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O ESTADO DA ARTE


Fotografia do papel negativo calótipo feito por Sir John Herschel do telescópio do seu pai, em 1839.


'Point de vue du Gras', de Joseph Nicéphore Niépce, primeira fotografia permanente (heliografia) feita em 1826 ou 1827 em Saint-Loup-de-Varennes, em França, e mostra partes dos edifícios e paisagem vi


Louis-Jacques-Mandé Daguerre, daguerreótipo 'Natureza morta', 1937.


Retrato daguerreótipo de Louis-Jacques-Mandé Daguerre.


William Henry Fox Talbot, por John Moffat, 1864.


William Henry Fox Talbot e Nicolaas Henneman em Reading, 1846. National Media Museum, Bradford.


Cianotipia de alga da autoria da botânica do século XIX Anna Atkins.


Em 1975, o engenheiro Steven Sasson, na altura com 24 anos, inventou para a Eastman Kodak a primeira câmara digital que mostrava as fotografias num ecrã.


Protótipo da primeira câmara digital da Kodak, 1975.


José Soudo, A atribulada história do casamento da Dona Luz com o senhor Pixel. Uma história da Fotografia para os mais jovens, que até os adultos deveriam ler, Flankus Books, Dezembro 2020. ISB


Vista do livro José Soudo, A atribulada história do casamento da Dona Luz com o senhor Pixel. Uma história da Fotografia para os mais jovens, que até os adultos deveriam ler (2020).


Vista do livro José Soudo, A atribulada história do casamento da Dona Luz com o senhor Pixel. Uma história da Fotografia para os mais jovens, que até os adultos deveriam ler (2020).


Vista do livro José Soudo, A atribulada história do casamento da Dona Luz com o senhor Pixel. Uma história da Fotografia para os mais jovens, que até os adultos deveriam ler (2020).

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JOSÉ SOUDO

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Porque se comemora a 19 de Agosto, o Dia Mundial da Fotografia?

Em vários locais leio e ouço sobre eventos comemorativos e evocativos muito diversificados, a propósito desta data, o que bem vistas as coisas, não estão a ajudar em nada a reflexão sobre os acontecimentos que levaram ao surgimento, ou melhor, aos surgimentos desta maneira de “…desenhar, com o auxílio da luz, sem a intervenção de lápis ou de pincel…”, ou seja, da Fotografia.

De todos, há dois caminhos diferentes e bastante relevantes, no surgimento desta Nova Arte de Desenhar

Cada um destes caminhos, associado a materiais fotossensíveis com comportamentos diferentes e opostos, perante a luz que lhes chega, ou seja, o actual Pixel, tem antepassados distintos e muito diferentes no seu comportamento, que talvez tenham começado a casar com a sempre eterna Dona Luz, ao que parece, a partir do século XIX. 

Vamos ver.

Antes de avançarmos, recordemos o verão e lembremo-nos que quando regressamos da praia, temos uma espécie de negativo do fato de banho no nosso corpo. 

Ninguém o desenhou. Foi a luz que o fez, pelo que se pode inferir que a nossa pele é parente do Senhor Pixel, mas ao contrário. As partes do corpo que receberam luz, ficaram bronzeadas, ou seja, escureceram. As partes do corpo protegidas pelo fato de banho não bronzearam.

Isto tem alguma parecença com o caminho da fotografia que irá nascer em negativo. 

O outro caminho, seria chegarmos a casa ainda mais claros, nas zonas do corpo que receberam luz e iguais ou mais escuros nas partes do corpo que não receberam luz, o que sabemos não ser assim. 

Isto tem alguma parecença com o caminho da fotografia que irá nascer em positivo.

Voltemos às aventuras dos nascimentos da fotografia, e vamos ficar a saber que um dos seus surgimentos, parece ter acontecido em França, no final da segunda década do século XIX, no ano de 1826, com os respetivos resultados a aparecerem logo em positivo.

Relativo a isto, há documentos que nos comprovam que o Sr. Joseph Nicéphore Niépce (1765/1833), gravador de profissão, a viver numa pequena cidade francesa, chamada Chalôn-sur-Saône, junto à fronteira com a Suíça, obteve desenhos feitos por ação da luz, sobre material sensível, colocado dentro da camera obscura, após diversas tentativas sem grande sucesso, iniciadas cerca de dez anos antes, com a mistura de betume de Judeia e lavanda. Sim, a mesma que se usa para dar bom cheirinho à roupa depois de lavada.

