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VOSTOK, maquete, 2013.


VOSTOK, maquetes, 2013.


GRAO, Making of da filmagem da maqueta em 16 mm, 2016.


THE BLUE NIGHT, maquetes, 2017.


THE BLUE NIGHT, maquetes, 2017.







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LETíCIA RAMOS

LIZ VAHIA


29/09/2018 

 

Vencedora do prémio BES Photo em 2014, Letícia Ramos tem patente até 31 de Outubro a sua primeira exposição individual em Portugal, intitulada “A Grande Onda”, na Galeria Filomena Soares, em Lisboa. A artista brasileira, conhecida pelos seus aparatos de captação de imagens, que a própria fabrica, e pela pesquisa à volta da construção da imagem fotográfica, fala-nos nesta conversa da importância da sua formação inicial em Arquitectura, do processo de trabalho no resultado final da obra, no questionamento da fotografia como “verdade absoluta” e nos projectos que a ocupam actualmente.

 

Por Liz Vahia

 

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LV: Começaste por estudar arquitectura e urbanismo e depois acabaste por fazer o curso de cinema. No entanto, é à fotografia e à criação de aparatos fotográficos para a captação de imagem e movimento que sobretudo associamos o teu trabalho. Podes fazer um breve resumo do teu percurso até chegares ao que define hoje a tua prática artística?

LR: A arquitectura moldou a minha forma de ver o Espaço, a pensar desenhando e a representar graficamente o mundo. A construção e projecto são elementos que fazem parte do meu trabalho até hoje. Creio que herdei desta formação, que é muito ampla, a forma com que me aproximo dos assuntos que pesquiso e como resolvo meus trabalhos.
Ainda durante a faculdade de Arquitectura comecei a usar a fotografia nos meus projectos, na época apenas analógica, claro, então revelava meus filmes, fazia copia, tinha laboratório. A fotografia e o desenho sempre estiveram na minha forma de pensar.
Iniciei minhas pesquisas artísticas construindo câmaras específicas para fotografar paisagens. Estas câmaras sempre partiam de um pressuposto físico.
Desde então o trabalho evolui para a construção da paisagem e da própria imagem, criando dinâmicas, suportes e cenários que me permitem criar outros mundos. São novas máquinas, maquetas e miniaturas capazes de construir paisagens, juntas à realização de pequenos truques para a realização de filmes de ciência de ficção.
Neste sentido, também investigo a própria matéria da fotografia, a prata sensível como suporte para o trabalho. Crio projetos onde não há a existência de câmaras, onde a imagem se constitui diretamente sobre o filme ou papel fotográfico.


LV: Presumo que tenha havido alguma vez nesse percurso um desejo de que a obra revelasse ao público esses elaborados processos construtivos que caracterizam o teu trabalho. Lembro-me que abordaste precisamente essa questão do como trazer o processo de trabalho para a imagem na conferência que deste em Maio último na Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa, dizendo que é no “mistério” da imagem que está essa revelação ao público. Consideras que o teu trabalho habita esse hiato entre o processo e o resultado que daí advém? O processo não é apenas processo, ele já faz parte da obra?

LR: Cada vez mais acredito na importância de não codificar a origem da imagem. O que é, como foi feita, passado do presente e do futuro são questões que provoco no espectador. Quando percebo que estas questões surgem sinto que o processo tomou conta da narrativa do trabalho. Acho que por fazer fotografia desta forma, onde o constructo seja a câmara seja a paisagem é realizado o processo transborda a imagem.
Este mistério, este mundo desconhecido habita as minhas narrativas, o processo técnico é uma segunda camada, que complementa e que em si em sua pesquisa possui uma outra narrativa, às vezes épica.
Eu sou uma artista que gosta de trabalhar no ateliê, gosto de construir, máquinas, traquitanas e imagens. Gosta de despender horas no laboratório de fotografia, gosto de pesquisar. Este é o meu processo artístico e o trabalho que resulta dele esta impregnado por estas etapas. Acho que nas minhas exposições tenho mostrados muitas narrativas que estão em processo. Grupos de trabalhos não tão fechados dentro de uma mesma ideia e que apontam para o futuro da pesquisa. De alguma forma, isso que seja falar do processo criativo e técnico de cada obra, passa para o espaço expositivo. Cada vez mais tenho experimentado esta ideia de não encerrar cada projecto dentro de si mesmo, de uma mesma temática, mas relacionar com outras series que dão conta das questões similares porem com preocupações formais diferentes . Em alguns momentos o processo pode servir inclusive como prova para a construção da ficção. Esta medida entre o que é obra e o que é processo varia a cada exposição.
Há casos em, esta demonstração processual pode ser mais explicita , como a instalação site specific “Sismógrafo” que faço agora no PIVO em São Paulo . Nesta instalação composta por um filme 35mm, um grande looping cruzando o espaço, uma maquina sismógrafo e um projetor, um filme em processo esta sendo projetado. Na passagem pelos loopings, o filme vai sendo gravado com os abalos e movimentos do espaço, da máquina e das instabilidades da instalação. Ao final do período da mostra o filme, os abalos deste espaço e acidentes do filme estarão registrados na película que dará origem a um novo trabalho em filme.
Neste caso específico, o processo de construção do trabalho se torna escultórico e performativo.


LV: No teu trabalho um determinado tipo de imagem surge com a construção de uma câmara específica ou resultado de um procedimento concreto, o que perturba a visão tradicional de fotografia como reprodução. Achas que isso questiona o que é entendido como uma imagem fotográfica?

