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EXPOSIÇÕES ATUAIS


Victor Gonçalves, Evento Sentinela (2025). Vista da exposição SALARIS - Ficções a Partir do Sal, Mina de Sal-Gema, Loulé, 2025. © Hugo Botelho


Victor Gonçalves, Evento Sentinela (2025). Vista da exposição SALARIS - Ficções a Partir do Sal, Mina de Sal-Gema, Loulé, 2025. © Hugo Botelho


© Victor Gonçalves


© Victor Gonçalves


Natália Loyola, Sem título (2025). Vista da exposição SALARIS - Ficções a Partir do Sal, Mina de Sal-Gema, Loulé, 2025. © Hugo Botelho


Natália Loyola, Sem título (2025). Vista da exposição SALARIS - Ficções a Partir do Sal, Mina de Sal-Gema, Loulé, 2025. © Hugo Botelho


© Natália Loyola


© Natália Loyola


© Natália Loyola


Maura Grimaldi, Cristal Negro (2025). Vista da exposição SALARIS - Ficções a Partir do Sal, Mina de Sal-Gema, Loulé, 2025. © Hugo Botelho


Maura Grimaldi, Cristal Negro (2025). Vista da exposição SALARIS - Ficções a Partir do Sal, Mina de Sal-Gema, Loulé, 2025. © Hugo Botelho


© Maura Grimaldi

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MAURA GRIMALDI, NATÁLIA LOYOLA E VICTOR GONÇALVES

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MINAS DE SAL GEMA DE LOULÉ - TECHSALT
R. Combatentes da Grande Guerra, 80
8100-616 Loulé

17 ABR - 16 MAI 2025

Cidades submersas, cidades invisíveis

 

 

As coisas mais fundamentais que compõem o mundo em que vivemos, nós não as vemos. O mistério fundamental do mundo pode parecer consistir nisso: que algo está oculto e permanece oculto. E a dúvida perante o seu funcionamento. Mas o desvendar de qualquer mistério não haveria necessariamente de ser um gesto metafísico, que nos leva aos caminhos ocultos do cosmos. O que não se vê, tantas vezes - aquilo que está escondido, fora da nossa vista - é uma plataforma de petróleo, uma mina de sal. A engrenagem de um elevador, as perfurações em alto mar.

A mina de sal-gema é uma dessas coisas fora da nossa vista. Não sabemos, majoritariamente, do que se trata. E não nos deparamos, quotidianamente, com a sua construção. Ao contrário da mina de Loulé, que surpreende pela sua centralidade. Erguida no meio da cidade, em um estacionamento descampado, a forma branca triangular de gesso revela-se, com muita humildade, como a sustentação de um profundo poço, em que um elevador afunda-se 230 metros abaixo da terra até um conjunto de galerias subterrâneas.

A formação rochosa que está por debaixo da terra são rochas sedimentares, originárias da evaporação de grandes corpos de água salgada, como antigos mares e lagos. De lá é retirado o sal-gema — um sal arenoso, diferente do sal marinho, que está presente em uma série de composições da vida inorgânica - soda cáustica e cloro, por exemplo - e tem como principal utilidade derreter estradas dos países do Norte e alimentar animais com ração - blocos de sal mineral.

O sal-gema é retirado dessas formações rochosas de mais de 200 milhões de anos, onde o sal se apegou às formações e é a parte superficial da sua pele. Em Portugal, há uma mina de sal-gema em Loulé, no Algarve, e outra em Rio Maior. No Brasil, elas estão localizadas sobretudo no Nordeste. A viagem até Loulé é longa, de Lisboa. Partimos do Marquês de Pombal e seguimos por 2h30 de autoestrada, entre Colibris e Vias Verdes, até aterrarmos no pequeno estacionamento, com um triângulo de gesso, no meio da cidade. Um pequeno estacionamento que guarda um pequeno poço, que por sua vez guarda um elevador, que guarda o caminho até uma verdadeira cidade subterrânea, feita de galerias que se estendem por 45 km abaixo da cidade.

Tudo isso, mesmo dizendo aparentemente tudo, não diz nada. Porque são raras as vezes que nos deparamos com uma mina no nosso caminho e mais raras as vezes em que descemos até o subterrâneo que a sustém. A televisão, deve-se dizer, não serve para nada. As imagens todas são uma mentira quando se trata da experiência do corpo. Nada é o que parece: as coisas são dotadas de densidade, luz, textura, sabor. Em cada corpo, humano ou não humano, existe a porosidade fundamental em relação a tudo que nos enreda e está à nossa volta. E essa experiência da sensibilidade nunca poderá ser traduzida por palavra ou imagem alguma. E digo isso porque minha cabeça ainda dói, depois de tê-la visto. E parece-me inacreditável ter voltado à superfície depois de ter descido tão profundamente. Mesmo a luz, quando se volta, parece inacreditável. O sol parece inacreditável. Inacreditável tamanha contradição entre luz e sombra, dia e noite, para quem fica algumas horas nessa cidade-galeria.

