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RUI CALçADA BASTOS
LIZ VAHIA
Mesmo a terminar a exposição patente no MAAT desde Novembro de 2016, intitulada “Walking Distance”, Rui Calçada Bastos conversou com a Artecapital sobre algumas das temáticas presentes na mostra e recorrentes no seu percurso artístico. O mapa das cidades, afectivo, geográfico, urbano, a ideia de viagem como parte do processo criativo, a eterna recolecção de imagens e as memórias dos locais e objectos. De regresso a Lisboa depois de mais de uma década de ausência, Rui Calçada Bastos recebe a Artecapital no seu atelier.
Por Liz Vahia
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LV: Regressaste recentemente a Lisboa, depois de 13 anos de permanência em Berlim. Na exposição que esteve patente até esta semana no MAAT, “Walking Distance”, passavas de algum modo a ideia de um encurtamento de distâncias entre espaços, entre as cidades com que te relacionas/relacionaste. Como enquadras Lisboa nesse mapa afectivo que vais construindo? Está sempre lá ou vai aparecendo e desaparecendo?
RCB: Lisboa estará sempre nesse mapa afectivo.
Desde os 16 anos que saí de Lisboa mas sempre a mantive próxima. A certa altura senti uma enorme distância de Lisboa, mas sempre me pareceu um movimento natural voltar a ela.
Trata-se de um processo sempre diferente porque quando se retorna já não se é o mesmo e a própria cidade também não é a mesma. Esse é um dos processos que me interessam, essa constante redescoberta da cidade que se transformou da mesma forma que nós nos transformámos durante a nossa ausência.
Neste momento acabei mesmo por voltar a residir em Lisboa. Não sei se por muito tempo, mas parece-me que por agora é o que faz mais sentido. Estou nesse momento de redescoberta e tenho tido belíssimas surpresas.
LV: As peculiaridades geográficas das cidades fazem parte da tua identidade biográfica? Gostas de “regressar aos sítios onde foste feliz”, nem que seja só uma evocação?
RCB: Ao irmos para uma cidade pela primeira vez estamos num constante estado de alerta. É quase como que uma urgência em guardar tudo apenas com um olhar.
O que me interessa na vivência em diferentes cidades é o acumular dessa experiência. Não só geográfica como humana. É aí que reside a tal identidade biográfica que falas.
Tive a sorte de ter saído de Portugal muito cedo na minha vida e ter tido contacto com culturas muito diferentes que construíram aquilo que sou hoje.
A experiência de retorno a certos sítios depende bastante da duração da tua estadia, assim como daquilo que fomos capazes de construir enquanto aí vivemos. Existem vários factores que acabam por hierarquizar de alguma forma a importância que lhes atribuis. Apenas tendo a noção disso é que sou capaz de construir no meu imaginário a melhor forma de a evocar.
LV: A peça que estava no centro desta exposição, um conjunto de caixas de cartão empilhadas num equilíbrio instável, lembrava essa mudança recente na tua vida. Não só havia ali um constatar do lado material da viagem (as coisas físicas que pesam e que não desparecem e se querem levar), mas também um alertar para uma situação de equilíbrio difícil entre momentos de partida e de chegada. A mudança, e o sentimento de presença/ausência que se experimenta, é um tema recorrente no teu trabalho. Podemos dizer que esta peça é a mais próxima da tua vivência actual, como artista recém chegado?
RCB: O que decidimos transportar connosco em momentos de mudança tem sido uma questão que me interessa no meu trabalho há já algum tempo.
O vídeo Studio Contents (2005) e a série All I Had – fotografias dos meus pertences nos meus diferentes ateliers no dia em que os abandono - são alguns dos trabalhos que tentam falar disso. No fundo é como se estivesse a voltar a reflectir sobre a mesma coisa de uma forma diferente.
Esta peça que esteve no MAAT até ao dia 16 de Janeiro - Untitled 2016 - surge de facto no momento em que decidi voltar a Portugal e uma vez mais tive que passar pelo processo de empacotar os meus pertences. Durante esse processo pareceu-me tudo muito frágil, exactamente pelas razões que falei anteriormente. É um retorno a algo que conheço, mas onde tanto eu como a própria cidade se transformaram ao longo dos últimos 13 anos.
O que levo comigo e o que deixo para trás? Qual a importância daquilo que transporto? Qual é o processo de selecção? Como transporto tudo isso comigo de volta?
Tentei pensar esse sentimento de dúvida que é o processo de retorno. Nesse sentido, talvez seja a peça mais auto referencial de toda esta exposição a par do Love Map – Walking Distance (2016).
LV: Neste momento tens um atelier em Campolide. Qual é o papel do atelier num processo criativo como o teu, caracterizado pelo nomadismo, pela viagem e pelos fragmentos visuais desse périplo? O que é que o atelier, como espaço fixo, te oferece?
RCB: Gosto de pensar que tenho dois ateliers. Um é a cidade. O outro é um qualquer espaço no sentido mais comum da palavra. Neste momento é o que tenho em Campolide.
Para mim a cidade e a sua observação é um enorme atelier onde eu posso trabalhar. Não só fotografar como “roubar” certas coisas e levar para o meu outro atelier.
É nesse outro atelier onde as coisas começam a ganhar forma. Onde começo a fazer relações entre todo esse material que fui recolhendo. É no fundo onde eu trabalho essa “base de dados” que fui criando através da minha experiência nos vários ateliers/cidades por onde fui passando. Um depende do outro.