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COLECTIVA[TEMPO] DESTEMPO![]() PLATAFORMA REVÓLVER Rua da Boavista 84 1200-068 Lisboa 17 NOV - 31 DEZ 2022 ![]() ![]()
O curador Ricardo Escarduça induz por [tempo] destempo à flutuação entre a ubiquidade do presente e a impressão de um retorno constante ao passado, que nos remete para a queda do tempo histórico de Jean-Luc Godard, cineasta francês, que reinventou a sétima arte através do apelo à “morte do cinema”. Todavia, Bergson, no seu “Ensaio sobre os dados imediatos da consciência” (1889), já nos tinha anunciado esta rutura com o passado linear, para se manifestar numa densidade de tempo psicológico, que se desvanece na vida. Substitui-o, portanto, pela conhecida concepção bergsoniana – a “durée”. Entre a “durée” e a ondulação temporal contemporânea, presenciamos nesta exposição fragmentos, intervalos, ressonâncias e distâncias do corpo, ausente no espaço. Numa espécie de perturbação espacial, entrelaçamentos de diferentes discursos estéticos das várias obras de arte, mergulhamos na fissura da descontinuidade dada pela duração em [tempo] destempo. A fluidez continua a transparecer para além da matéria. As obras de arte dialogam entre si, como se espelhasse a ausência de fronteiras cujos caminhos rompem a dimensão espaço-tempo e a própria matéria. O espectador testemunha uma vivência de um mundo fragmentado dado pela temporalidade do presente no espaço, a deambulação do ser e a própria entropia da natureza. Desloca-se do esvaziamento à deterioração, um constante fluir sem retorno. Tudo é efémero. Tudo é movimento. Tudo oscila no espaço e no tempo. Criam-se ritmos, passagens e diálogos. Fragmentos espácio-temporais. Das obras de arte, nasce no lugar um murmúrio ininterrupto do tempo e, através da alternância do ritmo entre as matérias, a natureza dissipa-se. O observador devaneia no espaço, desvenda as várias linguagens entrecruzadas entre si, aspira a descoberta estética no deslindar do que cada artista invoca em [tempo] destempo. Em Miguel Ângelo Rocha, nas suas esculturas “Nome #1” e “Nome #2” (2022) o movimento emerge como um tempo vivido. No passado e no presente, as formas lineares desenhadas em madeira, em curvas e contracurvas, desdobram-se em vários momentos, cuja memória de um pensamento se manifesta num híbrido de uma estrutura arquitetónica orgânica. O escultor desenha e redesenha linhas e formas curvilíneas, corta e junta partes de madeira, projetando-as na tridimensionalidade pela organicidade da forma no espaço. A escultura eleva-se em contraponto com a organicidade que se desdobra no chão, contrariando, assim, o peso e o dinamismo no espaço e no tempo. Convoca-se ambiguidade e a impureza da forma, que se traduz numa aparência quase biomórfica das formas naturais dos elementos, aludindo a um fluxo semelhante às correntes naturais. Isto é, lança-nos para a flutuação de linhas magnéticas, ou das vibrações sonoras.
Dalila Gonçalves, Vazios, 2019. © Mandy Fraga
Continuando a deambular pela exposição, as obras comunicam entre si no espaço, Rita Gaspar Vieira, Dalila Gonçalves e Edgar Massul. Entre instalação, desenhos e objetos, destaca-se a peça “Em branco” (2022) de Rita Gaspar Vieira, pela sua dimensionalidade volátil, que rompe quaisquer conceitos de materialidade. Ondula entre a desmaterialização, a textura subtil e o vestígio que o ser humano deixa através da sua passagem pelo tempo. As pegadas pousadas na superfície do papel marcam a ausência de um corpo, um rasto de um devaneio num espaço efémero. Em contrapondo, somos conduzidos às ressonâncias e vibrações entre as obras como em “Laivo” (2022) de Dalila Gonçalves, e “Wine Drawings #010 a #16” (2018) de Edgar Massul, a título de exemplo. Signos fenomenológicos culturais e naturais que marcam o compasso de tempo e espaço. O espectador continua a deambular entre fragmentos e discursos desencadeados. Presenciamos vacilantes objetos antropológicos de Dalila Gonçalves que nos lembram peças de artesanato mexicano, usadas como jogo lúdico pelas suas configurações e uso de materiais. Observamos o dinamismo da ação dada pelas garras de animais e formas esculpidas, aludindo a pássaros, ou peixes, que giram pendurados em espécies de bases, ou discos coloridos de diferentes diâmetros. Somos levados pela memória numa espécie de estado de consciência, que abraça uma experiência coletiva num soslaio de uma visão antropológica do lugar. Continuando a nossa deambulação no espaço, avistamos a obra “Ápice Lento” (2022) de Catarina Mil-Homens. A artista esboça, produz e combina ritmos e formas ondulantes em papel que se suspendem no dinamismo vibratório da linha. Delineia o ritmo como um padrão orgânico, ou uma ressonância musical quase magnética do espaço, ecoando em várias densidades rítmicas, e de repetições veladas entre elas, transfigurando a luz que cada uma reflete. Nas suas obras, Mil-Homens sobrepõe a subtileza da repercussão da linha, criando a tridimensionalidade na folha de papel com exatidão e elegância, que reverbera através das fronteiras do espaço. Da luz passamos para a noite, Edgar Massul dá-nos a subtileza do mundo fluido da água, onde tudo é mudança, transição e intangível. Por fim, somos confrontados entre a conversa de Miguel Ângelo Rocha e André Banha, entre a escultura que divide as noções de tempo e espaço, e a instalação intitulada “Segurei-te o pôr-do-sol”. André Banha faz alusão a um abrigo, convergindo o passado com o presente. Desvanece a “casa”, permanecendo apenas a memória. Dissipa-se na “durrée”, restando na efemeridade do momento que ela existiu, um ressoar de um ciclo que perdura para além do dia e da noite. [durée] il s’agit d’un «passage», d’un «changement», d’un devenir, mais d’un devenir qui dure, d’un changement qui est la substance même. (Deleuze [1966]. Le Bergsonisme, p.29.)
Joana Consiglieri
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