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AIDA CASTRO

2006-06-30
BIO-MUSEU: UMA CONDIÇÃO, NO MÍNIMO, TRIPLOMÓRFICA

COLECTIVO*

2006-06-14
NEM TUDO SÃO ROSEIRAS

LÍGIA AFONSO

2006-05-17
VICTOR PALLA (1922 - 2006)

JOÃO SILVÉRIO

2006-04-12
VIENA, 22 a 26 de Março de 2006


ZEUS E O MINISTÉRIO DA CULTURA



VICTOR PINTO DA FONSECA

2021-05-29




 

 
Julgamos saber coisas que não sabemos.

 

Olhei para uma notícia, Colecção de Arte do Estado vai além das aquisições, é para fazer circular pelo país, para que seja valorizada, usufruída e reconhecida, que acabara de ler e, nem naquele momento, nem mais tarde, fui capaz de compreender por que via misteriosa o mecanismo dos meus pensamentos ou a minha memória trouxe de uma longínqua leitura o nome "Pandora" para remontar atrás, muito atrás, ao mito. Não estou em condições de explicar esta viagem aos tempos mais recuados. De que serve mergulhar no universo de uma personagem perversa e irresistível da mitologia grega? Ou muito simplesmente porque pode ser tão enganador e ao mesmo tempo tão insinuante o Ministério da Cultura criar uma comissão de membros (peritos) para aquisição de arte contemporânea para o Estado? Pergunto-me.

Como sabemos, a principal fonte do mito de Pandora é Hesíodo,Teogonia. Zeus enviou-a à Terra para seduzir os mortais e conduzi-los à perdição. Segundo uma leitura psicológica do mito, Pandora simboliza a tentação perversa, à qual estão expostos os homens, criaturas de Prometeu. Mulher, ela simboliza a terra, os desejos terrestres. Pandora representa a sedução, a tentação irresistível, o artifício enganador que o homem constrói à medida dos seus desejos exaltados. Pandora, tão terrível e ao mesmo tempo tão insinuante, foi enviada por Zeus como castigo pelo roubo do fogo por Prometeu. (Mas o fogo não pode ser subtraído a Zeus sem que apareça a imaginação perversa, de acordo com as leis inerentes à natureza humana.) 

 

Quem olha para o passado como não tendo surpresas terá certamente um futuro cheio delas. 

 

Quanto à Colecção de arte contemporânea do Estado, receio que a desejada valorização e reconhecimento, desencadeará uma série de consequências, que se vão reflectir numa acentuada degradação das condições do universo da arte. Pretender fazer circular pelo país uma colecção de arte contemporânea com um programa de dez anos para aquisição de obras de arte com o dinheiro dos contribuintes é uma "Insinuação determinista" da qual dentro de poucos anos, a ministra da cultura e o curador da colecção, ao olharem para trás vão ficar lívidos de vergonha porque o que estão a fazer é uma "falsa visão". Ao intervir no mercado de arte, insinuando quais os artistas representativos do país, o Estado, passa a estar implicado em quaisquer danos que a sua acção possa causar, pois com certeza o que aconteceria sem a intervenção do Estado seria certamente diferente. A "crença na lei das aquisições do Estado" vai influenciar artistas, curadores e colecionadores privados, que tenderão a tirar conclusões precipitadas — a partir de escolhas que não são representativas da arte e dos artistas em geral. Esta tendência determinista das leis [do Estado], da Colecção de arte contemporânea do Estado, pode ter efeitos particularmente confusos no universo da arte contemporânea em situações de decisão e como orientar os julgamentos, julgando estar certas, para encaixar numa história fácil de adoptar e saliente mas também falsa.

