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OPINIÃO


Mural, perto de Madison Square Garden


Barbara Kruger, “Sem Título (You Are Not Yourself)”, 1982. Fotografia a preto e branco 183x122cm


Andy Warhol, “Brillo Box”, 1964

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A “ENTREGA” DA OBRA DE ARTE

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2016-10-03
ATLAS DE GALANTE E BORRALHO EM LOULÉ

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LUÍS RAPOSO

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“RESPONSABILIDADE SOCIAL”, INVESTIMENTO EM ARTE E MUSEUS: OS PONTOS NOS IS

TERESA DUARTE MARTINHO

2016-05-12
ARTE, AMOR E CRISE NA LONDRES VITORIANA. O LIVRO ADOECER, DE HÉLIA CORREIA

LUÍS RAPOSO

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VICTOR PINTO DA FONSECA

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CORAÇÃO REVELADOR

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LUÍS RAPOSO

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PATRIMÓNIO CULTURAL E OS MUSEUS: VISÃO ESTRATÉGICA | PARTE 2: O PRESENTE/FUTURO

LUÍS RAPOSO

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SÍLVIA GUERRA

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COLECTIVO*

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NEM TUDO SÃO ROSEIRAS

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A ARTE NO MERCADO € SEUS DISCURSOS COMO UTOPIA



RUI PEDRO FONSECA

2007-04-03




Se durante o período clássico as grandes instituições religiosas utilizavam os meios artísticos como suporte de divulgação dos valores culturais, sociais, morais e éticos, na época contemporânea, esse serviço é prestado pelas poderosas corporações económicas. No panorama actual, a arte não se constitui como o instrumento estético oficial das grandes corporações económicas – os meios de comunicação de massas ocupam-se da tarefa de transmitir os valores simbólicos que estão de acordo com os interesses económicos prevalecentes. A arte, em vez de se tornar instrumento de propaganda ideológica, tornou-se em mercadoria propagandeada na qual se investem muitos recursos tecnológicos de forma a suscitar o interesse do grande público.

Nas actuais circunstâncias, os meios de divulgação e propaganda ao serviço do mercado têm uma importância fundamental, pois permitem que o artista possa usufruir de condições para colocar as suas criações culturais ao alcance de todos. Um bom encaminhamento na carreira de um artista implica que o público e a crítica tenham acesso à sua obra; para tal, são necessários cartazes, folhetos, convites, convocatórias, acesso a secções artísticas de jornais ou revistas, noticiários culturais da rádio e da TV, críticas e artigos em revistas especializadas de arte, monografias e outras publicações especiais, exposições retrospectivas de homenagem, etc. Todos estes eventos implicam uma mobilização equivalente a um exército de trabalhadores de informação e de comunicação: jornalistas, críticos, fotógrafos, guionistas, difusores culturais, editores e designers que trabalhem exclusivamente para que o público se dirija às exposições patentes nas galerias e nos museus. Uma obra produzida que seja incluída nestas circunstâncias propagandísticas movimenta todo um processo que implica muito capital (cf. Monserat, 1988: 33). Quando um consórcio mexicano, praticamente dono dos media da República, promoveu uma exposição de Picasso, o dinheiro foi um elemento extremamente motivador. Através da rádio e da televisão divulgou-se sistematicamente, durante meses, a exposição dos “Picassos de Picasso”; o museu que exibiu a exposição foi, até essa data, dirigido pelo mesmo consórcio. Esta medida propagandista levou ao museu centenas de milhares de pessoas, que desfilaram diante das obras do artista, transformando este evento num êxito em termos de visitantes. Não iremos insistir em especial na caracterização da cultura e das políticas artísticas no México, apenas constatar alguns dos aspectos mais relevantes que estão por detrás da aparente manifestação da vida artística. Sobre a exposição podemos dizer que as obras de Picasso eram, em geral, muito pouco significativas. Talvez por coincidência, não houve um único crítico ou historiador de arte que tenha feito um comentário público relativo à qualidade real da exposição. O que deveria ter sido um “grandioso” evento artístico, revelou-se uma espécie de fraude, já que não correspondeu à enorme carga positiva proporcionada pelos media e que arrastou grandes aglomerados de pessoas até ao museu para verem as obras do artista que lá estavam expostas (cf. Monserat, 1988: 34).

