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PORQUÊ CONSTRUIR NOVAS ESCOLAS DE ARTE?



PEDRO PORTUGAL

2009-01-08




Porquê construir novas escolas de arte?
Qual é a palavra importante nesta pergunta?
Construir? Escolas? ou Arte?



Construir!

Quando John Cage questionou a construção de novas salas de concerto ou óperas referia-se à construção instrumental de mecanismos políticos de secularização cultural. O poder só vê a preto e branco e a construção é necessariamente a prioridade: vê-se, dura mais do que 5 anos e existem modelos de sucesso garantido em que a arquitectura transcende a política e a ideologia (“Bilbao Effect” por ex.). Os arquitectos são os pivots deste “conundrum”. Construir uma nova Escola de Arte é um anacronismo que perpetua a ideia clássica de academia decorada com uma variedade de resíduo romântico socialista que passou a doutrina totalitária chamada modernismo.

Se a vivissecação suicidária da arte feita durante todo o século XX por Cubistas, Futuristas, Construtivistas, Dadaistas, Surrealistas, Expressionistas, Poveristas, Conceptualistas e Pós-Modernistas fragilizou o poder dos artistas, o embuste rectórico de Le Corbusier, Walter Groupius e prosélitos, serviu para confirmar junto da elite política depois da II Guerra Mundial que os projectos veiculados pelos arquitectos eram a melhor forma de fazer desaparecer os escombros sem ter que reconstruir as cidades. A batalha entre artistas e arquitectos foi perdida pelos artistas.

Os arquitectos tomaram conta das escolas de arte e de arquitectura. Modificaram os curricula de forma a garantir métodos modernos e isométricos que produzissem técnicos qualificados para responder às enormidades planeadas pelos governos, socialistas ou fascistas: encurralar toda a classe média e baixa em enormes blocos de apartamentos, criar áreas industriais e parques de negócios e fazer atravessar auto-estradas pelos centros das cidades. Este modelo pervalece.

A homotetia estética e ideológica entre os Jogos Olímpicos de Berlim em 1936 e os Jogos de Pequim é notória. A arquitectura serve as oligarquias mas está protegida pelo facto de poder construir com orçamentos ilimitados — uma versão social defende que a construção é para bem da cidade e não para o regime. Mas, “quanto mais centralizado é o poder menos compromissos é preciso fazer em arquitectura. As direcções são claras.” Disse recentemente Peter Eisenman. Le Corbousier cortejou Mussolini e a Administração de Vichy (os planos para a demolição de metade do centro de Paris ultrapassava a escala das operações urbanísticas de Nikolai Ceausescu). Philip Jonhson afirmou que trabalharia para José Stalin se o preço fosse bom e Pierre de Meuron crê que a construção do Estádio Olímpico de Beijin e a alocação de grandes áreas de espaço público para os habitantes irá transformar radicalmente a sociedade chinesa.

As perguntas dos artistas são: se a arquitectura é primeiro desenho e só depois projecto, estarão os artistas num plano superior de capacidade e ética para participarem no desenho da cidade? E se deixar de haver escolas também vai deixar de haver arte?


Escolas!

F. Nietzsche, com 27 anos, nas conferências dedicadas ao futuro das instituições de ensino, proferidas na Universidade de Basel em 1872, bradava: “Não conseguimos evitar a vergonha quando confessamos a relação que a universidade mantém com a arte: NÃO TEM. Ninguém pensa seriamente que a voz das universidades alguma vez se levantaria para defender altos interesses artísticos da nação. Não encontramos nelas um único vestígio de pensamento artístico, de aprendizagem, de empreeendimento e de comparação.”

Depois Ezra Pound: “A educação efectiva, em última instância, deve ser limitada aos que insistem em conhecer, o resto é uma carneirada.” Ainda a voz de T.S. Eliot: “Toda a população deve tomar parte activa nas actividades culturais, mas não todos nas mesmas actividades, nem ao mesmo nível.”

O programa ideal para o ensino artístico universitário seria uma mistura entre o ensino artístico setecentista e o ensino no futuro. As cadeiras teriam nomes como: 5D Anatomy, Geo-Happening, Classic Body Art, Babel Video Bronze, Cânone Vs. Conceito, Retórica e Lambe-Botismo, Ídolos contra Ícones, Glamour Pimba Aplicado e Metodologia do Campo. Haveria workshops livres de Etiqueta Artística — módulo 1: como falar com um director de Museu; módulo 2: como seduzir um galerista; módulo 3: ser tecnicamente simpático com um comissário artístico.

