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JOãO FERRO MARTINS
LIZ VAHIA
10/10/2022
João Ferro Martins (Santarém, 1979), licenciou-se em Artes Plásticas na ESAD, Caldas da Rainha. Vive e trabalha em Lisboa. A sua obra de instalação e de cariz escultórico desenvolve-se predominantemente em torno do universo do Som e da Música, a sua formalidade é caracterizada pela justaposição ou pelo deslocamento de objectos triviais e o trabalho pictórico, dominado pela simplicidade e pela síntese cromática. Também produz trabalho em filme, vídeo, fotografia e cenografia. É fundador, juntamente com Hugo Canoilas, do coletivo A kills B, e com André Tasso e Bruno Humberto do projecto de música improvisada Catarata.
Prestes a apresentar uma nova obra entre o concerto e o palco de teatro, João Ferro Martins conversou com a Artecapital sobre o seu processo de trabalho, assente numa poética e performance da materialidade, qualquer que seja o formato. Como o próprio diz, “o trabalho é todo o mesmo, coloco a mesma energia em tudo e julgo que alguém que ouça a música, veja uma acção performativa ou visite uma exposição vai perceber perfeitamente que tudo vem do mesmo lugar.”
Por Liz Vahia
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Soundscape #1 (2007), João Ferro Martins. Imagem cortesia do artista.
LV: Vi recentemente uma obra tua na exposição colectiva “Garganta”, patente no CIAJG até este mês de setembro, intitulada “Soundscape #1” (2007), e pareceu-me que podia ser paradigmática do trabalho. Porque no teu trabalho há uma verdadeira “poética do som”, na medida em que a poesia não pode dispensar as palavras concretas que usa, também o som no teu trabalho não sobrevive sem vermos a sua origem material. Há no teu trabalho um pensamento que conjuga a materialidade e a imaterialidade: o som são os equipamentos/instrumentos sonoros, a imagem é a máquina fotográfica, a pintura é o opaco, a cor que se sobrepõe a algo. Concordas?
JFM: Concordo sim, é uma forma de agir que atravessa o meu trabalho diagonalmente. Eu parto quase sempre para uma operação no sentido de uma certa desconstrução. E quase sempre essa desconstrução passa por questionar as lógicas técnicas ou o discurso dessa mesma operação. O que acontece, para além da vertente visual da obra é que o discurso passa muitas vezes pela exposição desse desarticular dos próprios meios que suportam a ideia. Daí uma certa ambiguidade das obras, por um lado falam de um assunto mas que na resolução, ora técnica, ora poética desconcerta o conceito originário. Por vezes o gesto é tão simples como tornar algo impróprio para uso, com alguma classe, e assim dar-lhe uma oportunidade particular no lugar da fruição estética.
LV: Essa questão da materialidade do objecto parece-me bastante importante no teu trabalho, a um nível mesmo conceptual. O objecto vive nessa materialidade e mesmo deixando de ter um uso funcional, ou de estar completamente destruído e impedido de qualquer função, ele mantém essa identidade objectual. Como é que te aparecem os objectos que vemos nas tuas obras? Há uma actividade de acumulação para futuro uso, ou procura-los especificamente?
JFM: Acho que os procuro especificamente para os acumular! :P A coisa que pode diferir é se ficam muito ou pouco tempo à espera de ser alguma coisa. Mas sim, claro, às vezes sou atraído por qualquer coisa particular e vou à procura. Também acontece, por via de uma experimentação que tenha feito, descobrir um tipo de objecto que mostra um certo potencial. Por exemplo, é normal que o trabalho em cenografia e com as tecnologias de palco acabe por contaminar o trabalho das Artes Plásticas que é de onde venho.
LV: Em termos de processo de trabalho, como concilias todas as tuas actividades musicais e performativas, que acompanham também a tua produção artística e têm grande visibilidade? É uma busca por uma presença colectiva a par com uma experimentação individual? Tens o mesmo grau de envolvimento com essas actividades que, na realidade, nem são bem “extra” trabalho plástico, pois não?
JFM: Acho que em termos de visibilidade, as Artes Plásticas é onde estou cimentado. Nas outras áreas fui sempre mais tímido e, de certa forma, também ainda não lhes dei o tempo suficiente. Mas o trabalho é todo o mesmo, coloco a mesma energia em tudo e julgo que alguém que ouça a música, veja uma acção performativa ou visite uma exposição vai perceber perfeitamente que tudo vem do mesmo lugar. Eu sempre vi a produção artística como uma coisa total e por isso sempre me foi difícil estar cingido a uma tecnologia, a uma forma de criar discurso. Acho que é algo que vem de uma curiosidade extrema e de uma tendência para complicar a minha própria vida, no bom sentido. Não consigo abdicar daquilo que sinto em cada uma das áreas de trabalho porque sou deslumbrado pela poética da técnica e cada uma destas áreas tem as suas particularidades e subtilezas.
Escultura automática #4 (2017), João Ferro Martins. Imagem cortesia do artista.
LV: Vamos poder ver muito em breve, no encerramento do Momento II do Temps d’Images, um espectáculo teu e do Alexandre Pieroni Calado, intitulado “LEBRE”. No texto de apresentação, diz que “é um espectáculo da palavra enquanto imagem-tempo”, queres falar-nos um pouco do que se trata?
JFM: É um trabalho para palco que tem também uma versão em concerto, ou vice-versa. Parte da figura mitológica do Hermes e vem na consequência de um outro trabalho que se poderia dizer de Teatro físico, com banda sonora e voz-off. Aqui decidimos que a voz seria feita ao vivo o que no fundo isso é a base do Spoken word e do Hip hop. O trabalho é estruturalmente a desmontagem da ideia de concerto sobre a qual trabalhamos conceitos ligados aos atributos de Hermes, uma figura totalmente paradigmática dos nossos dias. Ligada ao discurso e às encruzilhadas.
Está a ser um trabalho muito estimulante de música e performance com pessoas de quem gosto muito, e com quem é um enorme prazer trabalhar.
A questão imagem-tempo é tão simples como o facto de ser uma peça de palco onde se criam quadros vivos e que discorre linearmente mas aqui a palavra ganha um protagonismo especial por via da sua manipulação a diferentes níveis. A ver...
Mais informações poderão consultar no site do Temps d'Images. https://tempsdimages-portugal.com/programacao/
LV: Alguém que tem tantos projectos diversos, há alguma coisa que ainda guardes para fazer? Alguma valência que gostasses de experimentar?
JFM: Sim, completamente, tenho projectos específicos, coisas que quero fazer na área da Agricultura, a sério! E, certamente, na área da Cerâmica. ;)