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ARQUITETURA E DESIGN




Superstudio em 1972.


Zeno Fiaschi


Arte de materiais, Projecto Zeno.


Desenhos de Alessandro Poli sobre a propriedade de Zeno Fiaschi para a investigação sobre uma cultura auto-suficiente.


Alessandro Poli, Projecto Zeno sobre uma cultura auto-suficiente, peças para serem reutilizadas, 1979 - 80. © Arquivo Alessandro Poli. Fotografia: Antonio Quattrone.


Extra-Urban Material Culture, Catálogo de instrumentos representados por Michele De Lucchi: Forquilhas, 1973-78.


La moglie di Lot, Galeria Pinksummer, Genova, 2014.

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A INCONSCIÊNCIA DE ZENO. MÁQUINAS DE SUBJECTIVIDADE NO SUPERSTUDIO*

ANTÓNIO COXITO


 


Nos anos 60/70 do século passado foram lançadas sementes de contra-cultura que até hoje não deram o fruto projectado. A desilusão do Modernismo, do funcionalismo e das leituras estruturalistas da sociedade e da ciência implicaram na altura aquele movimento antagónico, o que é cíclico e amnésico ao longo da História.
Na altura advogava-se o fim do consumismo capitalista e defendia-se o regresso à natureza. Não só pouco disso foi conseguido como foi assimilado pela publicidade, convertendo a autenticidade num elemento de marketing e os seus então proclamadores são hoje CEOs de empresas multinacionais. Esta contradição configura uma parte daquilo que se tornou a condição contemporânea.
Se bem que a cultura tenha sido alterada (sexualidade, drogas, formas familiares, ecologia), as políticas mantiveram-se iguais. Se bem que hoje já não exista esquerda e direita política como antes, continua a haver em cima e em baixo como sempre.
Nada de substancial foi alterado ao nível dos partidos políticos, do parlamentarismo, da separação de poderes, das forças da ordem, da propriedade privada ou da democracia capitalista. A democracia capitalista tende assim a tornar-se, como previa Fukoyama, no fim da História.
A visão deste aftermath tem justificado hoje a oportunidade de temas dessa época e de sempre.

 

No Design, uma das reacções manifestou-se no retorno à manualidade contra a mecanização, ao utilizador-construtor, à matéria-prima em lugar daquela já sintetizada e à pesquisa antropológica sobre o significado de necessidade.
Particularmente em Itália, surgiram reflexões e experimentações sobre o tema.
O caso da Extra-Urban Material Culture é paradigmático daquilo que se refere. Este termo surgiu no processo desenvolvido pelos elementos do colectivo radical Superstudio como âmbito da matéria que leccionaram na Faculdade de Arquitectura de Florença até 1978.
No final dos anos 60 Alessandro Poli, membro do Superstudio entre 1970 e 1972, conhece Zeno Fiaschi, um agricultor Toscano que produz o seu mundo com as suas mãos. É iniciado um trabalho de mapeamento das relações que Zeno tece com o outro através dos seus instrumentos. A convite de Adolfo Natalini, elemento fundador do Superstudio, Poli integra o seu projecto pedagógico na cadeira de Plastica ornamentale. Chamam a esses instrumentos os Global Tools, aqueles cuja ideologia da forma é a utilidade.
Os Global Tools estiveram na base de cursos e workshops em 1973 e 1974 com títulos como The Motivation of Architecture, The Galaxy of Objects ou Simple Objects of Use. Novas perspectivas para novas epistemologias.
Na investigação sobre Zeno, Poli procurara "a destruição técnica do objecto" de modo a encontrar as raízes do seu sentido. Defendia que na análise de culturas marginais se descobrem mecanismos de sobrevivência que, ao responderem a padrões diferentes de desenvolvimento, com as mesmas raízes da ciência deduzem uma outra ciência. "Para o Superstudio, Zeno representava a possibilidade de viver em autonomia." [1]
Neste processo, a abordagem dos Global Tools como formas primordiais da Arquitectura e do Design tornou-se numa investigação antropológica, cujo objectivo passou a ser a redefinição da disciplina da Arquitectura e do Design.
Contra o sistema produtivo que nos torna simples utilizadores (ou simples designers), consideraram a existência do designer-utilizador. No caso de Zeno, os objectos encontravam-se em constante reparação. A relação da manutenção de um objecto funciona assim como uma mediação entre nós e o mundo. "Os objectos transformam-se em catalistas mentais para processos de auto-análise que constituem uma terapia libertadora" [2]. Também não nos podemos esquecer do contexto da época, no qual libertadora tem de ser entendido como a mais elevada das qualidades, sendo os arquitectos italianos altamente politizados.

