|
JOãO PEDRO VALE E NUNO ALEXANDRE FERREIRA
LIZ VAHIA
Na Calçada Dom Gastão, na zona do Beato, Lisboa, situa-se o Bregas, o atelier de João Pedro Vale e Nuno Alexandre Ferreira. Não é um atelier convencional, pois ali não decorrem só as acções que estão nos bastidores de qualquer projecto artístico. Ali acontecem eventos de qualquer ordem, workshops, exposições e o que mais se propuser. A Artecapital foi conhecer a génese do projecto e os eventos que se avizinham.
Por Liz Vahia
>>>
LV: Aqui há uns anos a zona de Xabregas/Beato era um hiato entre o grandioso (para usar um termo caro ao vosso espaço) Terreiro do Paço e o moderno Parque das Nações. Entretanto, surgiram ali vários espaços ligados às artes visuais. Como é que foram parar à Calçada Dom Gastão?
JPV+NAF: Fomos lá parar porque um coleccionador do nosso trabalho comprou o prédio e propôs-nos ocupar a loja e o armazém na cave por um período de 10 anos. Não estávamos propriamente à procura de um atelier, até porque continuamos com o nosso atelier nas Olaias, mas este convite coincidiu com o período em que estávamos a produzir o cenário e os figurinos para o “Quebra-Nozes, Quebra-Nozes” da CNB e por muito grande que fosse o nosso espaço nas Olaias, precisávamos de um lugar maior para aquele projecto específico. Para além desta questão do espaço de trabalho, sempre pensámos que seria interessante abrir o atelier a outras actividades que não se circunscrevessem à nossa prática artística e este novo espaço proporcionava-se a isso.
LV: O vosso atelier chama-se Bregas. Com esta atribuição de nome, além do jogo linguístico, houve uma intenção de individualização do espaço como local e uma autonomização das vossas pessoas como artistas? Ou seja, esse espaço recatado que normalmente é o atelier do artista, aqui ganha uma dimensão aberta e colectiva e destacada do nome dos autores.
JPV+NAF: Chamámos BREGAS porque achámos graça uma vez que estamos em Xabregas. Na realidade devia chamar-se Beato que é o nome da freguesia, mas esse nome fica guardado para algum evento mais recatado. Por enquanto somos BREGAS.
A criação de um nome para o espaço autónomo do nosso, prende-se apenas com a criação de um sentimento de pertença por parte de quem lá vai fazer coisas. BREGAS como um espaço comum onde todos podemos trabalhar e não o atelier do João Pedro e do Nuno que as pessoas visitam ou que ocupam temporariamente. A ideia é que sintam que o espaço também é delas.
Para além disso, mais do que o nome de um espaço, entendemos o nome como o título de um projecto colaborativo que vai acontecendo naquele lugar ao longo de determinado período de tempo. Nunca pensámos o espaço de atelier como um lugar recatado, nem tão pouco acreditamos nisso. Nós tanto podemos estar a produzir no espaço do atelier, como em casa, na praia ou a sair à noite. Nos nossos últimos projectos as colaborações começaram a ganhar uma grande relevância, nomeadamente nos filmes que realizamos ou nas colaborações com pessoas de outras áreas como o teatro, a dança ou a música, e talvez por isso, quando surgiu o BREGAS, o espaço apareceu sempre como um lugar de construção de ideias e pertencente a uma comunidade em constante mutação. BREGAS funciona mais como nome dessa comunidade do que o nome da localização do espaço ou título de um projecto. E quando falamos de comunidade incluímos não só os criadores mas também o público que nos visita e que se interessa pelas propostas apresentadas.
LV: No Bregas há eventos, workshops, exposições e também residências de outros artistas. Como é que surgem essas colaborações? São convites? São propostas?
JPV+NAF: As actividades no BREGAS foram surgindo de uma forma bastante orgânica e muito pouco programada e foi nesse âmbito que as colaborações se foram desenhando. Um dia o Gabriel Abrantes ligou-nos a perguntar se sabíamos de um espaço para alugar. Na altura estávamos a trabalhar em casa, de volta do computador e pesquisas para um projecto e por isso havia muito espaço no BREGAS para aquilo que ele precisava: estava de volta de umas pinturas e da construção de uns props para um filme. Antes mesmo de ele ter começado a trabalhar no espaço já tínhamos combinado com o Nuno Almeida e Silva que está a morar na Alemanha, que quando viesse de férias para Portugal na altura do Natal, podia ir trabalhar para Xabregas. De repente tínhamos dois artistas a trabalhar no espaço durante um determinado período de tempo e achámos graça chamar “residências artísticas” a estes períodos de tempo e no fim fazer uma apresentação dos trabalhos ao público. Mas na realidade essas apresentações são apenas uma desculpa para chamar toda a gente para passar por lá e beber uns copos! Foi assim o primeiro “Grandioso Fim de Semana no BREGAS!”. O Gabriel fez a projecção de um filme e o Nuno mostrou as pinturas que tinha feito. Ao mesmo tempo, a Vânia Rovisco falou-nos de um projecto que estava a desenvolver e que gostava de mostrar no BREGAS e iniciou-se assim uma colaboração com ela. Nesse primeiro fim de semana abrimos as portas para o público poder assistir a um ensaio dela com o Romeu Runa e a partir daí ela começou a ser uma artista residente de todos os grandiosos fins de semana.