Este exemplo de propaganda da arte não constitui necessariamente uma novidade no que respeita à influência de poderes existente entre uma instituição artística e os investidores do produto artístico. O que realmente nos importa explorar a partir deste exemplo é o modo de divulgação de um evento artístico, cuja mensagem se constitui como uma forma de espectáculo, mediado por uma semiologia que visa criar o fascínio no espectador. O problema deste tipo de propaganda é o facto de absorver valores inerentes à propaganda de qualquer outro tipo de mercadoria, o que implica que hajam interferências no discurso do objecto artístico. O fascínio e o espectáculo tornaram-se implícitos nos modos de propaganda da arte, que também se vale da psicologia, de planeamentos semiológicos que formam os discursos dirigidos ao público. Existem aspectos da recepção de uma mensagem visual que, embora não sendo mensuráveis ou quantificáveis, determinam, pela sua insistente repetição e formulação discursivas, uma pré-opinião ou estado mental ao público. Se a propaganda da arte se baseia nas leis do espectáculo, do fascínio, ou seja, que a arte surja como ócio, é natural que o público a associe a esses atributos. Se uma exposição de um artista é altamente exacerbada e valorizada numa propaganda empreendedora, deveremos naturalmente suspeitar dos conteúdos do evento porque podem ser destacados outros aspectos que não os da obra. Como exemplo, recordemos a obra de Barbara Kruger que, através de cartazes publicitários subversivos, se assume directamente contra o sistema patriarcal; no entanto, mediante as condições culturais que acolhem o seu trabalho, a mensagem, directa, não funciona – surge constantemente a mesma problemática: mesmo numa «representação independente, o espectáculo reconstitui-se» (Debord, 2002: 27) e, como tal, a obra surge como um equivalente à mercadoria.

Limitar-se-á a obra de arte simplesmente à função de assinalar a lógica de extensão do poder do mercado sobre todo o espectro da produção cultural? Fredric Jameson sugere que a homogeneização cultural no seu vasto âmbito de actuação – a publicidade, o cinema e as artes – estão nivelados à mesma condição de mercadoria, e que, em vez de se constituírem como tipologias de valores, constituem-se como tipologias de consumo. Se tradicionalmente a arte teria o carácter de mercadoria ambígua, agora trata-se de uma mercadoria sem ambiguidades. Deste ponto de vista, o capitalismo integra todas as expressões simbólicas no mercado e converte-as como uma variante de produção das mercadorias em geral, mas rege-as pelas mesmas leis do capital e do mercado. Daí todo este processo de acessibilidade à experiência ético-estética administrar-se a partir dos interesses do mercado de produtos culturais (cf. Jameson, 1999: 13).

A obra de arte esquivou-se do isolamento dos séculos precedentes, deixou de ser um objecto único e privilegiado do museu, noutros tempos o seu único santuário acolhedor. Actualmente, ela tornou-se colectivizada porque é serializada; equivale a um signo entre outros signos, a um objecto de consumo reproduzido no infinito material cultural de revistas, enciclopédias e colecções avulso. A obra de arte apresenta-se, assim, como uma substância cultural para o consumo, na medida em que o seu conteúdo alimenta a retórica de mobilidade social. A informação sobre a arte como cultura é mais abundante do que nunca, no entanto, não se tem demonstrado instrutiva dentro do seu estatuto. O nobre esforço de divulgar a cultura de um modo universal e de difundi-la por meio de objectos finitos restitui fundamentalmente a lógica do consumo (cf. Baudrillard, s/d: 112). Este fenómeno não se resume ao local de venda, ou ao volume da tiragem, ou ao “nível cultural” do público:


Se tudo isso se vende e, por consequência, se consome é porque toda a cultura se encontra submetida à mesma procura concorrencial de signos como uma outra categoria de objectos, sendo produzida em função de tal procura. Submete-se ao mesmo modo de apropriação que as outras mensagens, objectos e imagens que compõem a “ambiência” da nossa vida quotidiana... (Baudrillard, s/d: 113)


Com um discurso diferente, mas hierarquicamente superior a outros objectos, a cultura transformou-se num objecto de consumo e, dessa forma, a arte encontra-se democratizada porque todos têm direito a ela. Tal como qualquer outro objecto da cultura de massas, a obra de arte é também um elemento codificado de estatuto social – o funcionamento do sistema cultural inverte o seu conteúdo educativo que passa a ter uma função secundária. Isto significa que um “Andy Warhol” pode ser consumido tal como um Jaguar, ou seja, como um elemento de prestígio, mas sem as funções de utensílio:


