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OPINIÃO


Jorge Lima Barreto.


Jorge Lima Barreto, de chapéu turco, e Silvestre Pestana, na Praça D. João I, depois de uma intervenção na ESBAP. Porto, Maio de 1968.


Jorge Lima Barreto e Rui Reininho - ANAR BAND, 1977.


Vítor Rua e Jorge Lima Barreto - os Telektu em 1983.


Piano Dentelle (2008), concerto/performance de Jorge Lima Barreto com peça de Joana Vasconcelos.

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LUÍS RAPOSO

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MARCELO FELIX

2006-08-17
BAS JAN ADER, TRINTA ANOS SOBRE O ÚLTIMO TRAJECTO

JORGE DIAS

2006-08-01
UM PERCURSO POR SEGUIR

SÍLVIA GUERRA

2006-07-14
A MOLDURA DO CINEASTA

AIDA CASTRO

2006-06-30
BIO-MUSEU: UMA CONDIÇÃO, NO MÍNIMO, TRIPLOMÓRFICA

COLECTIVO*

2006-06-14
NEM TUDO SÃO ROSEIRAS

LÍGIA AFONSO

2006-05-17
VICTOR PALLA (1922 - 2006)

JOÃO SILVÉRIO

2006-04-12
VIENA, 22 a 26 de Março de 2006


JORGE LIMA BARRETO: CRIADOR DO CONCEITO DE MÚSICA MINIMALISTA REPETITIVA



HELENA OSÓRIO

2018-09-13




Não existem estudos académicos específicos sobre a obra e a vida de Jorge Lima Barreto (1949-2011). Nos Repositórios Científicos de Acesso Aberto de Portugal (RCAAP), encontramos alguns trabalhos ligados à música eletrónica e à música improvisada. Salientamos a tese de doutoramento de João Manuel Marques Carrilho, Estéticas da Música Informática: A Energia Musical Irrealizada, defendida na Universidade Católica Portuguesa (UCP). Um estudo interdisciplinar que, a propósito da prática da improvisação, refere o duo Zul Zelub1 e o co-autor Jorge Lima Barreto. Na dissertação de mestrado em Ciências Musicais, Prática e Receção da Música Improvisada em Portugal: 1960-1980 – defendida na Universidade Nova de Lisboa (UNL) –, Manuel António Oliveira Guimarães, aborda grupos liderados por Carlos Zíngaro (n. 1948) e Jorge Lima Barreto (JLB). Já na Porbase, existem mais de 30 títulos assinados por JLB.

“Na ‘Idade da Electrónica’, os mass media são, como afirma McLuhan, extensões electrónicas dos órgãos sensoriais. Funcionam como próteses que permitem percepções para as quais o ser humano não tinha sido ‘programado’ pela natureza. Neste contexto, Jorge Lima Barreto sugere uma nova estética, adequada à era electrónica e telemática: a ‘estética da comunicação’” [1].

A própria Bienal “Jorge Lima Barreto – Arte é Vida e Vida é Arte!” que se tem realizado em Vinhais onde nasceu é, desde 2014, o espaço reservado à memória num curto momento de 2-3 dias. Artistas multidisciplinares de várias gerações, com interesses interligados ao percurso de JLB, apresentam uma constelação de comunicações, concertos, exposições, performances, workshops.

O incompreendido pensador e cultivador das artes, com valor singular na cultura contemporânea portuguesa, que viveu numa suposta marginalidade pelas ideias, conhecimento e sensibilidade à frente do seu tempo, carece da biografia sólida que tanto o preocupou nos últimos anos de vida.

Jamais será esquecido, pela própria contribuição e através da obra de outros artistas: “A diversidade de géneros musicais abordados por Zíngaro é reveladora da sua versatilidade e domínio da técnica instrumental, tendo incluído meios eletrónicos de processamento de som nas suas execuções, mais tarde, e enveredado intencionalmente por uma linha estético-musical de improvisação. Jorge Lima Barreto, poli-instrumentista, compositor e ensaísta, inclui-se na segunda conceção referida, tendo iniciado a aprendizagem instrumental do piano como autodidata e mais tarde na Juventude Musical Portuguesa, não se focando no desenvolvimento da técnica do instrumento, tendo mesmo iniciado a sua atividade musical, simultaneamente, como baterista e pianista no grupo Anar Band” [2].

