulas também como uma espécie de espaço performativo?

DC: Sim. Fiquei muito influenciado, até antes de surgir a oportunidade de trabalhar aqui, com o discurso e com os livros do Allan Kaprow; o pai do que se chamam os happenings, que tentava fazer arte que não fosse arte, ou mistura-la com a vida quotidiana. Num dos seus livros ele refere como ensinar pode ser uma forma performativa. Pode também ser uma prática artística, o acto de ensinar.

 

CR: Pensava nisto na continuidade do teu pensamento; a forma de transmitires a tua investigação ser mais eficaz com a tua presença. Nas aulas estás necessariamente nesse lugar, de partilhar investigação.

Há também um método que eu tento organizar com os estudantes e que aprendi com a Andrea Fraser, na forma como ela organizava as críticas de grupo. 

Há uma performatividade no acto de ver uma obra de arte; se te aproximas ou não, como te posicionas numa sala quando és confrontado com uma certa forma. Tento tornar isso um tema nas discussões: somos cinco pessoas. Como é que nos posicionamos numa sala? Ou à volta desta escultura? Qual a distância de segurança que temos de manter dela? Queremo-nos aproximar? Tento trazer esse lado da performatividade do ver, e que isso seja um tema de diálogo, na crítica das peças.

 

CR: Insisti neste intercâmbio entre a tua figura de professor e de artista, porque me parece que essa interferência de um no outro - embora não de uma forma explícita - se manifestam na tua prática, nem que seja pensando na vertente comunicativa. 

DC: [riso] Se calhar foi a minha aptidão comunicativa que permitiu que fosse aceite nesta colocação enquanto professor. 

Aqui não temos nenhum programa delineado e eu tento ser extremamente subjectivo no que ensino; falo sobre as coisas que estou a ler, dou referências que são as minhas e tento partilhar a forma como eu trabalho - nunca dizendo que esta deve ser a forma como se trabalha mas sobretudo como uma hipótese, aquela sobre a qual eu posso falar. Tento desconstruir qualquer universalidade que possa haver, ou imperativos categóricos sobre como trabalhar.

 

CR: E quando há alguma prática completamente dissonante da tua? 

DC: São-no muitas vezes. Com estudantes é até mais simples essa dissonância do que com pessoas próximas de ti. Às vezes acho que a proximidade à tua prática torna mais difícil, de certa forma, dialogar. Partilhas tanta coisa, que há um certo pudor na crítica.

 

CR: Acabas por ter na tua prática uma temporalidade que permite que os projectos se desdobrem. Começamos por falar sobre o que te levou a começar o projecto Wisdom Warriors (2017-2019)?

DC: É interessante teres escolhido falar sobre este trabalho, porque é aquele em que tentei criar o máximo mistério. Na altura estava a ler muito sobre o post-truth e os alternative facts, que começaram a ser uma coisa muito referenciada na filosofia contemporânea. Afecta a nossa forma de compreender as coisas. Parece que está toda a gente consciente de que tens de ver a informação que te é trazida de uma forma crítica: começamos a questionar quase tudo o que vemos, qualquer notícia achamos que pode ser polarizada, dependendo de qual o jornal que escreveu sobre ela. São coisas que aconteciam mas tornaram-se claras a partir daqui; de que a realidade que nós vemos é extremamente condicionada pela perspectiva de onde a vemos. 

Na altura comecei a pensar o que é que uma revolução social podia ser e de que forma poderia acontecer. Ao mesmo tempo comecei a pensar que um dos problemas seria não o próprio fazer da revolução social, mas o de perceber o seu impacto. Se é tão pouco claro que a informação que nos é transmitida é verdadeira ou não, como é que nós percebemos que as nossas acções tiveram algum impacto?

 

CR: Quando falas de revolução social, ao que te referes?

DC: Tenho um exemplo, que não é sobre o meu trabalho, mas que nos dá o nível de pensamento. 

Pensar na reciclagem como uma revolução na forma como produzir lixo e como fabricar coisas. Pensar que crias um produto, mas esse produto vai ser reciclado e que isso é retratado como uma revolução: a possibilidade de darmos uma nova vida a um certo produto, a um certo material. E esta aparente revolução mascara outro grande problema que é; nós devíamos estar a pensar em não produzir lixo, não em produzi-lo e depois reciclar. Celebramos a reciclagem, mas ela é de facto uma ferramenta que nos permite continuar a produzir lixo de uma forma tranquilizada, pensando que este plástico a seguir vai ser uma camisola. Esta estranha revolução, que acontece, distrai-nos do objectivo principal.