( . . . ) o que sucede é que as obras assim multiplicadas enquanto objectos seriais tornam-se efectivamente homogéneas ao par das meias e à poltrona de jardim, em relação às quais adquirem sentido. Deixam de se opor aos outros como objectos finitos, como obra e substância de sentido, como significação aberta, tornado-se também elas objectos finitos e integrando-se na panóplia e na constelação de acessórios. (Baudrillard, s/d: 111)


A inclusão das obras de arte num mercado concorrencial terá começado no século XIX, quando os artistas reflectiram sobre o que ocorria dentro da esfera político-económica (e em certos casos se lhe adiantavam) e procuraram mudar os fundamentos do juízo estético com a finalidade de vender o seu produto.


Os artistas, mais além da sua predilecção pela retórica anti-institucional e anti-burguesa, de forma a venderem os seus produtos dedicavam mais energia a lutar entre si e contra as suas próprias tradições em vez de participarem em verdadeiras acções políticas. (Harvey, 2000: 38)


A luta por produzir uma obra de arte, uma criação definitiva que possa encontrar um local único no mercado, tem que ser um esforço individual forjado em circunstâncias competitivas. É por esses motivos que a arte modernista sempre foi o que Benjamin chamou de “arte aurática”, no sentido em que o artista deveria assumir uma aura de criatividade, de dedicação à arte pela arte, com o fim de produzir um objecto cultural, original, único e, portanto, eminentemente vendável a um preço exclusivo (cf. Harvey, 2000: 38). Embora as obras de arte se possam constituir, em diferentes graus de intensidade, como discursos estéticos ou discursos sociológicos, as suas intenções são niveladas às de qualquer objecto mercantil. Mesmo que as elites da arte não se revelem indiferentes, a produção artística revela-se normalmente insuficiente face a um sistema de valores, intimamente ligado ao mercado, que homogeiniza mentalidades. A força dos media como principal fonte de formação social tornou-se determinante para a vida global, já que serve de instrumento de promoção da cultura consumista, o que implica a promoção de produtos e serviços. Se os media em geral se apresentam como o medium por excelência da sociedade capitalista, logo estão limitados à sua condição de técnicos da estética globalizada que sirva os interesses do patronato (corporações). Efectivamente, como afirma Harvey, os media preocupam-se pela superfície em detrimento das raízes, pela collage em vez do trabalho em profundidade, pela citação de imagens sobrepostas em detrimento das superfícies elaboradas.


Os sistemas de comunicação e de informação dos media deram fundamentalmente lugar a uma aceleração na circulação de mercadorias através do sistema de mercado. Das muitas inovações no âmbito de consumo, duas têm especial importância: a mobilização da moda nos mercados massivos construiu um meio de acelerar o ritmo do consumo não só no vestido, no ornamento e na decoração, mas também em todo o vasto espectro de estilos de vida e actividades de recriação (ócio, hábitos desportivos, música pop, vídeo, jogos para crianças, etc.). Uma segunda tendência foi a deslocação do consumo de mercadorias para o consumo de serviços – não só pessoais, empresariais, educativos, e de saúde, como também relacionados com o entretenimento, com os espectáculos, os hapennings e as distracções. (Harvey, 2000: 316)


O poder das actividades dos media reside em toda a sua ordem estética e simbólica, e importa considerá-las como práticas culturais produzidas como forma de consumo instituída e organizada pelo próprio sistema produtivo. Partindo deste princípio, estas práticas culturais visam unicamente o crescimento económico, proporcionado através da introdução de novos produtos e, necessariamente, de novas necessidades. Desde os inícios de 1960, que nos deslocamos a uma nova era na qual a produção cultural se integrou na produção das mercadorias em geral. Como afirma Mandel em “Late Capitalism” (1975):


( . . . ) a frenética urgência de produzir novas ondas de presumidos bens sempre como novidades (desde a roupa aos aeroplanos) com uma circulação cada vez mais rápida, confere uma função estrutural crescente à inovação e experimentação estéticas. (apud. Harvey, 2000: 81)