A governalização da arte contemporânea parece querer acreditar que o processo assistencialista - após um protesto de alerta para o sector das artes visuais, apresentado por um grupo de 200 artistas ao primeiro-ministro António Costa -, de lançar um programa de dez anos para aquisição de obras de arte contemporânea, para a colecção do Estado, com uma dotação orçamental mínima de 300 mil euros por ano, apoiado na avaliação de uma comissão de membros (por um pagamento do governo), tem valor para os artistas. Mas a verdade é que não tem. Questiono-me como é que uma comissão de aquisição de arte nomeada pelo Estado para um programa de dez anos tem precisão nesta tarefa para escolher quem são os artistas e as obras a adquirir / coleccionar? Em detrimento de outros?

— Em primeiro lugar, a avaliação artística pertence a uma classe mais alargada de processos mentais que envolvem a interpretação intuitiva de dados. Está sujeita a preconceitos. Por outro lado, uma pessoa a fazer uma avaliação artística em condições de incerteza (ele parece ser um bom artista) está a atribuir probabilidades, implica uma previsão (ele vai ser um bom artista). Nem todas as avaliações são seguidas de decisões, mas todas as decisões implicam uma avaliação.

Sabemos que do ponto de vista da psicologia cognitiva, o funcionamento da mente das pessoas ao fazer avaliações em situações de incerteza é deturpado por vários mecanismos a que a mente humana recorre perante a incerteza. Este funcionamento da mente, os motivos pelos quais os mecanismos na mente humana produzem erros ou preconceitos, tem todo o tipo de implicações para a maneira como as pessoas se movimentam pelo mundo, como fazem julgamentos e como tomam decisões. Na procura pela verdade, apoiam-se muito mais do que julgam nos preconceitos. (Tem a ver com o facto de não vermos os erros mentais que cometemos, acusados por esses mecanismos.)

O mesmo fenómeno pode observar-se na avaliação artística. Tal como outros seres humanos os peritos estão sujeitos aos preconceitos cognitivos. (Também os peritos cometem erros graves e sistemáticos - não só por estarem num dia mau.) Também os peritos impõem uma falsa ordem sobre eventos aleatórios, provavelmente sem se aperceberem de que o fazem. Insinuação determinista, foi o que lhe chamou Amos Tversky. — e registou um dos muitos custos que este fenómeno acarreta: Essa capacidade de explicar aquilo que não podemos prever, representa uma falha importante, embora subtil, no nosso raciocínio. Leva-nos a crer que o mundo é menos incerto do que na verdade será.

[Por exemplo] A investigação psicológica permite sabermos que qualquer pessoa que quiser avaliar um artista e/ou uma obra de arte é influenciada pela facilidade com que se recorda da sua experiência com determinados artistas (com o seu mundo real). Um perito tende a prestar atenção sobretudo a quem se assemelha à sua ideia de um artista representativo. —  Não é que fazer julgamentos sobre semelhanças ou representatividade (a primeira escolha que nos vem à cabeça) esteja sempre mal; é que a sua existência na nossa cabeça nos leva a ter mais certezas do que deveríamos de que ela está correcta, ignorando o quadro geral. Quanto mais semelhante for o caso específico relativamente ao nosso modelo mental, mais provável é acreditarmos que o caso específico é um artista bem sucedido. Os peritos ao formarem avaliações não estão apenas a cometer erros aleatórios – estão a fazer alguma coisa sistematicamente mal. Porquê? Porque, não se dão ao trabalho de pensar em artistas que não se assemelham à sua noção mental, antes, tendem a ver só aquilo que lhes é agradável (para o que foram treinados a ver), motivo para ignorarem a possibilidade de haverem também artistas menos óbvios - comportamento passivo, de forma acrítica, que deturpa a avaliação nas suas escolhas. Esses artistas menos óbvios, por vezes, são os melhores. E que podem ser muito subestimados se simplesmente não ocorrerem a ninguém. Isso significa que os peritos da comissão para aquisição de arte contemporânea representam uma roda da sorte, a dizer que preferem apostar em determinados nomes em detrimento de outros. (Resultado da falta de empenho.)