Seria dada a maior importância a que os alunos em cada cadeira tivessem dois tipos de mestres: um mestre que os obrigasse a ter uma sólida formação clássica e outro mestre que a destruisse completamente (E. Gombrich). O mais retrógrado e o mais avançado. O “gentleman” e o simples. “As (os) senhoras (os) artistas estudantes têm que conseguir desenhar uma perdiz com as penas todas, mas também matá-la e utilizá-la numa performance anti-globalização.” A parte pedagógica seria totalmente dispensada. A cor, a forma, o conceito e o “savoir faire” seriam curiosidades de um cânone totalmente mumificado mas com uma área científica de estudo (bolsas, viagens intergalácticas e equipamento).

O drama da educação indiferenciada é que todos sabem, desde professores, alunos e funcionários, que o papel da universidade é a certificação e não a educação. É díficil, por exemplo, imaginar uma escola sem avaliações. Se as notas são uma medida de aferição do interesse do aluno, como é que se calcula? Os alunos enganam os professores, falsificam e viciam os resultados, queixam-se e reclamam permanentemente das notas. Tudo menos gostar de aprender.

Para Roger Schank, autor de Designing World Class E-Learning e Making Minds Less Well Educated than Our Own, “as escolas como proprietárias ou dispensadoras de conhecimento obrigaram pelo menos uma geração (ou talvez mais) de pensadores a acreditar que todas as ideias importantes são conhecidas e que é triste que as não conheçam. As religiões operaram sempre sob este princípio: saber há muito tempo o que está nos documentos sagrados. Em breve ninguém poderá reclamar que sabe o que é verdade porque cada um criará debates para si próprio. Vamos poder obter informação do tamanho acumulado em milhares de anos num tamanho que podemos processar e responder. A informação vai encontrar-nos e vamos responder o que pensamos. O conhecimento será quase todo livre e os donos do conhecimento terão que encontrar outra ocupação. O conhecimento deixará de ser uma mercadoria controlada.”


Arte!

León Tolstoi afirmava há mais de 100 anos (antes do século da teoria) que a “arte foi tão pervertida que hoje não só a má arte é considerada boa como a própria percepção do que é arte foi perdida.”

Deve a arte ser ensinada? E porque se deve ainda continuar a ensinar arte? A resposta é: Sim! A arte deve e ainda tem de ser ensinada.

Se o treino de artistas estudantes deve considerar a inteligência, o desejo de criação e a demiurgia Bíblica, a discussão sobre quem foi o primeiro “artista” a fazer um triângulo equilátero verde sobre um fundo cinzento é um assunto opcional e irrelevante para a quid artística. Enfraquece o poder dos artistas e tem consequências negativas no curricula das escolas de arte. O ensino da arte é uma especialização que proporciona um quadro de entendimento e investigação sobre o mundo. Há estudantes artistas que podem evoluir artisticamente só pelo facto de estarem em contacto com informação sobre arte (por ínfima e estúpida que seja). Mas, se colocarmos estes aprendizes sem preparação num contexto de afirmação e em confronto com predadores, competidores e outros arsmorphos, o seu desaparecimento pode conduzir a linhagens estéreis. É nesta altura que o mestre tem que impor a prerrogativa que impede a pedagogia e a burocracia de aniquilar os esforços de preservar o brilho criativo (“Lamp of Beauty” como lhe chamava Ruskin) e calibrar as engrenagens dos desafios que o futuro da arte nos coloca.

Sem arte, o ensino da arte seria a descrição de factos desconexos e observações sem sentido. A extraordinária variação do que é chamado arte, desde os “graffiti’s” de Chauvet até ao sexo oral com a Ciccolina, representa padrões experimentais que fazem todos os detalhes parecer fundamentais.

Se for necessário encontrar uma razão para continuar a ensinar arte, pensem como a arte e os assuntos artísticos são importantes em qualquer circunstância. O impacto da arte sobre o mundo faz o mundo modificar-se. Podemos invocar uma outra razão para continuar a ensinar arte: tem a ver com uma atitude de evidência de inutilidade em relação à arte. Encontramos acólitos desta legião em todo o lado — incluindo as universidades que acabam por ser as secretas incubadoras que validam esta incorrecção de conhecimento.

Mas, o mais importante em estudar e ensinar arte é saber o que fazer quando vemos uma boa ideia. Perceber como é que aconteceu e convidar à experimentação e exploração. Sem perplexidade.


Pedro Portugal
Ex-artista, pedagogo e político



LEGENDAS

Foto 1: O mais recente e melhor edífcio para escola de arte em Portugal e onde funcionam os cursos de Artes Visuais, Mutimédia e Design da Universidade de Évora. Projecto de Inês Lobo. Custo aproximado 5.000.000€. (os habitantes de Évora chamam-lhe “Inter-Cidades”).

Foto 2: Artistas-estudantes com o mestre da cadeira de PROJECTOS ETNOMORFICOS II. (Pintura Heróica Alentejo Terra Mãe, 2008 - http://br.youtube.com/watch?v=63Ksno1vWHk)

Foto 3: Gravura explicadista de como o desenho está no lápiz e não no olho.