Quando desafiámos o Miguel von Hafe Pérez para comissariar uma exposição para o espaço, a lógica das residências já tinha sido iniciada e por isso foi como curator residente que ele ocupou o espaço com a exposição colectiva “Humidifique-se!”. Os workshops desenvolvidos pela Susana Mendes Silva e pela Alice Geirinhas já são uma consequência dessa exposição proposta pelo Miguel, ou seja, as propostas vão sendo activadas umas pelas outras, sem grande linha programática e isso permite-nos decidir as coisas em cima do momento e activar projectos que podem não estar circunscritos ao espaço, como ppor exemplo, o fanzine que resultou desses workshops da “Girlschool” e que elas vão lançar em parceria com a STET.
LV: Isso influencia o vosso trabalho regular no espaço? Como é que se adaptam?
JPV+NAF: Somos constantemente influenciados, quer pelo que se passa à nossa volta, quer pelas pessoas que nos rodeiam e os convites que fazemos para o Bregas estão directamente relacionados com essas dinâmicas. Não é pela convivência no espaço de trabalho que essa influência é maior ou menor. A ideia é potenciar a energia que existe entre as várias pessoas que ali trabalham. O objectivo não é o de desenvolver um trabalho em colaboração, mas sim um projecto resultante de uma co-existência. O produto dessa co-existência é o conteúdo do Bregas.
Depois existe uma questão práctica que tem a ver com necessidades de adaptação mas que se prendem com o tipo de trabalho que está a ser desenvolvido em cada momento e que tem de ser gerido entre os artistas, definindo o período de tempo em que cada um está a desenvolver determinado projecto, qual a parte do atelier que cada um utiliza, etc.
LV: O Bregas online vende produtos. Como é que os produtos se tornam bregas o suficiente para irem parar online? Há coisas desenvolvidas especificamente a pensar na venda online?
JPV+NAF: Há uns anos, e porque o atelier nas Olaias consiste num espaço inicialmente pensado para uma garagem, fizemos um projecto chamado “Garage Sale”. O projecto partia das vendas de garagem da Martha Rosler, e basicamente consistia num atelier aberto onde colocámos à venda uma série de objectos que iam desde obras de arte a roupas que já não usávamos. Parte desses objectos eram restos de materiais de peças que tínhamos feito ou material comprado mas que nunca tinha chegado a ser usado.
O que é certo, é que este projecto nos fez perceber que existiam uma série de objectos que fazem parte do nosso corpo de trabalho mas que nunca tinham sido mostrados em exposições e objectos em série que por alguma razão, não só não tinham sido vendidos, como não encontravam lugar numa lógica de mercado à qual estávamos habituados.
Não voltámos a fazer nenhuma “Garage Sale” mas com o BREGAS decidimos criar uma loja online onde esses objectos pudessem ser vendidos. A lógica nunca foi a de criar uma edição limitada de um objecto para vender, foi mais a de poder difundir por exemplo uma t-shirt da qual só existem 25 exemplares e que tanto pode ser comprada por alguém que a entenda como uma obra de arte ou por alguém que apenas gosta da t-shirt para usar no ginásio! Usei a t-shirt como exemplo porque existe uma t-shirt que foi o único produto que foi pensado especificamente para ser vendido nesta plataforma.
Desde o início que foi pensado como um meio de difundir objectos do BREGAS, sendo concebidos por nós ou por outros artistas, nomeadamente publicações, edições de música, etc.
LV: Que podemos esperar ver em breve no Bregas? Há alguma coisa que queiram já anunciar?
JPV+NAF: A 28 e 29 de Maio vamos fazer o “Terceiro Grandioso Fim de Semana no BREGAS!”. No Sábado, dia 28, abrimos a porta às 18:00 para mostrar a instalação que o Tiago Alexandre tem estado a fazer neste último mês, mais tarde, por volta das 20:00 o Miguel Faro mostra um conjunto de filmes, desafiado pelo Pedro Faro que no dia seguinte desenvolve um programa em torno da obra de Julius Eastman com conversa, documentário e concerto, marcando desta forma a data em que o compositor morreu em 1990. Para este programa Pedro Faro convidou ainda Irene Flunser Pimentel e desafiou a Vânia Rovisco para desenvolver uma performance específica para este evento. Para além disso haverá ainda o lançamento do fanzine resultado do workshop “Girschool” da Susana Mendes Silva e da Alice Geirinhas.
Entretanto muita coisa pode acontecer, mas ainda este ano vão passar pelo BREGAS a Rita Morais em residência para o seu projecto “Longo Curso”, o Horácio Frutuoso, o Nuno Nunes-Ferreira com uma instalação em paralelo com a sua primeira exposição individual na vizinha Baginski, o Alexandre Melo, o Vasco Araújo, entre outros.
Nas ruas de Xabregas, e no âmbito do projecto “Poster”, estará um cartaz feito no BREGAS e que antecipa o nosso projecto “Palhaço Rico Fode Palhaço Pobre”, uma peça de teatro que irá estrear em Lisboa em Março de 2017 na BoCA – Biennial of Contemporary Arts e para o qual já estamos a trabalhar.