 

Ao fazer avaliações, as pessoas, mesmo as mentes mais sofisticadas precisam de ajuda. As expectativas intuitivas são governadas por uma má percepção constante do mundo. 

 

Amos Tversky e Daniel Kahneman (dois génios da psicologia contemporânea, laureados com o Nobel), descrevem um segundo mecanismo. O erro, não é tudo a representatividade. Passa-se outra coisa, não são só as semelhanças: a memória pode iludir as avaliações. As escolhas que as pessoas fazem também são moldadas pela experiência do passado (surge como uma verdade simples). Aquilo de que as pessoas se recordam pode deturpar a sua noção sobre o futuro. 

Quanto mais fácil for evocar algum artista - quanto mais disponível esse artista estiver - mais provável ele aparece. Qualquer exposição que for particularmente viva, recente ou familiar - ou qualquer coisa que for mais fácil de recuperar da memória - tem mais probabilidades de ser recordado facilmente, e de ter um peso desproporcional em qualquer avaliação. Consequentemente, o uso da memória leva a preconceitos sistemáticos. O julgamento humano é distorcido pelo...'memorável'. — Razão porque não sendo explícito cientificamente há um entendimento tácito de que o raciocínio dos peritos deve ser verificado por um especialista conhecedor dos erros [de colecionar, no caso de uma coleção de arte], que exercesse controlo do seu raciocínio, em busca dos seus erros mentais e, se necessário para o alterar: olhar para a maneira como eles [peritos] pensam obriga-os a ser rigorosos. Uma coleção do Estado deve ser encarada não só como um lugar para coleccionar obras de arte, mas também procurar a precisão. O problema da comissão para a aquisição de obras não é o que sabem, nem o que não sabem. Não é diabolizar o erro (é compreender que o erro faz parte da natureza humana). É reconhecer a incerteza, para melhorarem. É a necessidade de admitir a possibilidade de erro, porque as suas interpretações não são precisas . A avaliação com sucesso de um artista é, na sua essência, única, e a sua probabilidade não pode ser avaliada através de presunções tácitas. Não é só que os peritos não sabem aquilo que não sabem, é que não se dão ao trabalho de incorporar a sua ignorância nas suas avaliações. 

 

As pessoas encontram perigos enquanto raciocinam.

 

Na minha experiência, direi que para mim uma colecção de arte contemporânea não é como a física. Não tem uma teoria única à volta da qual se possa organizar, ou mesmo um conjunto de regras previamente aceites para balizar a construção. Parte do problema é a enorme diversidade de artistas, cujas obras variam muito: A outra dificuldade é o sistema operativo dos avaliadores - a informação enganadora que lhes vem à mente quando levados a fazer escolhas. Baseiam-se num número limitado de premissas [regras] que ás vezes produzem avaliações razoáveis, e outras vezes, levam a erros graves, previsíveis e sistemáticos. Parecem ancorados na natureza humana [o efeito âncora]. Ao contrário do nosso talento para inventar explicações ou interpretações, a nossa capacidade para julgar a sua probabilidade, ou para os avaliar de forma crítica, é muito desadequada. 

É, contudo, provável que muito rapidamente um certo número de artistas, curadores, e a opinião pública venha a dar crédito ao Estado pela Coleção de arte contemporânea. Limitam-se a presumir que os membros da Comissão para Aquisição de Arte Contemporânea e o curador da Coleção de Arte Contemporânea nomeados pelo Estado, têm a capacidade de avaliar correctamente as escolhas de artistas alguns altamente incertos. (Rapidamente encontram uma explicação, ou uma interpretação dos factos que os torna compreensíveis, coerentes ou naturais. Assim que adoptemos uma determinada hipótese ou interpretação, exageramos imenso as probabilidades dessa hipótese e torna-se muito difícil vermos as coisas de outra forma.)