Conseguiu registar permanentemente, uma imagem à qual chamou “Point de vue de Le Gras”. Foi executado este ponto de vista, nas traseiras da sua casa. Alguns dizem ser a primeira de todas as fotografias. Mas não é assim, pois embora com resultados muito toscos, Niépce já obtinha resultados de outros assuntos, desde, 1814, 1816, ou 1822. 

Quanto a estas datas, são mais as dúvidas do que as certezas, mas que foi antes de 1826, foi mesmo.

Aconteceu isto no verão de 1826, ao fim de cerca de 8 horas, ou até mesmo 10 horas de paciência, para se manter a câmara em exposição. 

O resultado deste desenho, obtido por ação da luz sobre o betume de Judeia e com uma ajuda posterior de produtos químicos, ficava logo em positivo, portanto era único e sem possibilidade de ser repetido.

Hoje, consideraríamos todas estas longas horas de exposição, como um tempo muito exagerado, pois os atuais sensores digitais, assim como as películas analógicas, reagem muito rapidamente perante a luz, em frações muito pequeninas do segundo.

Voltando a Niépce, este chamou à sua maneira de desenhar – heliografia - ou seja, gravura feita pela ação da luz solar.

O processo de Niépce, que como vos digo passou a ter algum sucesso na execução, em 1826, foi entretanto melhorado por Jacques Mandé Daguerre (1787/1851), durante quase uma década de ensaios, entre 1828 a 1838, com a junção ao betume, de materiais como o cobre, a prata e também de muitos outros materiais químicos, que agora não são para aqui chamados, mas que ajudaram a tornar possível, que estes desenhos de luz, acontecessem em cerca de meia hora, desde que o dia fosse bastante luminoso, claro está.

Niépce, entretanto faleceu em 1833 e Daguerre que tinha estabelecido com ele um acordo, num contrato assinado por ambos em Chalôn-sur-Saône, deu consigo a trabalhar sozinho, sobre um assunto que dominava muito pouco e, muito mal. 

Daguerre era pintor de cenários na Ópera de Paris e fazia espetáculos com luz e pinturas, ora iluminadas pela frente, ora iluminadas por trás. O Diorama. 

A partir daí, teve que estudar e ensaiar muito, naturalmente, até cerca de 1838.

Ao fim destes quase 10 anos de múltiplos ensaios e depois de se sentir mais seguro com os resultados que ia obtendo, convenceu o seu grande amigo e então Secretário Permanente da Academia de Ciências, François Arago, futuro Primeiro-Ministro de França, que o Estado Francês, numa reunião muito pomposa no Parlamento de França, com a presença do Rei Luís Filipe, fizesse a divulgação do seu método de trabalho – daguerreotipia - como a “…nova arte de desenhar, processo inventado por Niépce e aperfeiçoado por Daguerre…”.

Nesta assembleia, que para além do Rei, contou também com a presença de todos os deputados, assim como dos membros da Academia de Ciências e da Academia de Belas-Artes, serão ditas por Arago, as seguintes palavras, muito simbólicas, “…A França deve com toda a nobreza, oferecer este processo a todo o mundo…”, ou seja, a França iria a partir desse momento, dar a oportunidade a todo o mundo, de utilizar esta nova tecnologia de desenhar com luz, bastante complexa, diga-se, a Daguerreotipia. 

Infelizmente isto não foi bem assim, pois Arago e Daguerre tinham como objetivo, com esta aparente generosidade, ganhar muito dinheiro com os direitos de utilização desta nova tecnologia.

A dita reunião no Parlamento, aconteceu a 19 de agosto de 1839.

Esta é a razão, porque se afirma que o dia Mundial da Fotografia coincide com este dia. 

Parece-me que deveríamos pensar sobre os seguintes factos e depois repensar o porquê desta data oficializada, mais pelo estereótipo e por razões políticas e económicas, do que pelos factos históricos.

A tecnologia que foi divulgada nesse dia e que resultava na obtenção de positivos diretos com o auxílio da camera obscura, foi como disse, a daguerreotipia, ou seja, a heliografia das 8 horas, de 1826, mas entretanto, já muito melhorada e modificada e conseguida em tempos de cerca de meia hora, mais coisa menos coisa.