 

 

O que nos ficou

Conheci mais profundamente Jorge Lima Barreto pelos textos submetidos à revista de artes BOMBART Magazine, da qual fui mentora, juntamente com o pintor Augusto Canedo (n. 1958) e designer Susana Leão Machado (n. 1970), e que coordenei durante a breve existência (2008-2010). Um projecto morto que dava voz aos artistas, não obstante os esforços de Silvestre Pestana (n. 1949) em reedita-lo – artista visual madeirense, poeta, performer, grande amigo de JLB que porventura sentiu na pele angústias semelhantes, apesar de hoje ser mais compreendido.

(Se calhar, por magia de uma internet que vai popularizando saberes e tendências internacionais.)

Conversamos várias vezes por telefone e sempre pela vontade de publicar uma autobiografia. Consciente da sua imortalidade como artista precursor da música improvisada minimal e eletrónica, JLB lutava (conscientemente ou não) por uma marca na História que o ilibasse de não cair em esquecimento. Aparentemente desistiu em 2011, cumprindo a missão ao deixar um imenso legado discobibliográfico (vinil discografia, documentos manuscritos, etc.), aberto ao estudo e investigação.

Vítor Rua (n. 1961), amigo co-autor do projecto Telectu (1982), numa entrevista dada recentemente ao jornal Público, por ocasião do concerto que ocorreu em junho no Teatro Maria Matos, em Lisboa, frisou a importância do concerto à volta de uma obra iconográfica 35 anos depois do seu lançamento.

A imagem que JLB nos deixou dos irreverentes finais dos anos 70 e 80 do século XX, hoje considerada too much para a época e já melhor compreendida, não estava fora do contexto de um Porto de moda. Os ânimos livres da sua juventude aberta às mais variadas influências artísticas e culturais, refletiam-se em privado e na noite, em discotecas como o Lá Lá Lá e Swing, onde tudo era possível de acontecer. Assim, surgiram as “performances” espontâneas, em tantos campos quantos as atividades e formação dos seus protagonistas mais ou menos incógnitos. Como nasceram grandes músicos e bandas, poetas, designers e artistas – a maioria radicada agora em Lisboa, por questões de mercado e oportunidades de trabalho.

A expressão do ser era vivida a escalas de extrema provocação que tocavam as raias do nunca visto, exclamação geradora de escândalos numa sociedade portuense tradicionalmente conservadora.

Contrastes favoráveis às artes.

A excentricidade reinava no mundo da moda, duplicavam as escolas, os estilistas, os modelos, os fotógrafos, os desfiles. Os jovens saiam à rua, em especial à noite, trajados de formas estranhas, buscadas ao passado, imaginadas num futuro, à imagem do que acontecia em Berlim, Londres, Nova Iorque, Zurique. Nem Paris, nem Lisboa.

Como JLB escreve na BOMBART Magazine, em relação à Performarte, o que se pode aplicar às manifestações anteriormente referidas: “A história da performance art é a de um meio permissivo, de final aberto, com infinitas variantes, executado por artistas impacientes (…) determinados a levar a sua arte directamente ao público” [3].

JLB radicou-se em Lisboa nos anos de 1990 (como eu), aquando das vanguardas do Bairro Alto que ganhava expressão no design, na moda, no melhor da diferença, atraindo várias nacionalidades e sempre novas e melhores ideias. O Porto da cultura, da música, da inovação, foi decaindo. Começou a perder esses jovens da década de 80 que buscavam horizontes maiores. JLB esteve desde sempre situado nos espaços de criação e voou para outros universos geográficos e imaginários. Marcou a diferença na música, na escrita, na vida e até na suposta loucura do mal entendimento. Pena que ninguém ainda se tenha debruçado sobre o personagem, com vista à concretização de um estudo aprofundado que culmine na publicação da biografia merecida.

 

 

Revelação

Jorge Lima Barreto, talvez tenha descoberto em mim a capacidade de realizar projectos, através de patrocínios e parcerias, eventualmente por estar a publicar contos ilustrados por nomes significativos das artes em Portugal. São eles: Álvaro Siza (n. 1933), António Barros (n. 1953), Armanda Passos (n. 1944), Armando Alves (n. 1935), Dulce Barata Feyo (n. 1940), Eduardo Nery (1938-2013), Emília Nadal (n. 1938), Fernando Veloso (n. 1968), Graça Martins (n. 1952), Graça Morais (n. 1948), Gracinda Candeias (n. 1947), Henrique Silva (n. 1933), José de Guimarães (n. 1939), José Rodrigues (1936-2016), Júlia Pintão (n. 1948), Júlio Resende (1917-2011), Margarida Leão (n. 1944), Mide Plácido (n. 1957), Paula Rego (n. 1935), Paulo Neves (n. 1959), Rui Paiva (n. 1954).