Há muitas provas de que, quando uma determinada situação foi vista ou interpretada de certa forma, é bastante difícil vê-la de outra maneira. Todo o universo da arte se organizará para confirmar a sabedoria das decisões da comissão e do curador nomeados pelo Estado. Claro que somos afectados pela forma como as decisões são apresentadas! A colecção do Estado irá circular pelo país para que seja valorizada, usufruída e reconhecida como uma "colecção com base em evidências". Perspectiva que orientará no futuro o pensamento das pessoas, artistas, curadores, colecionadores privados, etc. — "Não há visão mais falsa". A produção desse cenário atraente é um disparate pegado, a um ponto chocante. O risco que a interpretação da colecção pode estar gravemente errada não está a ser devidamente avaliado, gerando a falsa sensação na mente dos artistas e da sociedade de que tudo está bem. (Olhem, aqui está outro truque estranho que a mente prega a si própria. A perspectiva é só outro fenómeno.)

 

O conhecimento dos erros sistemáticos na capacidade de julgamento das pessoas não pode ser ignorado. Tem de ser levado para o universo da arte.

 

Eu estive a ver as primeiras compras do Estado com o novo fundo para a arte contemporânea, e não consigo ver artistas de cores diferentes nas escolhas. É aqui que entra um especialista por natureza em colecionar arte contemporânea, que sabe quais são os problemas; sabe situar-se num campo alargado; tem um gosto impecável. O trabalho dele na colecção de Estado será, em parte, verificar o raciocínio dos peritos da comissão e do curador da Coleção de Arte Contemporânea do Estado em busca de erros mentais.

Acontece uma coisa engraçada quando se obriga as pessoas a atravessar fronteiras raciais nas suas mentes: deixam de ver analogias. As suas mentes resistem a dar o salto. Deixa de se ver semelhanças. Ou seja, se o artista for afro-português, o avaliador de talento chega a uma opinião sobre o artista e depois vai à procura de provas que sustentem/ racionalizem essa opinião. Tende a compará-lo com outros (é um clássico, e acontece sistematicamente) que o façam recordar razões para gostar dele. O mero facto de um artista não se assemelhar fisicamente a outros que conhecemos afasta-o de ser selecionado. (Uma pessoa tende a preservar os preconceitos que traz consigo para o processo de selecionar artistas, sejam eles quais forem, mesmo que esses preconceitos já tenham dado maus resultados, porque estamos sempre à espera de os confirmar). O problema é ampliado pela tendência dos peritos irem à procura de razões para gostar do artista. Favorecem artistas que conhecem - obviamente, um halo de mérito geral influência a avaliação [o efeito de halo] -, perante situações de incerteza. Motivo exacto pelo qual devemos desconfiar dos resultados das impressões dos peritos que consideram que as suas avaliações e escolhas de obras de arte têm grande valor. O julgamento dos peritos levanta uma questão mais geral: O essencial é que o perito mantenha para si próprio as suas opiniões. A pergunta a fazer não é "Que penso eu dele?" é "Que fez ele?", para que a importância das qualidades da obra influencie a avaliação. 

As avaliações melhoram se o perito for um pensador visual na capacidade de ir buscar coisas do passado e do conhecimento mais do q pensar pela linguagem (as palavras são lineares, parecem ser governadas por regras. Estas regras limitam o pensamento das pessoas; o defeito [erro de avaliação do futuro], muitas vezes, está nas palavras; as imagens estão configuradas de forma sensorial (como a música).

É preciso perceber, entre outras coisas, o papel da memória na avaliação dos peritos da comissão de compras. A tendência para o preconceito é muito insidiosa, porque nem nos apercebemos de que ele está a acontecer (está dentro das nossas próprias cabeças). Se calhar, os peritos reconhecidos da primeira comissão de compras não sabiam tanto como toda a gente julgava que eles sabiam. As decisões tomadas poderiam ser 'significativamente melhoradas quando os peritos tomassem consciência dos seus próprios preconceitos, e através do desenvolvimento de métodos para reduzir e contrariar as fontes de preconceito de avaliação'. Aqui é que está a raiz de todas as irracionalidades e de todos os erros: vêm da mecânica interna da mente humana.