Como se constata, o termo FOTOGRAFIA não era usado nesta altura. Estará em vias de vir a surgir.

Vamos então tentar pôr um pouco de ordem nisto tudo, pois sendo aqui a História um pouco confusa, penso que com jeito, vamos conseguir desfazer alguns equívocos, quanto às datas, assim como colocar os factos e as peças deste xadrez, no seu verdadeiro lugar. 

Passemos ao outro surgimento, ou ao outro antepassado do Senhor Pixel, aquele cujo resultado é mais parecido com o do nosso fato de banho. 

Tudo indica que terá acontecido em Inglaterra, com os respetivos resultados a ficarem em negativo, o que obrigava a ter de se fazer uma cópia ou impressão do mesmo, sobre material equivalente, sensível à luz, para se puder ver em positivo.

Tal foi conseguido na terceira década do século XIX, cerca de 1835, por William Fox Talbot (1800/1877), astrónomo e matemático e também após muitos ensaios e experiências feitas.

A este método de trabalho, Talbot passou a chamar - photogenic drawings – ou seja, desenhos fotogénicos ou desenhos que nascem por ação da luz. Dizia eu, este método foi conseguido por Talbot, tendo em conta os ensaios iniciados muitos anos antes dele, entre os anos de 1790 e de 1805, sobre um material sensível à luz, chamado Nitrato de Prata, pelos cientistas ingleses, Thomas Wedgwood (1771/1805) e Humphry Davy (1778/1829), ambos membros da Sociedade Lunar. Sim, o mesmo nitrato de prata que era e é usado em medicina, como bactericida, entre muitas outras aplicações, que se lhe conhecem e nada têm a ver com fotografia.   

Estes ensaios mal sucedidos, de Wedgwood e Davy, mas mesmo assim muito importantes, eram feitos com o nitrato de prata, espalhado sobre papel de aguarela e também sobre couro branco. Estes cientistas chamavam aos resultados - sun prints - impressões solares.

Desculpem insistir, mas acabamos de descobrir outro nome para os desenhos de luz.

Estes tinham um pequeno mal. 

Porque não se sabia como fixá-los, ou melhor, como estabilizar as imagens obtidas, estes velhos antepassados do que virá a ser a fotografia, desapareciam pouco tempo depois de executados. 

No entanto, tudo isto já era qualquer coisa.

Tudo isto já era muita coisa.

Todos estes factos, foram relatados através de um documento entregue em 1802, para publicação no Jornal da Real Instituição de Londres (hoje uma Universidade), com o seguinte título: “Relato de um método para copiar Pinturas sobre vidro, e de como fazer Perfis, pela actividade da Luz sobre o Nitrato de Prata. Inventado pelo Cavalheiro T. WEDGWOOD. Com Observações de H. DAVY.

Como disse atrás, este método de obtenção das sun prints, só foi melhorado com sucesso, por Talbot, quase 40 anos depois, quando encontrou uma maneira para que os respetivos desenhos de luz não desaparecessem, o que hoje se chama fixar as imagens, ou seja elas ficarem estáveis, sem desaparecerem. 

Este assunto no entanto já tinha sido referido por Wedgwood e Davy, que afirmam no tal relatório, que num próximo número do Jornal, talvez já pudessem ter solução para esta questão. O que parece não ter acontecido, pois não há nenhum número do Jornal que o refira.  

Voltando a Talbot, o seu amigo e também cientista, matemático e astrónomo, John Herschel (1792/1871), ensinou-lhe a maneira de fixar as imagens obtidas, com uma espécie de sal de cozinha, o hipossulfito de sódio, ou tiossulfato de sódio, dissolvido em água, algo que terá ensaiado cerca de 1819 e que afinal não é uma invenção sua, pois as propriedades do tiossulfato como solvente de sais de prata, já tinham sido descritas, pelo médico e anatomista francês, François Chaussier, no ano de 1799, o que nos remete para a data de 14 de Março de 1839, que tal como diz o meu amigo Carlos Fernandes, “compgnon de route” nestas andanças de se perceber se nasceu primeiro o ovo ou se a galinha, muito pouco ou nada se fala sobre este dia em que foi lido na Royal Society, uma nota de John Herschel, sobre “A aplicação dos Raios Químicos da Luz para obter uma Representação Pictórica”, segundo a qual se resolveria definitivamente o problema da preservação da imagem, com a tal substância química que ainda hoje é a componente principal dos fixadores, o hipossulfito de sódio ou o tiossulfato, como referido.