A autobiografia de JLB poderia ter sido publicada com a chancela Animedições, marca que registei em 2009, com o lançamento do livro O Grande Feiticeiro Amarelo, ilustrado por Júlio Resende. Não foi.

Infelizmente, a crise estava anunciada e adeus cultura, bye-bye apoios. Os projectos artísticos e culturais foram-se inviabilizando. Os políticos assustaram-nos, subiram mais os impostos, perseguiram-nos de tal forma que, os cidadãos com poder de compra, camuflaram os bens, limitaram o consumo; os novos pobres, falidos, ficaram desprotegidos e começaram a ser mais explorados, aceitando trabalho por necessidade e a qualquer preço; a economia parou; fecharam-se empresas, despediram-se trabalhadores em massa; uns emigraram já em idade dita crítica, outros continuam a viver de esmolas da família, vão para debaixo das pontes, ou saltam do alto para o precipício, que os subsídios do Estado e as pensões não chegam para comer. Quando os políticos se apercebem do caos gerado, tentam reanimar com a palavra de esperança, fomentando pequenas mudanças mais anunciadas nos mass media do que sentidas no dia-a-dia.

Tarde demais.

(Pusessem os olhos em Espanha.)

Portugal perdeu o que de melhor tinha, essa geração de criadores livres e pensadores que dedicaram a vida à prática e ao estudo. Essa geração de poetas e artistas da qual JLB também se distinguia, passaram a intelectuais “frustrados”, acabando por morrer mais da desilusão do que da fome. Porque ainda há famintos de alimento que não se compra. E, essa fome da alma, é como um amor oitocentista que mata.

O músico e compositor vanguardista, criador do conceito de música minimal repetitiva, deixou-nos, legando um amplo acervo discobibliográfico, hoje em fase de catalogação no Departamento de História, Artes e Humanidades da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra (FLUC). Existem outros núcleos divididos entre Vinhais e Lisboa. A casa de família em Vinhais, onde nasceu e onde se realiza a Bienal JLB; a Rádio Difusão Portuguesa (RDP) e a própria Universidade NOVA onde se doutorou em Lisboa e viveu os últimos anos da vida.

JLB é porventura o nome mais importante da música improvisada em Portugal. Foi também crítico musical, musicólogo, jornalista e escritor. A sua obra abre-nos a uma nova perspetiva no campo da música improvisada, como um primeiro passo para outras abordagens. Não existe, porém, uma biografia sólida sobre a sua vida e obra, apenas estudos dispersos.

Os amigos e "camaradas” da esquerda que, com ele conviveram na década de 1970, descrevem-no como polémico, irónico, inquieto, personagem contestatária, provocativa. É, sim, figura central dos universos experimental e improvisado, que deixa uma obra única, literária e musical, neste último campo e em particular, com os Telectu, projecto que partilhou com Vítor Rua desde o início da década de 80. Uma obra singular.

Em paralelo com a atividade musical, desenvolveu uma intensa atividade não-performativa, no campo da musicologia. Fundou com Carlos Zíngaro a Associação de Música Conceptual (1973) e editou uma vasta bibliografia abordando uma diversidade de campos musicais: Revolução do Jazz (1972), Jazz-Off (1973), Rock Trip (1974), Rock & Droga (1982), Música Minimal Repetitiva (1990), JazzArte (1994), Música e Mass Media (1996), Musa Lusa (1997), B-Boy (1998) e Zapp (2000), entre outros.

Teve um percurso ímpar, desbravou caminhos, foi precursor da música de vanguarda em Portugal.

 

 

De improviso

Aventurei-me a escrever estas linhas sobre Jorge Lima Barreto [4], com a pretensão de vir a colaborar na consolidação da ainda inexistente biografia completa e sólida do músico e compositor de vanguarda português, criador do conceito de música minimal repetitiva.

