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BIO-MUSEU: UMA CONDIÇÃO, NO MÍNIMO, TRIPLOMÓRFICA

COLECTIVO*

2006-06-14
NEM TUDO SÃO ROSEIRAS

LÍGIA AFONSO

2006-05-17
VICTOR PALLA (1922 - 2006)

JOÃO SILVÉRIO

2006-04-12
VIENA, 22 a 26 de Março de 2006


PATRIMÓNIO CULTURAL E OS MUSEUS: VISÃO ESTRATÉGICA | PARTE 2: O PRESENTE/FUTURO



LUÍS RAPOSO

2015-07-02




 

Em face do conspecto histórico realizado anteriormente, importa passar a perspectivar o futuro, conforme o propósito inicial deste texto.

Admitindo que o argumentário mais tradicional, centrado na defesa de valores de memória e afirmação cidadã, possa ser pouco impressivo no Mundo em que vivemos, dominado por “interesses de mercado”, comecemos por assinalar três características singulares dos sectores do património cultural e dos museus, especialmente em tempos de crise e no contexto específico português, sendo eles:

A capacidade de gerar economia saudável. Como tem sido observado por diversos economistas, em tempos de crise há que ser particularmente selectivo no plano do investimento público, o qual deve ser prioritariamente dirigido para obras que constituam terreno de grande consenso nacional, com expectativa de perenidade, geradoras de emprego, sobretudo a nível local e das PMEs, insusceptíveis de serem supridas pelo estrangeiro e sem possibilidade de transposição ou alienação. Todas estas características encontram-se em abundância nestes sectores. É muito significativo, por exemplo, o impacte no plano do emprego e da dinamização de economias locais de pequenas obras de restauro e monumentos e sítios; e trata-se de investimentos “que ficam”, que se constituirão em mais-valias para o futuro.

O potencial de crescimento. É enorme o potencial de crescimento destes sectores, como se evidencia tanto pelos números passados (cf. em anexo os gráficos de evolução dos visitantes em museus e monumentos, no todo nacional e apenas no universo da DGPC, que revelam um aumento sustentado, apenas ligeiramente interrompido durante os anos mais dramáticos da crise por que ainda passamos), como pelos números relativos a visita a museus no conjunto da Europa (cf. gráfico em anexo, onde se documenta que a posição portuguesa, não sendo má, possui ainda grande margem de crescimento relativo).

A relevância para a actividade turística. O turismo tem sido uma das principais âncoras geradoras de economia (e de divisas em especial) nos últimos anos. Os monumentos e museus surgem como uma das principais motivações para a visita ao nosso País. Contrariamente ao que insidiosamente nos tem sido inculcado, é muito mais o que o património cultural “dá” ao turismo do que o inverso. Em Londres os cálculos estão feitos e possuem já a consistência de mais de uma década de observação da realidade. Os gastos resultantes do chamado “mercado do património” geram um rendimento económico de enorme dimensão. De tal forma que mesmo os Conservadores concluíram que constitui um bom negócio manter gratuito o acesso aos espaços permanentes dos principais museus públicos nacionais, pelo retorno assim obtido. Em termos simples, concluíram que por cada libra perdida em bilhetes, ganham-se 3,5 em actividade económica acrescida na cidade de Londres. Em Portugal não existem estudos semelhantes. Mas imaginemos por um instante o que seria a visita a Lisboa por parte de turistas, senão tivessem a Torre Belém, o Mosteiro dos Jerónimos, o Castelo de S. Jorge ou o Convento do Carmo… E que recebem os monumentos e museus em troca do seu contributo para a mais rentável actividade económica portuguesa e a que mais divisas origina? Nada, simplesmente nada.

Acrescem, nunca é demais assinalá-lo, aos aspectos puramente económicos, as dimensões identitárias e simbólicas que devem constituir a verdadeira motivação de qualquer política pública de património cultural e museus.

Tendo em conta, conjugadamente, os elementos apresentados anteriormente, poderiam resumir telegraficamente como segue os fundamentos do que deveriam ser as orientações para o futuro. Seguirei para o efeito a mesma lógica discursiva usada antes em relação ao balanço do passado.

 

Assim:

 

1. Política patrimonial e sociedade civil.

Neste apartado impor-se-ia, em meu entender:

-Regressar audaciosamente aos valores democráticos de participação cidadã na definição das políticas patrimoniais; neste sentido, seria especialmente importante incentivar a participação activa do movimento associativo, das universidades, das igrejas e outras entidades de acção social e sem fins lucrativos; também o sector empresarial que começa já a existir nestas áreas, deveria ser convocado para uma reflexão conjunta sobre as grandes linhas de política do Estado;

-No sentido indicado, refundar o Conselho Nacional de Cultura ou criar um Conselho Nacional do Património Cultural (sublinhe-se que já na Lei Quadro dos Museus Portugueses encontra-se prevista a constituição de um Conselho de Museus, aliás de composição exemplar, que no entanto nunca funcionou).