Naqueles tempos, todos estes acontecimentos e resultados, quase pareceriam um milagre.

Com este novo método de fixar os photogenic drawings, ou seja, de estabilizar, com o tiossulfato, os desenhos que nascem por ação da luz e que eram obtidos sobre o nitrato de prata, barrado sobre papel de aguarela, colocado na parte de trás da camera obscura, estes já não desapareciam.

Sendo uma curiosidade, deve-se a John Herschel a vulgarização do termo negativo/positivo, assim como também, ter passado a chamar FOTOGRAFIA aos resultados que eram obtidos pelo método de Talbot. 

Isto começou a acontecer no ano de 1839, o ano das coincidências.

Voltando à História, Talbot, com muita surpresa, tinha lido nos jornais, que lá mais para o verão do ano de 1839, a Academia de Ciências de França, se preparava para divulgar, uma nova arte de desenhar, ou seja o tal processo da daguerreotipia. 

Ao saber desta novidade, Talbot foi de imediato a Paris falar com Arago. 

Explicou-lhe que no seu método de trabalho, obtinha primeiro um negativo, que de seguida copiava para obter o respetivo positivo, o qual era um bocadinho ao contrário do método francês. 

Arago aparentemente ficou muito interessado nesta outra maneira de obtenção de imagens com o auxílio da camera obscura, no entanto, em nada se comprometeu, pedindo a Talbot para regressar a Inglaterra com a promessa que quando fosse oportuno falaria disso aos cientistas franceses.

No ano de 1840, como os franceses nada lhe disseram, Talbot, achou por bem ir divulgar o seu método de trabalho à Real Academia de Ciências de Inglaterra.

Durante quase uma década, o processo que esteve na moda foi o francês. 

Só depois, a partir da década de 1850, é que os utilizadores das novas artes de desenhar, perceberam que o método inglês era bem mais simples e económico e permitia a cópia da imagem, tantas vezes, quantas as que se quisesse, a partir do negativo obtido.

No entretanto, Daguerre e Arago, que como vos disse, se tinham associado, ganharam muito dinheiro, nessa década de ouro, entre 1839 e cerca de 1850, por causa da cobrança de direitos de utilização da patente da Daguerreotipia. 

Quem quisesse usar, tinha que pagar a patente. Na Inglaterra ainda se pagava mais.

Agora vamos levantar mais uma pontinha do véu e tentar perceber o que ainda anda escondido nesta história.

Com as notícias de 1839, sobre o surgimento da daguerreotipia, há alguém que do Brasil vai enviar uma carta para a Europa a dizer “…porque uma mesma ideia pode vir a duas pessoas…”, mas que não considerava relevante reclamar da invenção da arte de desenhar com luz. Esta pessoa refere no seu “Livro de anotações e primeiros materiais”, escrito em 1833, que chamava photo-graphya e também poly-graphya, aos resultados obtidos por ação da luz, sobre nitrato de prata espalhado em papel de desenhar e noutros suportes, porque era a luz que resolvia a questão e desepenhava o principal papel.

Isto é surpreendente, pois aconteceu 6 anos antes de Herschel, em 1839, ter vulgarizado este termo, na Europa! 

Bom, parece que o termo Fotografia andava escondido no Brasil.

Tratou-se do francês Hercule Florence (1804/1879), o qual chegou ao Brasil, em 1824, dois anos depois da Independência desta colónia em relação a Portugal, tendo aí casado com Maria Angélica Alvares Machado e Vasconcellos, filha do Governador Alvares Machado, Conde de Agarez (Vila Real de Trás-os-Montes).

Viveu na cidade de Campinas. 

Tomando de novo como referência as notícias de 1839, sobre o surgimento da daguerreotipia, vamos ter alguém em França, a reclamar e muito, de um modo bastante dramático, da invenção de uma Nova Arte de Desenhar, ao que parece bem melhor que a de Daguerre, pois os seus desenhos de luz eram conseguidos em apenas 5 minutos. Os de Daguerre demoravam cerca de meia-hora.

Lembram-se?

Trata-se de Hyppolyte Bayard (1801/1887), membro da Academia de Ciências de França e a quem Arago tinha prometido, falar do seu método aos académicos, só que não o fez, com o intuito de não ofuscar a divulgação da daguerreotipia, tal como já tinha feito com o inglês Talbot, pois percebeu que isto iria prejudicar os negócios e estratégias que tinha acordado com Daguerre. 