Recentemente, o ator Luís Lima Barreto, irmão do músico e compositor transmontano, doou uma parte significativa do seu acervo. Sobrelevamos quatro segmentos da trajetória de vida do poliartista e académico contemporâneo:

– De Vinhais para o Porto: Formação universitária e trabalho como assistente na Faculdade de Letras da Universidade do Porto (FLUP) e Escola Superior de Belas Artes do Porto (ESBAP). Tradutor e musicólogo;

– Anar Band (1972-77), com Rui Reininho (n. 1955). Funda a Associação de Música Conceptual, em 1973, com António Pinho Vargas (n. 1951) e Carlos Zíngaro;

– Telectu, com Vítor Rua (1982-2008). Composição e edição de discos, concertos musicais em Portugal e no estrangeiro. Divulgação na rádio (Musonautas na RDP) e crítica musical no Jornal de Letras (JL);

– Zulzelub, com Jonas Runa (2008-2011), proposta conceptual experimentalista para piano e computer music, baseada numa teoria da filosofia da música inventada por ambos, Runa (n. 1981) e JLB: Energia Musical Irrealizada.

Que mais poderei retirar de um trajeto tão rico?

Que mais poderei escrever?

Na infância, em Vinhais, JLB começou a tocar de forma autodidática piano e órgão da igreja [5]. Passou a maior parte da juventude no Porto, primeiro estudando e depois lecionando na FLUP e na ESBAP (atual FBAUP).

Além de frequentar o curso de História da Arte na FLUP, juntou-se à Juventude Musical Portuguesa e, como ativista, criou a Associação de Música Conceptual para reunir compositores/intérpretes (como António Pinho Vargas e Carlos Zíngaro) e ouvintes com interesses musicais comuns, e para organizar concertos.

Após a licenciatura (1973), foi assistente das cadeiras de Crítica da Cultura e Estética, Sociologia da Arte, Introdução às Ciências Humanas, da FLUP e ESBAP (1974-1978). Recebeu o grau de Doutor em Musicologia e Teoria da Comunicação Social, pela Universidade Nova de Lisboa (2010), defendendo a tese Estética da Comunicação Musical – a Improvisação.

Pianista, performer, produtor (como documentarista e musicólogo), JLB deixou-nos uma produção significativa de escritos sobre música, fruto da atividade de jornalista, crítico e conferencista. Editou cerca de 20 títulos, relacionados historicamente, referidos anteriormente. Sempre movido pela atitude de andar à frente, nunca parou de experimentar [6].

JLB estava ligado às músicas mais exploratórias, experimentais e improvisadas, a solo ou em formações como Telectu e Anar Band. Foi membro fundador da Anar Band (1969), juntamente com Rui Reininho e Telectu (1982), com Vítor Rua, este último um projecto que incorporou elementos musicais do jazz, eletrónica, minimalismo, música concreta.

Por fim, JLB desenvolveu um novo projecto, o Zul Zelub, que fundou com Jonas Runa (n. 1981), Doutor em Música Eletrónica, com a intenção de praticar uma “música aberta com inflexões de jazz de vanguarda, música improvisada com embrulho eletrónico” [7]. Mas, a maior projeção, foi com a dupla Telectu de música experimental formada em 1982 (proveniente da formação original dos GNR), que atuou no mundo inteiro.

Incorporou na Telectu uma grande variedade de elementos musicais, do mais livre jazz ao eletrónico, passando pelo minimalismo ou música concreta. Telectu é um projecto singular, pela sua natureza, sempre em conjugação com outras áreas artísticas, que cria situações surpreendentes (nem sempre bem compreendidas), partindo da ironia permanente no estado de ser de JLB.

Ao longo de 30 anos de carreira, colaborou com inúmeros músicos de excepção, da música improvisada ou experimental, como Elliot Sharp (n. 1951), Chris Cutler (n. 1947), Sunny Murray (1936-2017), Jac Berrocal (n. 1946) ou Carlos Zíngaro. Em simultâneo, compuseram música para teatro, vídeo-arte ou performances multimédia.

Já antes, simpatizante do internacional situacionismo, estruturalista e apologista da improvisação total, envolveu-se como figura tutelar no círculo artístico e musical do Porto, estando a sua influência patente em várias atividades musicais e culturais (da performarte à video art).