LR: Não se trata exactamente de questionar a imagem fotográfica, mas o seu status de verdade absoluta. Este procedimento que a desloca do mundo e do tempo é a linguagem. É a forma como eu conto as minhas histórias e represento o mundo fantástico que crio. Uso a fotografia para explorar a imagem do inexplicável. É da dicotomia entre obsolescência e a reciclagem das invenções fotográficas que se dá a confusão das temporalidades da pesquisa. O meu trabalho é ficção que acredita na capacidade de imaginar realidades possíveis, de prever o futuro e de ter visões de um passado que ainda irá existir.


LV: Neste momento tens patente na Galeria Filomena Soares, em Lisboa, a tua primeira exposição individual em Portugal, intitulada “A Grande Onda”. Poderíamos dizer que esta exposição retorna de certo modo à origem do fotográfico: a impressão da luz sobre o papel. Queres falar um pouco sobre este conjunto de trabalhos?

LR: A exposição A Grande Onda fala um pouco da ilusão, da miragem, da sombra. Usa a fotografia como suporte pictórico e metáfora para falar sobre isso.
Parto do evento que acontece no Algarve no fim dos anos 90, onde muitas pessoas vêem uma linha no horizonte e pensam que é um tsunami. As praias são evacuadas, as pessoas saem correndo, mas no fundo tudo se tratou de um efeito óptico que provocou uma miragem coletiva. Toda a exposição parte desta ideia do reflexo, da construção da miragem a partir da concretude do suporte fotográfico. Os fotogramas realizados a partir de esculturas, que em última analise registram a presença da escultura sobre o papel a partir da sua sombra e reflexo. A imagem torna-se única e testemunho material do efeito da luz.


LV: Este ano apresentaste também um novo projecto intitulado “A Resistência do Corpo”, reminiscente dos trabalhos de Eadweard Muybridge e Étienne-Jules Marey combinados com a situação actual relacionada com as manifestações de rua. São imagens aparentemente enigmáticas e ao mesmo tempo ultra-concretas na sua materialidade perceptível. Como se deu a génese deste projecto?

LR: Pesquiso muito a fotografia cientifica, as técnicas que são criadas para medições ou registro de eventos físicos. Gosto desta ideia de projeto fotográfico que cria protótipos e workflows para observar uma hipótese.
Dentre estas coisas, estava estudando os testes de eficiência produtiva de Lilian e Frank Gilbert, ao mesmo tempo que a fotografia de Edgerton. Eles utilizavam a fotografia estroboscópica como forma de entender a trajetória do movimento e também de visualizar e melhorar os sistemas produtivos mecânicos e manuais. Entendendo a trajetória do corpo como parte da máquina, melhorando os layouts de trabalho em prol da eficiência. O projeto “a resistência do corpo “atualiza esta pesquisa partindo de uma nova fabulação.
A palavra resistência pode ser vista de diferentes maneiras, a resistência como algo que está relacionado a limites de rompimento de materiais, a física, e simbolicamente outras tantas resistências, as transformações sociais, políticas e científica do mundo. Resistências que podem ser de mudança ou para mudanças. Resistência tem a haver com o limite das coisas. Visitei alguns laboratórios de Biomecânica que estudam a resistência e o movimento do corpo para o desenvolvimento de exoesqueletos e para pesquisas de equilíbrio em Parkinson, ambos utilizando um outro método fotográfico de traking de movimento com câmaras ultra tecnológicas, como as câmaras wacon, mas que tem como principio o que Gilbert desenvolveu.
Parti então de duas cenas contemporâneas que acreditava que juntas poderiam escrever uma narrativa de corpo resistente. Um jato d’água sendo arremessado contra uma pessoa e uma mão postando nas redes sociais.
Uni estes dois actos através da lógica da imagem cientifica, formando uma espécie de panorama simbólico de análise da uma cena.
Mas onde está a verdade das imagens científicas? Os dados científicos, gráficos, logaritmos, passam a ser o corpo, e o activismo revelariam uma outra construção análoga as imagens reais?
Busco é um conjunto de imagens que juntas provoquem uma sensação. São imagens muito sedutoras, mas que nos colocam um enfrentamento fundamental de que a verdade se pode fabricar.


LV: Podemos saber que projectos te ocupam neste momento, uma vez que dizes que tens sempre vários “espalhados” na mesa?

LR: Em 2014 fiz um filme chamado VOSTOK que conta a historia de um submarino com um lago submerso na Antártida. Quando escrevi a historia do filme, pensei em uma situação em que inúmeras cápsulas do tempo, abandonadas por este submarino no lago submerso, começam a emergir devido ao desgelo polar. Esta cena é descrita no livro VOSTOK, mas no filme aparece apenas como uma esfera que submerge no fundo do lago. Neste momento estou escrevendo o projeto que continua esta história. Em que esta esfera ressurge na paisagem algumas centenas de anos depois.
Recentemente abri uma exposição intitulada Historia Universal de los Terremotos, no PIVÔ em São Paulo, onde mostro uma pesquisa que desenvolvi para a Fundación Botin na Espanha, que parte do terremoto de 1755 em Lisboa. Esta pesquisa foi amplificada com trabalhos de diferentes momentos que falam sobre a matéria fotográfica, seus vestígios e imprevisibilidades. Neste sentido, também tenho pesquisado o uso do fotograma no filme 35mm, na criação de filmes sem câmaras a partir da sobreposição direta de objetos sobre a emulsão.