Na sequência da posição oficial do estado francês em relação a Daguerre, Bayard fez uma carta de protesto, em 18 de Outubro de 1840, na qual, num ato muito simbólico de desespero, reclamou méritos na obtenção dos desenhos de luz, simulando o seu suicídio por afogamento, o que não foi nada verdade. Ele manteve-se vivo. 

Toda esta encenação e drama, foi uma forma de chamar a atenção sobre a injustiça que lhe fizeram, quanto à não divulgação do seu método de trabalho.

Depois de traduzido, o teor de parte da carta é este: “…O corpo do cavalheiro pertence ao Sr. Bayard, inventor deste maravilhoso processo que está a ver. Tanto quanto se sabe, este infatigável pesquisador, demorou três anos em investigações. Embora ele considere os seus desenhos imperfeitos, quer a Academia, quer o Rei, assim como todos os outros que os viram, ficaram profundamente admirados, o que muito o honrou.  No entanto, o governo tudo deu ao Sr. Daguerre e afirmou que nada poderia dar ao Sr. Bayard. Por esse motivo o pobre afogou-se…

Obviamente, Arago ficou muito atrapalhado com esta carta, mas já não conseguiu ou não teve vontade de corrigir nada. 

A “estratégia” estava muito bem engendrada. 

O decreto que oficializara a daguerreotipia já estava assinado pelo Rei e, por consequência, já nada andava para trás.

Insólito passa a ser o facto de Bayard, por já não ter dinheiro para continuar as suas experiências, ter acabado por se “render” ao processo de Daguerre, que na década seguinte irá começar a cair em declínio, como vos disse, por ser caro e bastante difícil, embora fascinante.

Comparem tudo isto com os atuais sistemas operativos das câmaras digitais, dos smartphones ou dos tablets ou dos computadores. 

Os fabricantes estão em permanente concorrência uns com os outros e os equipamentos sempre a evoluir e a alterarem-se, pois ficam antiquados e obsoletos muito rapidamente. 

Quanto a esta parte da História sobre os surgimentos da fotografia, tanto em positivo como em negativo, podemos afirmar que tanto o Betume de Judeia como o Nitrato de Prata, assim como muitos outros materiais que foram ensaiados ao longo dos tempos, são os tetra-avós dos atuais pixéis, que estão dentro das câmaras digitais.

Para aqui chegarmos, as peripécias, os infortúnios, assim como os bons sucessos, foram muitos.

Os vários surgimentos da FOTOGRAFIA, não podem ser apenas associadas aos nomes referidos, nem a ninguém em particular, mas sim a muitos outros cientistas e, acima de tudo, às muitas conjugações de experiências e ensaios múltiplos, que desembocaram no século XIX, ou até mesmo antes.  

Sendo assim, ainda vos quero contar sobre uma experiência apresentada em 1727, na Academia de Altdorf, na Alemanha, pelo cientista Johann Heinrich Schultz (1687/1744), que era médico, anatomista, botânico e também geógrafo, à qual ele deu um nome muito engraçado, “SCOTOPHORUS PRO PHOSPHORO INVENTUS”, o qual traduzido do latim, significa “Como descobri o portador da escuridão, ao tentar descobrir o portador da luz”.

No seu relatório, ele conta que um dia, em 1725, depois de misturar gesso branco com nitrato de prata num frasco e o colocar à janela, para fazer mais uma experiência, convencido ele que o que ia receber luz ficaria claro e o que estava do lado de dentro e não recebia luz, ficaria escuro, quando foi observar os resultados, ficou muito surpreso.

Estava tudo ao contrário, do que ele esperava. 

O que recebeu luz é que escureceu, o que não recebeu luz continuava claro. 

Parece a nossa pele e a luz do sol na praia.

No final do relatório faz esta afirmação surpreendente: 

“…não tenho dúvidas que esta experiência poderá revelar ainda outras utilidades no futuro…”

Mal ele sabia que as suas experiências foram aprofundadas cerca de 50 anos depois dele, por um outro cientista sueco, chamado Carl Wilhelm Scheele (1742/1786), físico e farmacêutico, membro da Real Academia de Ciências de Estocolmo, que em 1777, entrega nesta Academia um documento com um nome muito estranho - "Chemische Abhandlung von der Luft und dem Feuer“ - ou seja - “Tratado químico do ar e do fogo” - onde descreve que após estudar muito bem as experiências de Schultz, antes de concluir o estudo, perguntou a si mesmo:

“…será possível que este pigmento que escureceu após receber luz, se tenha transformado em prata?...” E não é que era mesmo!