Entre os anos de 1977-82, percorreu a América do Sul e os Estados Unidos, recolhendo material para a tese de doutoramento que desenvolveria sobre o situacionismo musical nesses países. Em Nova Iorque contatou, através de Jean Saheb Sarbib (n. 1944), com o meio vanguardista do Jazz e relacionou-se com a música improvisada e experimental.

No seu regresso, em 1982, mudou-se para Lisboa, nesse mesmo ano, foi organizador da programação de Jazz e do rock do Festival de Vilar de Mouros e do Ciclo de Nova Música Improvisada na Academia de Ciências e Artes (ACARTES).

No âmbito do jornalismo musical, desenvolveu atividade em importantes e diversas publicações nacionais e estrangeiras desde os finais da década de 1960, tais como Atlântida, Blitz, Hi-Fi, Jornal de Letras (desde 1984), Manifesto, Memória do Elefante, Mundo da Canção, Point, Via Latina, Vida Mundial.

Realizou conferências e seminários a nível nacional e internacional, como o 1.º Simpósio de Música Electrónica da URSS (1985), e publicou livros sobre música, mediologia, estética da comunicação e tecnologias (sampler, controladores digitais, percussões, computer music), alguns intimamente ligados à sua prática enquanto músico de jazz, rock (conceptualização de Independança do GNR, 1982), música improvisada (solo de piano, teclas, cordas e preparado piano dissonata, 2001, e duo com Prévost, 2003), electronic live (Neo Neon, solo para wavestation, 2003; e Saheb Sarbib, encounters, 1977), música multimédia (radio music, concretismos, midi, duos com Zíngaro, em kits, 1992).

Introduziu em Portugal, como ensaísta, várias tipologias de ponta, eruditas ou populares. Foi próximo dos também saudosos Carlos Paredes (1925-2004), João de Freitas Branco (1922-1989), Jorge Peixinho (1940-1995), Luiz Villas-Boas (1924-1999), Zeca Afonso (1929-1987), entre outros. Realizou inúmeros concertos com músicos nacionais e estrangeiros de jazz, de música improvisada e/ou experimental (Brasil, China, Cuba, EUA, Europa, União Soviética), em festivais ou concertos, em lugares prestigiantes como Cascais Jazz 74, solo para piano e banda magnética; Salle Patiño, Genebra, 1976, solo de sintetizador; Public Theatre, Nova Iorque, 1979; seis concertos de piano na Expo 98.

A sua prática musical é indissociável da extensa discografia registada em fonogramas dos Telectu, em grupo, a solo ou em duo. Tem o experimentalismo e o conceptualismo como primeiras referências, free jazz, compositores contemporâneos, artistas e intelectuais ligados ao pósmodernismo, “projecto de um manifesto neo futurista” [8].

Desde 1974, tocou e gravou com algumas das mais destacadas figuras internacionais da música experimental. Compôs música para teatro (Teatro da Cornucópia) e cinema (OM de António Palolo); e, em 1982-91, realizou programas radiofónicos (Musonautas da Rádio Comercial). Idealizou ainda o Ciclo Fonoteca Files, para eventos de música experimental (1999-2001).

No programa radiofónico Musonautas, realizou grandes entrevistas a músicos do mais alto nível histórico e mundial: Anthony Braxton (n. 1945), Luciano Berio (1925-2003), Pierre Boulez (1925-2016), Cecil Taylor (1929-2018), Daniel Kientzy (n. 1951), Emmanuel Nunes (1941-2012), Filipe Pires (1960-2015), Jorge Peixinho, Steve Reich (n. 1936), Karlheinz Stockhausen (1928-2007), Wolf Vostell (1932-1998), Iánnis Xenakis (1922-2001) [9].

A sua prática musical e processo composicional desenvolvidos até finais dos anos 1980, foram associados à “música minimal repetitiva” (em livro homónimo, 1983), a qual apresentou no V Congresso Nacional de Musicologia.

É mais fácil marcar a diferença do que viver na diferença.

Na qualidade de artista irreverente, trabalhou sempre na produção de materiais sonoros, como obra aberta e estratégia de recusa de qualquer compromisso com as políticas culturais vigentes, indústria discográfica e dos espectáculos.