Aquilo em que comecei a pensar, e que via como revolução social, era o pensar na classe criativa da Europa - ou do mundo - ligada. E se todas essas pessoas se encontrarem e conseguirem operar alguma mudança política? 

A primeira pista que começou a surgir nos Wisdom Warriors, sobre o que essa revolução seria, tomou a forma de um hack à tecnologia, para tornar todas as ferramentas lentas e muito difíceis de ser usadas. Como uma crítica ao ritmo da sociedade e simultaneamente uma tentativa de fazer com que as coisas tivessem um ritmo humano. Se as pessoas ficassem impacientes, porque a tecnologia não funcionasse a uma certa velocidade, elas iam começar a olhar em volta e a perceber o que é que é de facto uma emergência, o que é que se tem de fazer.

 

CR: Ambos os exemplos têm a dimensão da acção individual, e uma dimensão de decisão de políticas públicas, que inferem sobre a colectividade. Ao mesmo tempo que estas dimensões se encontram, colocam-se questões diferentes quanto à autonomia e à escolha. Em todas as questões relevantes quanto ao nosso comportamento temos este difícil estado de conciliação. É isso que vejo no teu trabalho como um foco: a dificuldade de conjugação entre as contradições.

DC: O que te dizia sobre a ligação da classe criativa, que se encontra e concorda sobre o que há a ser mudado, e onde acontece uma espécie de celebração onde todos concordam que a revolução acontece naquela sala... só que depois nada acontece, de facto. Esta falsa celebração pertence a um nicho social. Parece que estamos todos a outro nível, mas depois a realidade não é assim. 

Os Wisdom Warriors seriam um colectivo de pessoas, também do meio criativo, que fizeram uma revolução com um impacto enorme - achavam eles! - e que eles celebram, para depois descobrirem que o que fizeram - juntamente com todo o seu projecto de vida - era uma farsa.

O nicho da nossa comunicação faz-nos pensar que temos algum efeito. Vemos o que queremos ver. Especialmente on-line. 

Desde o início percebi que queria falar sobre a actividade dos Wisdom Warriors a partir do fim, de quando eles se separaram porque perceberam que o que faziam não tinha efeito. Queria trazer um lado muito mais emotivo ao meu trabalho, que antes não aparecia, mais nostálgico, e falar sobre uma revolução falhada. Falar sobre quando as coisas falham, fazendo referências às carreiras dos jovens artistas, às vezes que somos rejeitados e como os nossos projectos se desenvolvem nas nossas cabeças e, do nada, podem cair. Como quando uma candidatura é rejeitada. 

Queria explorar também esse lado mais emocional de uma carreira artística.

 

CR: Emocional e também biográfico?

DC: Não. Decidi desde o início que eu não estou neste grupo. Falo sobre estas pessoas, que me são estranhas, e eu próprio estou a tentar descobrir o que elas queriam fazer. 

Tudo começou com a criação de um chat room onde estas diferentes pessoas que constituem os Wisdom Warriors dialogaram sobre o que é que poderiam fazer. Comecei a apresentar o projecto como coisas que aconteceram, por isso ao nível de linha temporal há alguma confusão. Não se sabe se é uma coisa passada, presente ou mesmo distópica. Conforme vou mostrando o projecto, desde o final de 2017 , vou tentando dar mais pistas sobre o que de facto eles queriam fazer.

Também na produção de peças tentei simular que não tinha sido eu a produzi-las, mas como se tivesse sido, de facto, um colectivo a fazê-lo. Portanto o meu objectivo foi tentar fazer uma exposição colectiva feita apenas por mim. E nas linguagens e materiais que uso, tentar ser diferentes pessoas, sobretudo na forma como trabalhei com os objectos. 

 

CR: Achas que este projecto - não só o projecto, mas a mentalidade implícita - ilustra de alguma forma o estado cínico em que nos encontramos?

DC: Sim, certamente. Sobretudo no meio criativo. 

