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IN SUSTENTÁVEL ( I )
NADIR BONACCORSO
Escrever sobre arquitectura, pela vasta temática que abraça e pela problemática que hoje abrange, é acima de tudo e para mim um desafio, já que me obriga a estruturar os princípios que regem o trabalho que desenvolvemos, reflectir sobre a profissão em geral e explicitar publicamente as emoções/preocupações que esta me provoca. Não temos dúvida que a arquitectura está a passar por uma fase em que de forma geral é considerada alternadamente ou como algo supérfluo ou como algo luxuoso e altamente ”vendável” do ponto de vista comercial. Raramente porém, vemos a arquitectura como uma bandeira de qualidade de vida, de construção, ou como uma ferramenta de integração e desenvolvimento social das populações e das cidades.
Vivemos e trabalhamos hoje de forma às vezes autista tentando perseguir objectivos, navegando nas marés de interesses diversos, procurando conseguir responder às solicitações com um misto de objectividade temperada e idealismo moderado, perdendo a oportunidade de expressar a nossa capacidade intrínseca; de questionar mais profundamente os temas que nos são propostos com responsabilidade e consciência ecológica.
A arquitectura está doente
Temos a tendência de perder a noção de que a nossa formação permitiu no passado sermos os grandes interlocutores entre um sistema político económico estabelecido e o habitat humano. Mas hoje somos involuntariamente reféns das leis de um mercado pouco exigente que também ajudamos a criar numa sequência de causa efeito.
Os instrumentos e as respostas que sempre caracterizaram a arquitectura estão hoje empobrecidos. Os projectos para as nossas cidades flutuam entre um processo impessoal irresponsável e claramente especulativo, e a obra de arte, marca individual de autor, ou é oito ou oitenta.
Temos hoje informação e cultura suficientes para tentarmos pegar nas rédeas do nosso destino, mas continuamos pequenos. Fala-se, festeja-se, publica-se a arquitectura, embora na sua essência tenha perdido grande parte do seu significado e importância social.
Até ao nível do ensino continuamos a privilegiar abordagens individuais (seguindo os procedimentos de criação de autores) às desejáveis reflexões pluridisciplinares. Os resultados não podem ser de certeza diferentes das realidades que conhecemos: as nossas cidades estão a deixar de ser um espaço para viver e trabalhar (com qualidade) para serem transformadas em “grandes estacionamentos”. As crianças já não jogam na rua. O viver com qualidade está hoje associado com a moradia ou com o apartamento em condomínios fechados. As cidades estão sub-habitadas, ao contrário das periferias que com os seus nefastos efeitos, continuam com o seu crescimento obsessivo, fruto também de um sistema de financiamento local perverso do ponto de vista do ordenamento e equilíbrio do território.
Como um corpo doente, a cidade não consegue funcionar e cumprir o seu papel de espaço humano “ad hoc”....”O homem habitua-se realmente a tudo...”
Noutra escala, temos consciência de que a construção (seja ela onde for) não tem qualidade e que, ao contrário do “vox populi” não depende sobretudo de quem constrói mas mais de quem promove e quem projecta. A consequência, para além das óbvias constantes manutenções ao precoce avelhar da edificação, resulta num processo anti-económico. O efeito no meio ambiente é conhecido, 25 a 30% dos gases que produzem os efeitos de estufa provêm da falta de um adequado isolamento das casas, sendo que, os gases provenientes dum sistema de ar condicionado ficarão retidos na atmosfera terrestre durante 50 mil anos. Os efeitos a médio prazo (hoje!) são incomportáveis.
A arquitectura, ao renovar-se, deveria ter um papel preponderante no desenvolvimento de uma cultura mais rigorosa que, educando, valorizasse o processo construtivo como a tradução de um projecto (para o comum dos mortais a arquitectura é o desenho, e a edificação é o papel do mestre de obras, figura que já desapareceu há décadas).
Somos sem dúvida co-responsáveis pela actual situação, no entanto, temos instrumentos para enfrentar estas problemáticas num mercado sempre mais receptivo para as acolher. Não fizemos nenhum juramento de Hipócrates mas temos responsabilidades superiores que teremos de acarretar.
E se olharmos sem romantismo, com o pragmatismo de um empreendedor (papel necessário hoje num atelier de arquitectura), perceberemos que o tema da sustentabilidade, a todos os níveis, não só deveria fazer parte do nosso trabalho, como é nosso dever, e mais, alargar-nos-ia possibilidades de mercado aumentando o grau de exigência.
A arte de edificar sempre significou reconhecer a situação topográfica/territorial, e procurar as correctas orientações numa base realmente técnico/científica, utilizando tais conhecimentos para organizar e plasmar o espaço, num sentido de conforto e poupança, mas também num sentido ecológico.
Temos instrumentos tecnológicos ao nosso dispor... temos o conhecimento... o tempo, esse corre inexoravelmente. O que é que nos falta?
Não posso deixar de pensar num antigo ditado popular dos índios da América “não herdámos esta terra dos nossos avós, pedimo-la emprestada aos nossos filhos”
Mãos à obra!!!
Nadir Bonaccorso , arquitecto