Com esta política discursiva, o sistema cultural de elites despoleta essencialmente no espectador uma atitude contemplativa e estetizante em relação à obra de arte e, consequentemente, aniquila o seu discurso. Desta forma, a obra de arte passa a fazer-se equivaler à comum mercadoria industrial, mesmo quando exposta num espaço cultural específico. Se o público em geral tem dificuldades em rever-se numa obra de carácter sociológico quando visita os espaços culturais, deve-se essencialmente ao próprio sistema cultural que não promove uma política de divulgação correcta em relação aos conteúdos das obras, não estimula de modo eficaz a sua compreensão. As diferentes instituições que lutam entre si para reter os maiores dividendos económicos promovem um feroz confronto social no âmbito da produção cultural, propondo-se simplesmente a satisfazer o consumidor com as obras/ mercadoria.


[Para] suster os seus mercados, o capitalismo viu a necessidade de produzir desejo, de despertar a sensibilidade dos indivíduos criando assim uma nova estética sobre as formas tradicionais da alta cultura e de encontro a estas. (Harvey, 2000: 81 82)


A estratégia fundamental do sistema cultural assenta na exploração de todas as possibilidades para “prender a atenção” do público-alvo, fazendo crer que todo e qualquer acontecimento é relevante devido à sua divulgação. Este é um problema básico da propaganda, que em vez de sustentar a viabilidade educacional de um evento, sustenta a sua variante de espectáculo, de estética como fascinação, como forma de viabilizar a prosperação económica.


Enquanto indispensável adorno dos objectos hoje produzidos, enquanto exposição geral da racionalidade do sistema, e enquanto sector económico avançado que modela directamente uma multidão crescente de imagens-objectos, o espectáculo é a principal produção da sociedade actual. (Debord 2002: 26)


Se visualizamos a arte como um conjunto de signos e de significações que se engrenam nos códigos de transmissão dos valores e significados sociais, temos de reconhecer que a sua equivalência às mercadorias (que por sua vez equivalem ao dinheiro) constitui o suporte primário dos códigos culturais que se fixam, firmemente, no processo diário da circulação do capital. A vida cultural não poderia estar à margem desta lógica capitalista, «precisamente porque o capitalismo é expansivo e imperialista, [e] cada vez mais áreas da vida cultural se incluem na mesma lógica de circulação do capital e do dinheiro» (Harvey, 2000: 376).


Rui Pedro Fonseca
Artista plástico e doutorando na Facultad de Bellas Artes / Universidad del País Vasco




NOTAS/LEGENDAS
(1) Mural, perto de Madison Square Garden.
No contexto extra-instituição artística: Este mural, bem pós-moderno, está limitado à condição de animar o espaço urbano com jogos transfigurados de formas e cores. Concebe um formalismo audaz e reproduz as mesmas convenções formais estravagantes e superficiais dos media, ou seja, contribui para um enredo simbólico lúdico: anima e decora o urbanismo mantendo as pessoas sem respostas analiticas ou críticas relativamente aos problemas sociais.

(2) Barbara Kruger, “Sem Título (You Are Not Yourself)”, 1982.
No contexto da instituição artística: Embora esta obra possa fornecer elementos que permitam ao público aperceber-se de determinadas características do seu contexto socio-cultural, a problemática que surge é a mesma: os discursos advindos da sua plasticidade não se fazem funcionar devido ao modo de funcionamento do sistema cultural actual.

(3) Andy Warhol, “Brillo Box”, 1964
Com um discurso hierarquicamente superior a outros objectos, tal como demonstrou Andy Warhol, a obra de arte tornou-se efectivamente equivalente a um produto de super-mercado em relação ao qual por vezes adquire sentido.



BIBLIOGRAFIA

BAUDRILLARD, Jean; s/d: “A Sociedade de Consumo”; Lisboa; Edições 70

BAUDRILLARD, Jean; 1976; “A Troca Simbólica e a Morte I”; Lisboa; Edições 70

DEBORD, Guy; 2002; “The Society of the Spectacle”; New York, Zone Books

HARVEY, David; 2000, “Condição Pós-Moderna”; 9ª Ed.; S. Paulo, Edições Loyola

JAMESON, Fredric; 1991; “Postmodernism”, Or The Cultural Logic of Late Capitalism; Verso

MONSERRAT, Galí; 1988; “El Arte en la Era de los Medios de Comunicación”; Madrid, Colección Impactos