A missão assistencialista que motivou a aquisição de arte pelo Estado pertence a uma política que está sujeita a preconceitos, um jogo de sorte para os artistas, uma regressão linear em arte contemporânea, um conto de fadas para encantar provincianos [ignorantes]. O Estado não pode construir uma colecção de arte com o dinheiro dos contribuintes, a menos que aprenda a produzir resultados num quadro geral, apenas se tiver a certeza absoluta de estar correcta. Existe um motivo para isto: se as pessoas podem enganar-se sistematicamente, não se pode ignorar os seus erros. O que me fica na mente, surge como uma verdade simples — se as pessoas podem estar sistematicamente erradas, as escolhas também podem estar sistematicamente erradas. Sobretudo porque também eu estou a ser iludido pela perspectiva da coleção de arte contemporânea do Estado. Errar não é necessariamente vergonhoso; é apenas humano.

 

Não me parece bem que o Estado tenha a pretensão absoluta de construir uma colecção de arte fundada para assistir um conjunto de artistas com base nas escolhas quase aleatórias de peritos que não são verificados por um especialista em coleccionar.  

 

Não vivemos hoje, em termos de profissionalização da arte e da construção de uma colecção, ao mesmo nível de há 40 anos, em que uma pessoa podia ter a esperança de poder conhecer e dizer exatamente o nome da totalidade dos artistas (Em 1980 tinha maneira de tomar conta não só de todos os artistas, como também de todos os sítios onde havia artistas a trabalhar.) O mundo mudou, construir uma colecção de arte é adaptarmo-nos a ele, a uma transformação radical. Coleccionar é difícil, não é uma experiência à moda antiga. É uma atividade que tem de ser ensinada, têm de ser fornecidos instrumentos que levem à formação de peritos ensinados a coleccionar. Na base da transformação do processo de decisões na arte contemporânea - e não só - estão ideias sobre a mente humana, sobre como esta funciona perante situações de incerteza. Esta ideia está no ar que respiramos, a investigação científica tem de penetrar obrigatoriamente na decisão do ministério da cultura construir uma colecção de arte, tem de haver uma nova consciência do tipo de erros sistemáticos que os peritos podem cometer se as suas escolhas não forem reguladas. 

Ou é uma coisa enganosa e aí tem legitimidade: políticas que passam por culturais, pessoas que passam como sendo peritos infalíveis e aí tem justificação. Isto tem que ver com a ventura portuguesa, que vem dos tempos imemoriais; fundamentalmente como as pessoas não têm conhecimento efectivo, não sabemos a diferença entre saber e não saber. (E se houver um monte de peritos da comissão e o curador da colecção a dizer coisas erradas?) Ao coleccionar arte contemporânea, o coleccionador privado faz, com frequência, coisas / escolhas que iria censurar se estivesse a criar uma colecção pública do Estado. Em específico, a tendência para observar os artistas desde a perspectiva particular também existe na mente dos elementos da comissão. Até o perito com mais sangue frio, viola as regras da discrepância entre as perspectivas particular e agregada. — A maioria dos elementos da comissão tenta manter uma aparência de racionalidade e lógica, e é uma grande mentira. É uma mentira parcial. A Teoria da tomada de decisões, de Amos Tversky e Daniel Kahneman, explica que as pessoas que tomam decisões de risco são particularmente sensíveis à mudança. Reagem às probabilidades não só com a razão, mas também com emoção. Procuram minimizar os remorsos quando formam algum julgamento. A sua estratégia é imaginar do que é que se virá a arrepender depois de escolher alguma opção, e escolher aquela que lhe trouxer o mínimo de arrependimento. Esta tendência não tem um interesse meramente académico. Tem um equivalente na vida real de "uma coisa garantida": o "statu quo". É um estado mental. (É um estado psicológico.)

