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A apresentação de Okwui Enwezor da sua visão curatorial para a 56ª Bienal de Veneza - que terá lugar entre 9 de Maio e 22 de Novembro deste ano – parece à primeira vista representar uma reflexão séria sobre os actuais tempos instáveis. Intitulada Todos os Futuros do Mundo, a Bienal vai tentar lidar com as “rupturas que rodeiam e abundam em cada esquina da paisagem global de hoje”, como Enwezor disse a uma plateia reunida na sede da Bienal, perto de Piazza San Marco em Veneza, no final de Outubro.

Falta ver se a Bienal de Enwezor faz jus às suas ambições, embora a peça central da sua proposta - ter performers a ler os quatro volumes de Das Kapital (1867-1894) ao longo de todo o correr da Bienal - prometa provocar um debate intenso. Acima de tudo, pode-se perguntar se este acto, num dos eventos de arte de maior prestígio do mundo, apresenta uma oportunidade para colocar o pensamento de Marx no centro do debate sobre a crise económica em curso, ou antes, se crava o último prego no caixão do esquerda. É arte politicamente motivada, resistente o suficiente para suportar a contradição inerente do Kapital tomar o centro do palco durante os dias de abertura exclusiva da Bienal (de 6 a 9 de Maio), quando a sua leitura começar à frente de uma amostra dos jogadores mais poderosos do mundo da arte?

Sob estas questões encontra-se uma mais profunda: como é que a arte pode ser útil num contexto social. A Art or Sound, da Fondazione Prada - uma exposição que estava patente (entre 7 de Junho e 1 de Novembro) na vizinha Ca'Corner e que examinou a relação entre arte e áudio - permitiu a reflexão sobre abordagens diferentes para o papel da arte em relação tanto à sociedade como ao empoderamento da audiência. Artistas e artesãos tão diversos como Giovan Battista Cassarini, Marcel Duchamp, Theo van Doesburg, John Cage, Robert Rauschenberg, Richard Artschwager, Bruce Nauman, Ken Butler, Martin Creed e Ruth Ewan estavam entre os representados nas suas 180 obras. A cacofonia resultante apresentou uma jornada carnavalesca através da história da arte sonora. Os destaques incluem um órgão de feira dos inícios do século XX de Gebrüder Wellershaus, uma máquina estridente, incrivelmente desajeitada que trouxe à memória o aspecto profundamente maquínico e físico da reprodução da música em tempos idos.

Duas das obras em exposição exemplificavam duas abordagens muito diferentes à arte social e ao papel do som no empoderamento do indivíduo. Contralto Viola (1687), de Cassarini, é um violino feito de mármore branco com intrincados embutidos. A peça, bonita de se ver mas imprópria para funcionar, poderia representar tanto a distância da música das massas incultas, assim como a remoção necessária do esforço artístico da vida quotidiana: a reflexão estética, indiscutivelmente, exige distância crítica dos problemas sociais. A partir desta distância, podem surgir novas soluções. No entanto, aparte disto, tal abordagem à arte pode ter um aspecto meditativo que é um valor em si mesmo. Afinal, quando é que uma pessoa foi responsável por transgressões enquanto estava num momento de contemplação individual?

No outro extremo, A Jukebox of People Trying to Change the World (2003-), de Ruth Ewan, é uma jukebox de CDs carregada com discos com mais de 2000 faixas categorizadas em secções como "Guerra", "Feminismo", "Direitos Civis", etc. O trabalho de Ewan é um arquivo em curso para o qual o público pode enviar sugestões de músicas através de links da web, bem como escolher quais as músicas a tocar dentro de uma determinada configuração. O extremo oposto do violino de Cassarini, transmite mensagens políticas muito directas predominantemente via canções folclóricas e de protesto, oferecendo uma elevada interação. Estas obras têm como objectivo promover o debate directo, embora, sem dúvida, perdem o aspecto de distância crítica que a reflexão permite.

Enquanto não está claro até que nível a leitura de Das Kapital na 56ª Bienal será uma experiência interativa, ela deve representar - em termos de visibilidade - um novo ponto alto na história recente das acções artísticas diretamente políticas no cenário mundial. Se tem o potencial para levar adiante a causa da arte política, ainda estamos para ver. Com a história sendo indiscutivelmente cíclica, a performance pode lida mais como uma elegia numa viragem acentuada em direcção a valores puramente estéticos. Entretanto, o contingente socialmente engajado do mundo da arte faria bem em desenvolver o potencial positivo da reflexão como um complemento à sua actividade mais direta. [versão portuguesa do original inglês]

 


Mike Watson
Teórico, com doutoramento em Filosofia pelo Goldsmiths College, contribui regularmente para as publicações Frieze, Art Review, Art Monthly, Flash Art International e Radical Philosophy.

 

 

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Este artigo foi originalmente publicado na ArtReview, Dezembro 2014.