Apesar de pertencer a um circuito musical restrito, esteve envolvido em ações interarte, poesia visual, performarte, vídeo, cinema, teatro, dança em galerias, museus, fundações, teatros, estádios, espaços livres. A sua música, as suas apresentações mediáticas, os seus textos, muito polémicos, o seu forte carisma, fazem dele uma personalidade ímpar reconhecida para além da prática musical. O carácter pessoal e a diversidade de materiais sonoros que divulga marcaram a formação de vários intérpretes do domínio da música improvisada, da electronic live, do rock, do Jazz, da ambiental, da experimental, papel que lhe é reconhecido pelos próprios.

 

 

Na música por amor e liberdade

Em 1972, Jorge Lima Barreto iniciava uma longa carreira de musicógrafo com “revolução do jazz” onde lançou as ideias seminais que exploraria em estudos posteriores até JazzArte (2001).

Prosseguiu com a série “rock pop off”, relacionamento do rock com a droga, desde 1975 com Rock Trip até B-Boy, sobre o movimento hip hop (1998), escreveu monografias. Nova improvisação em “nova musika viva” de 1996. Editou Musa Lusa, em 1997, vulgata da música portuguesa de hoje e de todos os quadrantes. Numa perspectiva epistemológica publicou ensaios sobre Música de Hoje (Musicónimos, 1979; “o siamês telefax stradivarius”, 1998). Congeminou a tese de doutoramento Música & Mass Media, de 1997, que retomou em 2002 no projecto Estética da Comunicação e a Situação Pósmoderna da Música. No prelo, o livro de contos de ficção científica à volta da música e do erotismo Os Musíadas. Os seus livros foram habitualmente prefaciados pelas mais distintas personalidades nas respectivas áreas da Música e da Cultura em Portugal.

Tradutor, escritor de textos para catálogos, discos, concertos, exposições, instalações, festivais, vídeos. Poliartista da performarte, caricatura, design, notação gráfica, espectáculos multimédia e interarte. Colecionador de BD, miniaturas de automóvel, pintura. É um dos mais férteis ensaístas a debruçar-se sobre música de hoje, recorrendo a um universo lexical próprio como artista e pensador: “praxis gestualista”; “aventura pósmoderna”; “a música como amor e liberdade” [10].

A Coleção Musicológica de JLB foi entregue pelo irmão ao Edifício da Caldeiras (Coimbra), onde decorrem os estudos de graduação e pós-graduação em Artes e Música na FLUC. Com a coleção, agora em Coimbra e indo para o estágio de catalogação, aberta à investigação, surge a oportunidade de aceder à biblioteca anotada do músico e a toda a sua discografia em vinil, documentos manuscritos, etc., com trabalhos de referência. A RDP é, também, fiel depositária de parte de sua coleção de discos de produção e seleção.

Um sem fim de artistas e escritores trabalharam com Jorge Lima Barreto, como António Barros, Carlos Gordilho (n. 1955), Elisabete Mileu (n. 1956), Luís Lima Barreto, Manoel Barbosa (n. 1951), Rui Orfão (n. 1958) e Silvestre Pestana; compositores e músicos como António Pinho Vargas, António Duarte (1912-1998), Barry Altschul (n. 1943), Carlos Zíngaro, Chris Cutler, Daniel Kientzy, Eddie Prévost (n. 1942), Eduard Artemyev (n. 1937), Elliott Sharp (n. 1951), Emanuel Dimas Pimenta (n. 1957), Evan Parker (n. 1944), Gerry Hemingway (n. 1955), Giancarlo Schiaffini (n. 1942), Han Bennink (n. 1942), Jac Berrocal (n. 1946), Jonas Runa, Luís Sclavis (n. 1953), Nuno Rebelo (n. 1960), Rão Kyão (n. 1947), Rui Reininho, David Murray (n. 1955) e Vítor Rua [11]. Testemunhos vivos da sua irreverência e arte espalhada a Portugal, EUA e Europa (França, Holanda, Itália, Reino Unido, Rússia) onde JLB atuou, lecionou e fez amigos.