E se não é possível observar o que vai na mente dos peritos, comunicar-lhes alguns dos perigos encontrados pelo colecionador de arte quando raciocina, como se pode evitar ter a sensação de que as decisões, para eles, não são apenas prolongar o status quo, o seu estado mental? As pessoas que fazem escolhas, sobretudo escolhas entre artistas, fazem-nas em termos de escolher aquilo que mais querem manter; o que mais importa não são as qualidades absolutas, mas as mudanças; não estão a pensar nas qualidades absolutas dos artistas em geral. (Têm "aversão à mudança"? Ou talvez eu esteja só a semear dúvidas nas mentes das pessoas que julgam saber o que é colecionar arte. Ou limito-me a demonstrar o que devia talvez ser óbvio?)

 

Compreendemos a mecânica do mundo no seu devir, não no seu ser: já o referi anteriormente em Fragmentos do Paraíso.

 

O valor da arte é incrível, é uma quantidade imensa de beleza. A governalização da arte é uma maneira poderosa de controlar corações e mentes. Em 1995 com Carrilho tivemos um simulacro da política de Jack Lang (Lang já teria imitado Napoleão que ficou famoso por usar a arte como comunicação para demonstrar o seu poder), com um modelo de forte intervenção do Estado na cultura, onde Carrilho sem ideias e imaginação mimetizava Jack Lang: agora, estamos ainda mais abaixo, porque pretendemos mimetizar o bufão Carrilho [que já estava no grau zero dentro da cadeia da cultura contemporânea, da imaginação e do conhecimento]. É como se nunca tivéssemos saído do modernismo: continuamos a ver as coisas da mesma forma. 

Importa recordar ao leitor que [em França], a experiência assistencialista de Jack Lang entrou em decadência nos anos noventa. Revelou-se uma ideia conservadora, que obstruiu a evolução da arte contemporânea no quadro geral, artistas, museus e galerias comerciais, por mais de duas décadas (o conservadorismo é uma das formas de ignorância). Numa altura de grande questionamento artístico, em que se sente a falta de propósito e motivação, é este caminho inútil o melhor que o ministério da cultura é capaz de oferecer aos artistas, para se defender da falta de ideias e saber contemporâneo! 

Para terminar, o Estado, deve preocupar-se em investir muito e substantivo na autonomia da arte contemporânea, cuidar dos Museus, para que tenham orçamentos e perspectivas internacionais, para poderem ensinar às crianças (e aos adultos) como pensarem, como detectarem onde a arte os pode levar. (Talvez um dia, quando estas crianças crescessem, fossem capaz de ter pensamento crítico para questionarem as razões para o país não se transformar.) Ter uma interação generosa e, uma relação aberta, e de respeito com os projectos privados. É esse o segredo para concentrar recursos para a criação colectiva e todos serem incluídos no desenvolvimento "do universo da arte" e, para servir as múltiplas necessidades sociais, comunitárias e de sobrevivência dos artistas. O ministério da cultura deveria de olhar para a arte através de lentes éticas e contemporâneas combinadas, não construir uma coleção de arte contemporânea por princípios modernistas.

 

 


victor pinto da fonseca
Director da Artecapital - Magazine online de Arte e Cultura e da Associação Plataforma Revólver - Para a Arte Contemporânea.

 

 

 

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Bibliografia


Teogonia, Hesíodo, Biblioteca de Autores Classicos, INCM (2ª Edição, novembro 2014)
Pensar, Depressa e Devagar, Daniel Kahneman, Editora Temas e Debates (2012)
Projecto Refazer, Michael Lewis, Editora Lua de Papel (Setembro 2017)
Fragmentos do Paraíso, Artecapital, 10 Junho 2020.