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O ESTADO DA ARTE


© Frédérique Aït-Touati, Alexandra Arènes, Axelle Grégoire, ZKM | Karlsruhe


© ZKM | Karlsruhe. Fotografia: Elias Siebert


© ZKM | Karlsruhe. Fotografia: Elias Siebert


© ZKM | Karlsruhe. Fotografia: Elias Siebert


© ZKM | Karlsruhe. Fotografia: Elias Siebert


© ZKM | Karlsruhe. Fotografia: Elias Siebert


© ZKM | Karlsruhe. Fotografia: Elias Siebert


Sarah Sze, Flash Point (Timekeeper), 2018 © Sarah Sze, © ZKM | Karlsruhe. Fotografia: Elias Siebert


Claudia González Godoy, Hidroscopia Loa, 2018 © Claudia González Godoy, © ZKM | Karlsruhe. Fotografia: Elias Siebert

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CRITICAL ZONES - OBSERVATORIES FOR EARTHLY POLITICS

CONSTANÇA BABO

2020-10-27




 


"You too are part of the natural cycle of atmosphere... you do not only live in the Earth, but from the Earth, and by doing so you are changing the Earth..."
(texto de parede)

 


O ZKM - Zentrum für Kunst und Media Karlsruhe, um dos pioneiros e mais importantes centros de exposição e investigação de arte dos novos média, apresenta agora uma importante mostra, onde cruza as suas duas principais áreas de ação, a artística e a tecnológica, com uma terceira, a científica. A exposição, inaugurada no passado dia 23 de maio de 2020 e passível de ser visitada até ao dia 28 de fevereiro de 2021, afirma a sua relevância com uma temática de máxima atualidade, a crise ecológica, à qual dá voz por meio das linguagens da arte e da técnica.

Intitulada Critical Zones – Observatories for Earthly Politics, e encontrando-se integrada num projeto de escala internacional, tem como principal preocupação o impacto da ação do homem na Terra, no que se tem vindo a apelidar de pegada ecológica, ininterrupta e velozmente crescente. A exposição reconhece e apela à necessidade de ações de sustentabilidade do planeta, para tal sugerindo a união entre disciplinas, competências, conhecimentos e culturas, algo que ilustra, representa e expõe de forma excepcionalmente bem conseguida.

Esta mais recente exposição no ZKM resulta, em grande parte, das pesquisas desenvolvidas no âmbito do projeto internacional e interdisciplinar de investigação CZO - Critical Zone Observatories, iniciado em 2007 e atualmente desenvolvido por nove instituições, cujo propósito é analisar os vários processos químicos, físicos e biológicos que compõem a superfície terrestre e nela suportam toda a forma de vida. Na medida em que se tratam de inúmeros e distintos domínios, um grupo de cientistas criou o conceito Critical Zone para nele reunir os vários campos das ciências da Terra e os respetivos elementos desta, ar, água, solo, flora, fauna, etc. Por outras palavras, a Zona Crítica é toda aquela que determina a qualidade e a subsistência do ecossistema terrestre e que, presentemente, se encontra em estado crítico.

A este complexo e extenso objeto correspondeu, inevitavelmente, uma igualmente intrincada concepção expositiva. Tamanha tarefa, apesar de largamente ambiciosa e desafiante é, contudo, concretizada com distinção pelos dois nomes que a ela se propuseram, Bruno Latour e Peter Weibel. Sendo o último o atual diretor do ZKM e considerando que ambos são incontornáveis referências nos campos da arte e da filosofia, a colaboração de ambos já tem sido objeto de admiração e apreço, principalmente na concepção e realização de três exposições anteriores neste mesmo Centro, Iconoclash (2002), Making Things Public (2005) e Reset Modernity! (2016).

Em relação ao mais recente projeto, revela-se, uma vez mais, quanto ambos os curadores dominam profundamente as áreas teórica, artística e tecnológica, bem como detêm perspetivas e visões tão conscientes do presente, assim como tão à frente do seu tempo. Por conseguinte, o resultado é um dos exercícios expositivos e curatoriais mais surpreendente e de destaque dentro desse contexto. Esta parceria contou também com a participação de Martin Guinard-Terrin, jovem curador residente, e Bettina Korintenberg, especialista em estudos culturais. Acrescenta-se a contribuição dos participantes do Critical Zone! Study Group da Universidade de Arte e Design de Karlsruhe que, durante os últimos dois anos, dedicaram-se à materialização da exposição. Por fim, é ainda importante reconhecer a fundamental colaboração do Strengbach Observatory, observatório em Aubure, a 150 km de Karlsruhe, cuja escala de oito hectares e o seu avançado equipamento permitem recolher inúmeros dados ao nível do solo, do ar, da floresta e das águas. Deste modo, o projeto reflete a importância quer do trabalho em equipa quer da ação em comunidade, princípios imprescindíveis e aplicáveis no âmbito do combate à crise ambiental.