 

2. Organização do aparelho de Estado.

Afiguram-se aqui poderem existir pelo menos dois modelos alternativos, ou talvez três se considerarmos uma solução hibrida, que junte aspectos dos dois principais. Vejamo-los:


1º modelo

(mais adequado a uma visão da Cultura enquanto força social agregadora e transformadora e do Património Cultural e Museus, enquanto activos de memória com capacidades de emancipação cidadã):

-Reforço da área da Cultura (recriação do Ministério da Cultura);

-“Acordo de regime” (parlamentar) para aumento do orçamento da Cultura até pelo menos 1% do PIB no máximo de três legislaturas (uma década ou pouco mais);

-Estabelecimentos de protocolos com a Economia/Turismo no caso dos Museus e Monumentos Nacionais (não confundir com todos os monumentos e museus sob tutela do Estado ou sequer da área da Cultura), incluindo a celebração de programas de financiamento plurianuais, porventura indexados a parâmetros de desempenho nos domínios do turismo (nacional e estrangeiro);

-Idem, com o Ministério da Educação, mediante parâmetros educativos, seja de visita por grupos escolares, seja de formação de públicos nacionais;

-Idem, com o Território e Ambiente no caso da monitorização do património cultural não classificado;

-Idem, com as CCDRs e/ou associações de municípios e/ou municípios individualmente, para apoio ou transferência das competências de gestão de museus e monumentos não nacionais (esta seria a via mais indicada para a aproximação do Estado aos cidadãos, e o maior envolvimento destes em políticas patrimoniais, e não a manutenção, muito menos o reforço, das actuais DRCs, como ainda se referirá);

-Neste quadro, extinção da DGPC, com a criação de um Instituto dos Museus e Monumentos Nacionais, dotado de autonomia financeira e com ampla descentralização administrativa (museus e monumentos tutelados, pelo menos os mais relevantes, de estatuto nacional, com capacidades de gestão autónoma: planeamento estratégico plurianual, competência para o estabelecimento de parcerias e protocolos, capacidade de arrecadação e gestão de receitas próprias, dentro de limites a definir, orçamento próprio, gestão e contratação de pessoal dentro de condições a definir); as funções de reflexão estratégica e definição de normativos, monitorização e fiscalização em relação a todo o restante património (Arqueologia, Património Construído, Património Imaterial) manter-se-iam neste Instituto, em Direcções de Serviço centrais, ou poderiam ser partilhadas com as áreas do Ambiente/Território e/ou das CCDRs;

-E ainda: extinção das DRCs, substituídas por “núcleos” ou “brigadas” de intervenção rápida, fazendo uso dos recursos logísticos existentes na rede de museus e monumentos nacionais, com reforço operacional destes, instituindo-os em “centros de recursos” (inventário, conservação e restauro, etc.) ao serviço da sua respectiva região/especialidade. A questão das DRCs merece especial referência porque por certo poderá parecer a menos compreensível, no quadro de uma desejável política de aproximação dos serviços do Estado aos cidadãos. Assim seria se (a) houvesse uma efectiva regionalização e controlo democrático local/regional desses serviços – o que não é de modo nenhum o caso, já que os mesmos não passam de extensões da máquina administrativa central, constituindo dela somente extensões de conveniência política e até, não raro, meramente partidária. Depois (b), se tais serviços tivessem efectivamente uma amplitude de funções que os justificassem – o que também não é o caso, porque basicamente se ocupam apenas do património cultural, sendo residuais em tudo o resto (baste recordar, citando relatório do GEPAC de Janeiro de 2014, sobre “Apoios atribuídos pelos serviços da Cultura no triénio 2010-2012”, que as DRC em conjunto “concederam apoios no montante de €629.478, €645.153 e €315.089, em 2010, 2011 e 2012, respetivamente” e “o peso destes apoios no total de financiamentos atribuídos pelos serviços da Cultura não foi além de 0,9% em 2010, de 1,0% em 2011, e de 0,6% em 2012”). Daqui resulta que o Pais possui no presente não uma, mas cinco direções-gerais do património cultural (a DGPC propriamente dita e as quatro DRCs, cujos dirigentes vencem como directores-gerais e despacham directamente com o membro do Governo); esta situação dá lugar, com frequência, a tensões internas, é despesistas, injustificada do ponto de vista orgânico e sobretudo inconveniente do ponto de vista cívico;

-Transferência para as CCDRs e autarquias da gestão de museus e monumentos não nacionais.


2º Modelo

(menos interessante do que o anterior do ponto de vista da coordenação geral de políticas patrimoniais dentro da área da Cultura; tecnicamente aceitável, porém):

-Manutenção na área da Cultura somente dos Museus e Monumentos Nacionais, com a celebração de programas de financiamento com a Economia/Turismo;

-Transferência para o Território/Ambiente de todas as restantes competências de reflexão estratégica e definição de normativos, monitorização e fiscalização em relação a todo o restante património (Arqueologia, Património Construído, Património Imaterial); e para as CCDRs/municípios da gestão de bens/equipamentos concretos.


3º modelo

(o menos interessante de todos do ponto de vista dos princípios políticos, quer dizer, da Cultura enquanto força de contratualização e transformação social, mas o mais apetecível do ponto de vista dos interesses imediatos de alguns agentes do património cultural, por poder conduzir à rápida inserção em áreas de grandes recursos financeiros):

-Retirada do património cultural e museus da área da Cultura e seu reenquadramento na orgânica do Governo:

-Economia/Turismo: gestão de Museus e Monumentos Nacionais (de tutela directa governamental); explorar aqui a constituição de “centros de recursos” (inventário, conservação e restauro, etc.) aproveitando a rede de museus nacionais;

-Território/Ambiente: reflexão estratégica e definição de normativos, monitorização e fiscalização em relação a todo o restante património (Arqueologia, Património Construído, Património Imaterial) explorar aqui a interconexão com as CCDRs;

-Transferência da gestão de museus e monumentos não nacionais para as CCDRs, associações de municípios ou municípios isolados


Eis, pois, uma estratégia de futuro. Discutível, por certo. Errada em alguns ou até muitos aspectos, talvez. Mas ainda assim uma verdadeira estratégia e não apenas adaptações circunstanciais, ao estilo do “mudar alguma coisa, para que tudo fique na mesma”.

 

 

 

Luís Raposo
Vice-Presidente da Associação dos Arqueólogos Portugueses.