No início houve essa referência, mais pessoal, do meio artístico e conforme o projecto foi evoluindo, comecei a adaptá-lo aos sítios específicos onde ia expondo. Começou com uma crítica do meio social, a partir do momento em que fiz uma peça de vídeo no Barreiro (que apresentei nos PADA Studios). Aí percebi que eu queria referenciar uma outra revolução falhada, a dos ideais da revolução de 74, que foram postos em prática nas fábricas do Barreiro, dando direitos aos trabalhadores e que nos anos 80, falharam; com o fecho das fábricas, com o declínio da indústria que aconteceu em todo o mundo, e na Europa em particular. 

Quando fiz uma residência em Londres tentei referenciar outros movimentos políticos que falharam e ao mesmo tempo perceber, relacionar - quando realizei esta residência foi na altura da primeira data apontada para o Brexit, que não chegou a acontecer - e tentar adaptar as referências a uma certa revolução que está a acontecer no presente, que não consegue ter impacto como outras revoluções passadas a nível social, que foram mais ou menos esquecidas. 

 

CR: Que espaço achas que existe para essa revolução?

DC: Quero muito trabalhar uma ideia de mitologia contemporânea, onde continua a existir matéria que o conhecimento humano não consegue confirmar, onde ainda há o desconhecido. É aí que essas mitologias podem acontecer para, de certa forma, criarem uma certa experiência colectiva em torno de um mito.

 

CR: Que está muito relacionado com o teu projecto mais recente.

DC: Exactamente. Nos projectos recentes, onde exploro a investigação da física sobre a matéria negra ou, num outro, o fundo do oceano, tento explorar zonas onde o conhecimento científico ainda não chegou. Algo que ainda não é conhecido, como material para uma mitologia poder acontecer. Uma mitologia contemporânea. 

 

CR: Queres avançar um bocadinho mais sobre as directivas do projecto sobre o fundo dos oceanos?

DC: Esse é o projecto que estou a desenvolver agora. Há esta dicotomia interessante do fundo do oceano ser a mais provável origem da vida da terra e, ao mesmo tempo, ser o sítio mais alienígena que a terra tem, e que nós não conhecemos. 

Ao mesmo tempo, pensar como os actos humanos conseguem e estão a mudar o ambiente, e o impacto ambiental que nós temos. Inclusive no fundo do oceano, que é a nossa origem, e onde estão espécies que sobreviveram a diversas extinções e continuam a existir e a viver sem luz solar. 

Como é que nós chegamos ao ponto de conseguirmos, de uma forma tão drástica, afectar a vida de coisas que nem conhecemos? 

 

CR: Existe matéria, nessas mitologias, para pensarmos alternativas aos nossos modos de vida?

DC: De certa forma.

Neste projecto que estou a desenvolver, a mitologia aparece no sentido de criar um certo receio aos humanos. Um mito de uma civilização que existe e que está pronta para nos combater se nós decidirmos explorar os minérios do fundo do oceano. Portanto, é mais drástico: é tentar arranjar uma teoria da conspiração que nos leve a olhar para o impacto ambiental de uma forma radical, quase como uma guerra, que pode acontecer com esta espécie de alienígenas que estão no fundo do oceano.

 

CR: No formato de narrativa apocalíptica?

DC: Ainda é uma dúvida minha. É uma narrativa de ficção científica, de certa forma. Tenho dúvidas se quero que a ficção ocorra como se fosse algo que já aconteceu, e que não está a ser falado. Muitas teorias da conspiração o fazem desta forma.

 

CR: Dirigia as perguntas porque pensava nesta possibilidade de criação de alternativas ao modelo capitalista, tal como ele existe. Conseguimos pensar numa alternativa, de facto? Ou, por outro lado, se o teu trabalho está encerrado na lógica de não haver alternativa. 

DC: Não referindo só o meu trabalho, mas o trabalho artístico de maneira geral, vejo-o como uma forma de trabalhar, ideologicamente, de forma bastante livre. Os artistas são capazes de englobar conceitos de diferentes disciplinas nos seus projectos de uma forma crítica e aberta à crítica. Uma das grandes diferenças para outras áreas, e que eu acho muito interessantes, é que os artistas são pessoas que, em teoria, recebem muito bem a crítica. O nosso trabalho depende da recepção da crítica, e isso não acontece em quase meio nenhum. Normalmente, noutros meios, académicos ou científicos, tentam-se arranjar provas que dêem certezas daquilo que se defende. Como artistas somos muito flexíveis ao impacto que os outros possam ter sobre o trabalho. Isto para dizer que não estou à espera de criar uma alternativa com o meu trabalho, mas vejo o meio como um meio muito saudável para tentar explorar livremente diferentes alternativas, sem a necessidade de validação de um sistema de conhecimento. 