Bruno Latour propõe um "Novo Regime Climático" (New Climatic Regime), apelando à percepção de que a actual situação ambiental afeta todas as coisas vivas e interfere não só com a esfera da ciência, mas também com as da política, cultura, ética e história. Porém, infelizmente, como se refere no texto que acompanha a exposição, "cuidar da Terra é muito difícil: não temos qualquer sensibilidade por aquilo de que ela é feita ou de como ela reage às nossas ações". Com efeito, "estabelece-se um feedback entre o que fazemos ao solo no qual vivemos e como ele reage à nossa ação colectiva" e, apesar das repercussões da maioria das atividades humanas não serem observáveis à escala planetária, como por exemplo em imagens capturadas via satélite, não são por isso menos disruptivas. É, aliás, essa invisibilidade que dificulta a consciencialização da crise ecológica e que contribui para o seu agravamento.

Reconhecendo este obstáculo, Critical Zones - Observatories for Earthly Politics procura transpor os problemas ecológicos para o universo imagético, material e objectual da criação artística, dos novos média e da experiência estética. Com efeito, apesar da natureza destes fenómenos ser material, visível e tangível, tratam-se de híper-objectos que, como Timothy Morton (The Ecological Thought, 2010) explana, são híbridos, mutáveis e massivamente distribuídos no tempo e no espaço, tornando-os difíceis de apreender e percepcionar. A arte é, por certo, uma potência capaz de dar imagem e voz às mais várias questões, de as ilustrar, esclarecer e conceder ao espectador. A isto se acrescenta que, quando a criação artística é aliada às mais inovadoras possibilidades técnicas, nas quais o ZKM é um lugar de excelência, permite-se um ponto de vista com pormenor e alcance científicos.

Paralelamente, como facilmente se compreende, a ampla variedade e pluralidade de problemáticas e de elementos naturais somente são passíveis de representar por via de uma equivalente multiplicidade de práticas artísticas e média. Por isso, a exposição é composta por uma heterogeneidade de objetos, desde os mais científicos, caso de modelos e amostras de matérias físicas resultantes de observações em campo, documentação imagética e textual, fotografias, mas também pinturas, litografias e ilustrações, até aos elementos mais criativos, tanto visuais como escultórios, instalações, vídeos, filmes, produções sonoras ou modelos 3D. Acrescente-se, ainda, que a maioria dos objetos expostos se reportam a questões espácio-temporais, dimensões determinantes tanto na esfera da ecologia como da estética.

Ora, relativamente à última, é importante destacar que a experiência estética que se desenvolve ao longo da exposição é pautada por densidade e singularidade aos mais vários níveis. Encontrando-se o ZKM, espaço amplo e estrutura industrial, ocupado por inúmeros estímulos visuais, sonoros e físicos, materiais, digitais e virtuais, artísticos, científicos e tecnológicos, interativos e imersivos, instala-se um percurso profundamente experiencial e sensorial e, ao mesmo tempo, intelectual, sugestivo de pensamento e reflexão, devido ao tema que carrega e aos textos que o traduzem. Ainda, finda a visita, verifica-se, por um lado, que a tecnologia proporciona inéditas e revolucionárias formas de aproximação entre o homem e o mundo, e, por outro lado, que independentemente dos mais variados temas e contextos, o universo da estética subsiste, sendo que, como Gilbert Simondon refere, o objeto estético é "um prolongamento do mundo natural e do mundo humano" (Simondon, Du mode d'existance des objets techniques, 1989: 187).

Por certo, o cruzamento entre arte, tecnologia e ciência tende a aumentar e instituições como o ZKM são lugares privilegiados para desenvolver projetos deste caráter. Paralelamente, encontrando-se as globais questões ecológicas em contínuo agravamento, sobressai a urgência em propor novas políticas ambientais, as Earthly Politics, como anuncia o título da exposição. Este é também um apelo à mudança e às mobilizações sociais, havendo, entre as obras de arte e os textos que compõem a mostra, secções relativas a intervenções, propondo, precisamente, agir e intervir. A estrutura expositiva é também determinada por uma divisão em seis áreas, sugerindo a primeira, enquanto ponto de partida, Starting to observe! - começar a observar, no âmbito de, como se aclama no último momento expositivo, Becoming terrestrial, ou tornarmo-nos terrestres.

Por último, a presente exposição sobre a crise ambiental coincidiu com a crise pandémica viral e, apesar de não ser imediatamente perceptível a sua relação, ambas convocam questões centrais: refletem o desequilíbrio do presente, das condições de vida e requerem novas políticas ecológicas, territoriais e sociais. É, pois, necessário repensar a existência do planeta e a intervenção do homem e abandonar o pensamento narcísico e antropocêntrico, tão característico da contemporaneidade, pois, para a Terra não há "individual", somente "colectivo" e “global”.

 

 

 

Constança Babo
Doutoranda em Arte dos Média na Universidade Lusófona do Porto e bolseira FCT, tendo como área de investigação o objeto artístico dos novos média e os seus modelos expositivos. É mestre em Estudos Artísticos - Teoria e Crítica de Arte pela Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto e licenciada em Artes Visuais - Fotografia pela Escola Superior Artística do Porto. Tem publicado artigos científicos e textos críticos.