 

No entanto, sobre a documentação reunida, os Superstudio escrevem que "the sequences of photographs, images and objects document [Zeno’s] relationship with the world, and at the same time they are our attempt to rebuild a sense of design processes and uses" [3].
Daqui se pode deduzir que consideram objectos e imagens como válidos para documentar uma relação com o mundo. Por outro lado, damo-nos conta de que o sentido conferido pelas sequências de objectos e imagens é uma representação (uma construção diversa do representado) feita a posteriori pelo Superstudio. Por outras palavras, fazem recurso a paradigmas cartesianos para descrever algo que não é, ab anteriori, sistematizável.
Na Bienal de Veneza de 1978 apresentam este projecto com o título La coscienza di Zeno. Este título remete para o homónimo romance de 1923 onde Italo Svevo, de forma auto-biográfica, faz a psicanálise das maleitas de Zeno Cosini sem encontrar uma solução.

 

Simultaneamente a este projecto onde se pode falar da busca de uma autonomia funcional, os Superstudio desenvolviam abordagens onde a semântica da autonomia era bem diversa. Perante a tecnocracia advogavam uma linguagem própria para o discurso do arquitecto, o que então foi teorizado e praticado por Aldo Rossi e o grupo Tendenza ou por Peter Eisenman no outro lado do Atlântico. Esta era uma autonomia kantiana, definida como a autoridade de conferir a si próprio um julgamento outro que o dos demais.
Essa outra vertente da sua investigação, que não deve ser considerada antagónica mas complementar (num discurso não-determinista) teve na mesma Bienal de Veneza de 1978 a sua apresentação com La Moglie di Lot.
Esta instalação, que consistia num conjunto de figuras de sal que se derretiam com água (mas cuja estrutura interna e conceptual não interessa à presente reflexão), era uma afirmação sobre a autonomia do discurso. Num movimento psicótico, equilibravam a balança com uma radicalidade oposta. Ainda em 1978, no catálogo da re-exposição The Continuous Monument no Istituto Nazionali di Architettura de Florença, era claramente assumido o processo de “demonstratio per absurdum” nas propostas do Superstudio.
Se considerarmos que em 1969 tinham escrito que “the greatest project is always to design a whole life under the sign of reason, a life with precise directions, chosen and serenely accepted, with limits as corner stones [...] eliminating mirages and will-o'-the-wisps such as spontaneous architecture, sensitive architecture, architecture without architects, biological architecture and fantastic architecture” [4], onde a radicalidade seria a de impedir que projectos como La Moglie di Lot ou La coscienza di Zeno singrassem, podemos configurar o mapa de navegação Superstudio.
A chave para a compreensão deste mapa poderá ser encontrada numa afirmação recente de Adolfo Natalini na qual reconhece que “nel Superstudio avevamo una specie di ‘disturbo bipolare della personalità’”[5]. Esta condição tornou-se na própria máquina de subjectividade que a contemporaneidade encerra.

 


António Coxito

 

 

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Notas

[1] 2A+P/A, "La Coscienza di Zeno": Notes on a Work by Superstudio, San Rocco, What’s wrong with the primitive hut? #8 Winter 2013
[2] idem
[3] Gianni Pettena, Superstudio, 1966-1982: storie, figure, architettura, Electa Firenze, 1982
[4] Superstudio: lettera da Graz/Trigon 69, Domus 481, 1969
[5] Gabriele Mastrigli, Superstudio, La vita segreta del Monumento continuo, libro d'artista edizione limitata, Monditalia - Biennale di Venezia 2014

 

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* Reflexão desenvolvida no âmbito da dissertação de Doutoramento em Arquitectura da Universidade de Évora realizada sob a orientação científica de João Soares.

 


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[o autor escreve de acordo com a antiga ortografia]