José Bragança de Miranda (n. 1953) que orientou a sua tese de doutoramento na NOVA, é o autor do prefácio do livro que o seu PhD originou, publicado postumamente em 2016. Nomes de mais dois académicos: Rui Vieira Nery (n. 1957) prefaciou o livro de JLB Musonauts - Entrevistas [Doutor em Musicologia pela Universidade do Texas/Austin (1990), que frequentou o bolsista Fulbright e bolsista do Calouste Fundação Gulbenkian]; Mário Vieira de Carvalho [Professor jubilado em Sociologia da Música da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da NOVA. Fundador e Presidente da Direção do Centro de Estudos em Sociologia e Estética Musical (CESEM)], orientador da 1.ª tese de doutoramento Música & Mass Media (1994), juntamente com Adriano Duarte Rodrigues (n. 1942) da NOVA, Departamento de Ciências Musicais, também orientador da 2.ª tese, Estética da comunicação e música posmoderna, com José Bragança de Miranda da NOVA, Departamento de Ciências Sociais e da Comunicação [12].

O seu livro Música Minimal Repetitiva (1991) sustenta do ponto de vista científico, não só a legitimidade como a importância de biografar o autor como, “o criador do conceito de música minimal repetitiva”. Não de “música minimal” do debate de Michael Nyman (n. 1944) e Tom Johnson (n. 1939) sobre a invenção do termo. Nem dos princípios da repetição aplicada à música minimal por Steve Reich (1936). Reich disse em entrevista (n. 1992), publicada no livro Musonautas (2001): “No final dos anos 1950 (...) Nyman chamou à música que eu, LaMonte Young e Riley fazíamos, de Minimal (...) mudei, o termo minimalista já não serve para a música que faço; agora não faz sentido para classificar Desert Music ou Different Trains (...) posso ter esses elementos de repetição de vozes, de certos ritmos, mas não o uso como processo generativo (...)”. A repetição foi pensada e usada na música. São coisas diferentes. O conceito em si de música minimal repetitiva é, sim, da autoria de Jorge Lima Barreto e foi evoluindo. Não há prova em contrário. Como escreveu Vítor Rua: “(…) pioneiro - como vimos - a escrever sobre música minimal-repetitiva (…)”4; e mais reforça, “Em 1981 – faz agora 30 anos –, cria comigo os Telectu; fomos pioneiros na introdução da música minimal-repetitiva em Portugal. Aliás o termo minimal-repetitiva é invenção sua. É a única língua (o português) em que melhor se descreve este tipo de música. No inglês temos minimal music, e no francês musique répétitif. O problema é que existe música minimal não-repetitiva, e existe música repetitiva não-minimal. O Jorge reparou isso; corrigiu a terminologia existente, tornando-a mais exacta (…)” [13].

 

 

O legado aberto ao estudo

Antes de falecer, Jorge Lima Barreto lutou pela publicação da referida autobiografia, tendo-se esforçado por angariar apoios institucionais e mecenato – o que nunca aconteceu. Como frisei anteriormente, Portugal encontrava-se mais preocupado com a crise que arrasou a produção criativa e científica e, ainda hoje, se mostra um país padrasto para com os seus artistas, arte e cultura. JLB morreu desiludido, no quase esquecimento. A diferença e consequente incompreensão do artista e da obra, vitimou-o, como continua a marginalizar num Portugal onde os horizontes começam e terminam no mar que o banha de norte a sul, com ondas a favor da mera ignorância que está na origem de todos os males.

JLB sempre viveu entre a música e a escrita num dueto discobibliográfico [14]. O levantamento cronológico da bibliografia e discografia do autor, organizando os títulos por tendências e correntes da época, permite-nos analisar possíveis influências e referências no seu trabalho.

Uma obra ímpar, aberta à investigação, que não se esgota com o tempo de uma vida.

A parte mais significativa da discografia e bibliografia, com a sua assinatura, está dividida entre as coleções da UC e RDP que incluem dezenas de títulos. Podemos ainda considerar os seus discos e livros de eleição, também doados à UC e RDP [15].

Artistas amigos continuam a evocar JLB na sua obra, nomeamente António Barros, Celeste Cerqueira (n. 1967), Joana Vasconcelos (n. 1971) e Silvestre Pestana; músicos como Carlos Zíngaro, Jonas Runa e Vítor Rua; críticos e académicos como Jorge Pais de Sousa e Mário Vieira de Carvalho (n. 1943)… Mas, é necessário que se unam todos os esforços para que se faça luz à biografia completa, tão desejada pelo musicólogo, e se garanta a eternidade merecida de eleitos como JLB que dedicou a vida ao estudo e à criação.