Ele confirmou, que o nitrato de prata, após receber luz, se reduz em prata obscurecida.  

Ainda nestas experiências, de seguida, Scheele voltou a perguntar: 

“…E como fazer para que os sais de nitrato de prata que não tenham recebido luz, deixem de ser sensíveis a esta?...”

Ensaiou e comprovou que o amoníaco dissolve os sais de prata, que não se transformaram em prata, por não terem recebido luz…

Ao que parece, os ingredientes mais importantes e significativos que hão-de fazer a FOTOGRAFIA nascer, ou mais rigorosamente, surgir, numa espécie de artes mágicas, estão praticamente todos juntos, desde há muito tempo e os cientistas de séculos anteriores ao século XIX, já andavam por lá perto, como se está a comprovar.

Comparem por exemplo o que é dito pelo poeta Romano, Publius Papinius Stacius (n. Nápoles em 40 d.C. – f. Roma em 96 d.C.), no poema “O cabelo de Earinus”, onde faz alusão a uma imagem que fica permanente, sobre uma bandeja revestida de prata…

Este poema foi escrito quase 1700 anos antes das profecias publicadas pelo médico francês, Charles-François Tiphaigne de la Roche, em 1760, no livro ”Giphantie”, onde faz referência à possibilidade de se conseguir um registo permanente, num espelho miraculoso, revestido a prata, por via dos raios luminosos, que atravessam a camera obscura

Depois de todos estes factos que por aqui enumerei, volto a perguntar porque comemoramos o dia 19 de Agosto, como o dia Mundial da Fotografia? 

 

 

José Soudo
(Lisboa, 1950) Fotógrafo. Investigador em História da Fotografia. Curador. Grau de Mestre em Fotografia Aplicada. Grau de Especialista em Audiovisuais e Produção dos Media – Fotografia, obtido em Provas Públicas. Docente de Fotografia desde 1982 e de História da Fotografia, desde 1986, no Curso de Fotografia do Departamento de Fotografia do Ar.Co – Centro de Arte e Comunicação Visual - Associação Cultural sem fins lucrativos, reconhecida pelo Governo Português como “Instituição de Utilidade Pública”. Coordenador-Técnico com funções pedagógicas, do Departamento de Fotografia do Ar.Co, desde 1986 até 2016. Sócio co-fundador, em 1982, da Galeria e do projeto de Animação Cultural em Fotografia, “Ether-Vale tudo menos tirar olhos”. Associado desde 2019, da “Tira-Olhos - Associação de fotografia experimental”. Membro da Comissão de Estudo para a recuperação da “Casa-Estúdio Carlos Relvas”, na Golegã, por nomeação do IPPAR, em junho de 1996. Formador creditado, da Bolsa de Formadores do Cenjor – Centro Protocolar para Formação de Jornalistas Profissionais, em ações de formação para jornalistas, nas áreas da Fotografia e do Fotojornalismo e da História da Fotografia e do Fotojornalismo, desde 1992. Docente na Licenciatura do CSF - Curso Superior de Fotografia, da Escola Superior de Tecnologia do IPT - Instituto Politécnico de Tomar, de 2002 até 2016. Foi Diretor da Licenciatura em Fotografia da ESTT/IPT no ano de 2015 e co-fundador do referido Curso em 1995. Membro da Comissão Executiva do CEFGA – Centro de Estudos em Fotografia da Golegã, nos anos de 2008 e 2009. Enquanto fotógrafo, está representado em diversas coleções oficiais e particulares, quer em Portugal quer no estrangeiro e também através de livros e publicações diversas, assim como em trabalhos coletivos com outros artistas visuais.


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Este texto faz parte de um livro do autor que foi divulgado no Chão das Artes da Casa da Cerca em Almada, em 2020, intitulado "A atribulada história do casamento da Dona Luz com o Senhor Pixel - Uma história da fotografia para os mais jovens, que até os adultos deveriam ler", relativo ao qual irá orientar um wokshop, em Outubro deste ano, no PHOTOfest de Cantanhede.