A forma como tentamos criar conhecimento, tão livremente, como num projecto artístico e depois receber a crítica de outras pessoas sobre esse conhecimento, parece-me uma forma interessante de tentar afectar as pessoas, de ter algum impacto. A um nível mais pessoal.

 

CR: Acontece também porque a arte não tem uma aplicabilidade directa.

DC: Exacto. 

E isso cria muitos problemas. Uma das grandes dificuldades com que nos deparamos hoje em dia, com o cenário de emergência médica, por exemplo, é o de achar que o que fazemos é inútil. Ou pensar que não temos um papel tão activo na sociedade como outros têm. Ou mesmo quando vemos governos a cortarem orçamentos para a cultura, ou colocar a cultura em último lugar como algo para sustentar, isso cria também um conflito e torna claro como achamos que podemos criar um conhecimento que também pode ser válido, e que é, de facto relevante, mas acabamos por ter muitas dúvidas.

Em todo o caso, é um meio em que gosto de trabalhar, e onde tento sempre inserir a minha prática de uma forma.... quer dizer, também aprecio práticas mais aplicáveis. Se calhar, esse será um objectivo meu também. Há vários exemplos de artistas que têm uma prática activista, que têm um lado de activismo muito claro, e de projectos artísticos que são depois aplicado de uma forma prática a nível social. Para já tento navegar na minha linguagem, para ir percebendo como é que consigo ir-me adaptando à tentativa de criar consequências mais drásticas.

 

CR: O trabalho de criação de narrativas, mesmo num sentido especulativo, pode-nos mostrar alternativas, não havendo uma preocupação com a aplicabilidade [pode é não saber transpo-las]. Aí o fazer artístico é privilegiado. A possibilidade de que falas, de reunião com um fazer mais activista... pergunto-te como vês a não separação de papéis: entre o artista e o activista, mas também entre o artista e o teórico, como de alguma forma referimos anteriormente. 

DC: É uma discussão em que temos andado a insistir muito na classe que coordeno aqui. Há uma ideia que o meio artístico vê a arte activista como “má arte”, ou que, de alguma forma, a arte não pode ser boa para ser activista. Isto, porque tem de ser tão clara e não pode ter nenhum mistério e há uma visão sobre isso como uma arte muito plana, sem profundidade, sem especulação. Esse conflito acontece sempre que um artista tenta misturar-se com outra disciplina. Eu sei que posso tentar referir-me a temas da física, no entanto, nada do que eu faço terá uma consequência directa e clara, ou mesmo ser levado a sério, por algum cientista. Ao nível teórico a mesma coisa. Há muitos artistas que escrevem, e que têm um cenário filosófico no seu trabalho, e que pode ser citado por filósofos, mas nunca irá entrar no meio da filosofia. Isso não deve desencorajar os artistas de tentarem brincar e desafiar as estruturas de conhecimento, porque de facto são estruturas criadas pela sociedade ocidental para validar o conhecimento tal como ele existe. A arte é um dos meios em que temos de desafiar o conhecimento que temos hoje em dia, porque ele é uma das ferramentas que é usada para criar injustiça social também. O pensar que há um certo nível de conhecimento que é superior, a nível hierárquico, a outro... A arte pode ser uma ferramenta para questionar isso, sendo que a arte em si é uma ferramenta e estrutura-se em torno de um sistema de validação - e aí também já há matéria suficiente para que, enquanto artistas, desconstruirmos. Em resumo, acho que é interessante, tentar trabalhar entre a arte e o activismo, entre a arte e ciência, não tentando ilustrar nem um nem o outro, mas tentando, talvez, confundir as pessoas. 

 

CR: Exacto, porque este sistema de conhecimento e validação, pertence aos sistemas opressivos criticados pelos Wisdom Warriors. 

DC: Exactamente.