Na Bienal Jorge Lima Barreto, cuja 3.ª edição decorre entre os dias 14 e 16 de setembro, no Centro Cultural Solar dos Condes de Vinhais, associam-se artistas conceituados e jovens promissores portugueses e estrangeiros.

O destaque desta edição vai para o concerto de revisitação de Belzebu, o icónico álbum dos Telectu, do qual JLB foi mentor. O passe para os três concertos custa 12 euros, o bilhete unitário custa cinco.

Entre os nomes anunciados estão também o baterista Chris Cutler e o guitarrista alemão Jochen Arbeit (n. 1961), bem como o português Tó Trips (n. 1966), guitarrista que integra atualmente os Dead Combo, Nuno Reis e Gimba.

Participarão ainda Bárbara do Canto Lagido, Helena Espvall, Marco Franco, Bernardo Devlin (n. 1967), Ilda Teresa Castro, Kersten Gladien, Gonçalo Falcão, Feliciano de Mira, Rui Duarte e Luís Mendes de Almeida (n. 1957).

O irmão do homenageado, Luís Lima Barreto, atuará num dos espectáculos.

O guitarrista e compositor Vítor Rua que já antes, em junho, promoveu um concerto no Teatro Maria Matos, revisitará o álbum Belzebu (1983), com António Duarte.

“Vamos utilizar as partituras e os mesmos instrumentos – a mesma guitarra, sintetizador, tudo igual, até vou usar a mesma palheta…”, diz na entrevista ao Público.

Se não havia um caminho definido, foi trilhado e bem.

 

 

 


Helena Osório
Nascida em Benguela, Angola, tem-se dedicado ao jornalismo cultural, coordenação editorial e escrita literária.
É doutora em Estudos sobre a História da Arte e da Música pela Universidade de Santiago de Compostela, com reconhecimento da Universidade do Porto. Mestre e pós-graduada em Artes Decorativas pela Universidade Católica Portuguesa. Licenciada em Estudos Europeus pela Universidade Moderna de Lisboa. Investigadora do Instituto de Investigação em Arte, Design e Sociedade da Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto (i2ADS/FBAUP).

 

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Notas

[1] CARRILHO, João Manuel Marques – Estéticas da Música Informática: A Energia Musical Irrealizada. Lisboa: Tese de Doutoramento em Ciência e Tecnologia das Artes, especialização em Informática Musical, apresentada à Escola das Artes da UCP, 2013. p. 110.

[2] GUIMARÃES, Manuel António Oliveira – Prática e Receção da Música Improvisada em Portugal: 1960-1980. Lisboa: Dissertação de mestrado em Ciências Musicais, variante de Etnomusicologia, apresentada à UNL, 2013. p. 38.

[3] BARRETO, Jorge Lima – Jorge Lima Barreto: Mundos Imaginários. Uma Palavra à Performarte, à Música e Poesia Ex Improviso, ao Vídeo Music. V.N. Cerveira: BOMBART Magazine, n.º 06, nov-dez 2009. p. 19.

[4] Disponível em http://triplov.com/cyber_art/jorge-lima-barreto/antonio-barros.html

[5] Disponível em https://duas-ou-tres.blogspot.com/2011/07/jorge-lima-barreto.html

[6] Disponível em https://www.publico.pt/2011/07/12/jornal/o-experimentador-22466037

[7] Disponível em http://www.mic.pt/dispatcher?where=0&what=2&show=0&pessoa_id=157&lang=PT&site=ic

[8] Disponível em http://www.jazzportugal.ua.pt/web/ver_musicos.asp?id=54

[9] Disponível em http://www.mic.pt/dispatcher?where=4&what=2&show=4&grupo_id=7198&lang=PT

[10] Disponível em http://www.planctonmusic.com/pt/no004_pt.htm

[11] RUA, Vítor – Um rouxinol na ordem zero. Porto: Jornal Público, 12 de julho de 2011.

[12] Disponível em https://www.meloteca.com/pdfcurricula/curriculum-jorge-lima-barreto.pdf

[13] Disponível em https://albufeira2011.blogs.sapo.pt/jorge-lima-barreto-467017

[14] BELANCIANO, Vítor – Morreu o músico Jorge Lima Barreto. Porto: Revista Ípsilon, Jornal Público, 9 de julho de 2011.

[15] Disponível em http://www.jazzportugal.ua.pt/web/ver_musicos.asp?id=54