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ÁLVARO SIZA : VISÕES DA ALHAMBRA
CONSTANÇA BABO
Atualmente torna-se cada vez mais importante relembrar a necessidade da comunicação e da relação entre culturas, etnias, religiões, géneros, que, em conjunto, compõem um mundo mais global, dinâmico e evoluído. Contudo, esta realidade tem sido frequentemente questionada e problematizada por vozes ainda conservadoras e opressivas. Em resposta, devemos procurar contribuir para a diversidade cultural e social, intuito para o qual a arte se revela um motor de grande força, com a capacidade de funcionar como mediadora de culturas.
Alhambra, testemunho da última grande civilização Islâmica na Península Ibérica e declarada Património da Humanidade pela Unesco, celebra o cruzamento de pessoas, viajantes e novos habitantes, acima de tudo, indivíduos plurais e cosmopolitas de distintas origens. Por conseguinte, torna-se um local particularmente importante que deverá, por um lado, ser conservado e preservado com a sua histórica beleza, e, por outro, evoluir de acordo com a época e sociedade atuais.
Situada no município de Granada, a cidade encontra-se rodeada por uma paisagem com um caráter e encanto muito próprios. Álvaro Siza destaca a delicadeza da Alhambra árabe, das suas formas orientais, geométricas, desenhadas ao pormenor, das cores que irrompem dos azulejos, características de um estilo cuidado e elaborado através da junção de materiais e uma multiplicidade de elementos. Deste modo, no caso de qualquer alteração às edificações, essas particularidades que compõem a cidade devem ser tidas em consideração, nelas se incluindo uma estrutura de equivalente magnitude que se instala na área, o Palácio de Carlos V. Representativo da religião católica, o edifício cria uma disparidade com o meio envolvente, diretamente ligado ao islamismo. O contraste é atenuado pela natureza da construção, assinada pelo arquiteto Pedro Machuca, escolhido pelo imperador Carlos V. Sendo o palácio renascentista e de influências maneiristas, manifesta-se com uma geometria e escala que se distinguem acentuadamente das restantes e tradicionais da zona.
Ora, precisamente para não acrescentar mais uma divergência estética e formal a Alhambra, Siza determinou como objetivo desenhar algo que se enquadrasse com o já existente. Juan Domingo Santos, arquiteto espanhol com quem partilhou a autoria do projeto que, hoje, nos é apresentado, garante com veemência que o trabalho de ambos foi elaborado com "sensibilidade e extrema preocupação em se adequar à paisagem". Com tal perspetiva e, também, evitando assumir-se da mesma forma que o palácio, como um elemento de força e poder, os arquitetos avançaram na proposta para o novo Átrio de Alhambra, mediante o Concurso Internacional de Ideias. Mesmo tendo vencido, Siza conta que, posteriormente e antes de avançarem para o processo de construção, foi-lhes dito que o "projeto não está de acordo com o sítio para o qual foi destinado". Ambos os autores desconfiam que o motivo do retrocesso na decisão teve raízes num conflito político, confessando o seu lamento perante a impossibilidade de realização da obra. Mais recentemente, o caso alterou-se e foi-lhes feito o convite para reestudarem a proposta feita.
Agora, em Serralves, é-nos apresentado o que estes dois arquitetos conceberam, revelado ainda enquanto objeto de possível concretização. Suzanne Cotter refere que se abre a rara possibilidade de descobrir um projeto quando este apenas existe enquanto conceito, em fase de expectativa de realização. Estabelece-se, assim, uma oportunidade única de conhecer uma obra em pleno processo de crescimento, ainda genuína, inalterada, verdadeiramente exposta como foi imaginada e elaborada por estes dois conceituados criadores. Simultaneamente, é-nos permitido conhecer a metodologia do trabalho de Álvaro Siza, através de esboços, estudos, fotografias, maquetes e vídeos em que o próprio revela outras particularidades desta viagem, que confessa ser um dos maiores desafios da sua carreira.
Assim, celebrando não só este projeto mas também a restante criação e trabalho do arquiteto, é verdadeiramente acertado apresentá-lo em Serralves, dando continuidade ao programa que a instituição dedica à obra de Siza e a toda a arquitetura contemporânea. Daí se destaca a exposição que esteve patente de junho a setembro de 2016, no mesmo espaço, na biblioteca do museu, Matéria-Prima: um olhar sobre o arquivo de Álvaro Siza [1]. Agora, a nova exposição introduz um projeto que não pertence ao arquivo da instituição, mas que se mostra particularmente importante e pertinente mostrar ao público.
Descoberto por Kristin Feiriss, júri do prémio Pritzker, em visita ao atelier de Siza, as Visões da Alhambra já foram expostas no Aedes Architecture Forum de Berlim, no Vitra Design Museum de Weil am Rhein, no Palácio de Carlos V em Granada, no National Museum of Art, Architecture and Design da Noruega, em Oslo e ainda no Aga Khan Museum de Toronto. Hoje, este recente trabalho é exposto nas salas desenhadas pelo arquiteto português, pois, como Suzanne Cotter referiu, "é importante trazer o projeto de volta a casa [de Álvaro Siza], ao Porto".
Também de um significado pessoal e emotivo foi a aproximação de Álvaro Siza a Alhambra. O arquiteto relembra as suas várias visitas à cidade, em família, num primeiro momento na década de 1940 e, depois, em 1984. Paralelamente, esta região de Granada é considerada marcante para vários criadores das mais variadas práticas artísticas. Desde Henri Matisse, M.C. Escher, Frank Lloyd Wright ou Louis Barragán, entre outros, são múltiplas as mãos de artistas que se deixam afectar, mover e, seguidamente, agir e criar, perante tal união entre o médio Oriente e o Ocidente. Para Siza, é sessenta anos após as suas primeiras incursões à área que desenvolveu a sua proposta de uma "Porta Nova" para os 8500 turistas diários que lá transitam. Esta detém uma significação atual, respondendo e contribuindo para a continuidade de entradas na cidade e, através daí, para a valorização e a celebração da heterogeneidade social.
Deste modo, o projeto contém um importante significado, representando uma porta para a interação das culturas islâmica e cristã, algo particularmente importante nos dias de hoje. Para a sua defesa e apresentação, aos autores da obra juntaram-se, Kristin Feiriss, o engenheiro Jorge Nunes da Silva e o comissário da exposição, também ele arquiteto, António Choupina. Juntos conversaram abertamente, no auditório de Serralves, após uma primeira inauguração da exposição. No dia seguinte, dia 8, deu-se a oficial abertura ao público e assim permanecerá até dia 28 de Maio deste ano de 2017.
Constança Babo
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Notas
[1] mais informações: http://www.artecapital.net/arq_des-131-materia-prima-um-olhar-sobre-o-arquivo-de-alvaro-siza