O sal-gema está no subterrâneo da terra ao mesmo tempo emparedado e deslizante, - paralisado pela falta de água e fixado pelo tempo. Só depois de termos posto os devidos equipamentos de segurança e entrarmos, apertados, dentro do pequeno elevador, é que podemos começar a avistá-lo. Ele se apresenta quando o sol vai perdendo a sua força, porque já descemos o suficiente. E o elevador que inicia a sua longa descida, de quase 5 minutos, em direção à cidade subterrânea que é a mina, é como um hospedeiro assíduo dessa visita quiçá deslumbrante.

Entrar na mina é descer 230 metros abaixo do ponto em que estamos, em Loulé. 30 metros abaixo do nível do mar. Ao primeiro impacto da descida, já começamos a enxergar, ainda tateando no escuro, as formações castanhas e negras, e o sal que escorre mas não escorre — um sal emparedado, um mar paralisado — nos andares e andares em que descemos sem termos a métrica e a noção da altura. Já aqui percebemos que o tempo começa a alargar-se e a perder-se. Não há nenhum relógio ou número para nos situar na descida. Só as formas rochosas à nossa volta.

Com algum medo pelo escuro e pela profundidade, vamos apertados nesse pequeno elevador até chegar ao chão de novo. O que é um alívio, mas amedronta. A pressão quando se chega deixa-nos atónitos. Mas mais do que isso, parece irreal que haja uma cidade debaixo de outra cidade. A minha tontura não sei se se devia à pressão ou a essa experiência estética. Aonde eu estava? Tudo parecia mexer-se, como se de um momento para o outro, sem mais nem menos, eu tivesse mudado de país.

Sento-me. Sentamo-nos. Há um banco largo perto dos elevadores em que ficamos à espera do restante das pessoas e do guia que nos acompanhará. Mareada, tonta, olho em volta e vejo um portão branco que nos diz que estamos em uma ante-sala. É difícil encontrar o ar, literalmente, para explicar. Quando abre-se o portão dessa ante-sala, todos já devidamente chegados, é que se percebe o tamanho das galerias, a verdadeira cidade subterrânea preparada e forjada pelos mineiros. O ar volta por um momento para depois ser-me retirado diante das centenas de metros de corredores e câmaras que se abrem à nossa frente.

Enquanto começamos a caminhar, percebemos não só o tamanho dos corredores, mas a sua extensão: a mina de sal-gema de Loulé se alonga por 45 km e é, não uma cidade, porque lá ninguém vive, mas uma galeria maior do que a própria cidade que está em cima da terra. Forjada por tratores e explosivos, há corredores de quase 10 metros de largura, onde passam caminhões e carros e andam pelas galerias subterrâneas levando as toneladas de sal.

Não é meu papel ser crítica de arte — nem o desejo. Depois haveria de falar sobre o que não quero, e uma pessoa precisa ter ar para respirar nos seus pensamentos. Ao contrário do que acontece na mina. E até agora a minha cabeça dói com a pressão atmosférica, com uma espécie de lembrança física que se alojou dentro de mim. Por isso, talvez mais do que falar sobre as obras, eu quisesse falar sobre a mina — mas as obras, entretanto, parecem falar sobre ou com a mina, elas são como feixes de luz que fazem a mina falar.

É por isso que delas acabarei por falar. Porque é assim que depois de caminhar cerca de 1km, completamente atónita pela imensidão de toda aquela arquitetura interior, e olhar para a história deixada pelos trabalhadores da mina - com suas santas e seus desenhos, suas assinaturas e sua presença - deparo-me à esquerda com uma primeira obra, que é a do Victor Gonçalves.

Ao olhar para a câmara escura e comprida do meu lado esquerdo, qual não seria a minha surpresa ao ver uma cama de sal de cerca de 40 metros, coberta com cerca de 1400 barcos de papel de origami sobre ela. A imagem é estonteante, também porque a iluminação é impecável. Guarda um ar de mistério e não se percebe bem tudo logo de rajada. Ao seguir lentamente a cama de sal e os barcos de papel é que percebemos: são 1308 barcos de origami sob o sal extraído de antigos mares e lagos feitos com o relatório da CPI que apurou o deslizamento e o desastre, ambiental e humano, da mina de sal gema em Alagoas, Maceió.

Com a impressão de um naufrágio ou como um gesto de esperança utópica - todos os abismos são navegáveis a barquinhos de papel, dizia Mário Quintana - aquela imagem ao mesmo tempo impactante e delicada, fala — entre tantas coisas para quem a vê, que é sempre coisa muito pessoal — sobre o deslizamento de uma cidade inteira construída sobre o signo da exploração - pessoas a perderem famílias e casas, enquanto a cidade desabava pela má construção da mina. Os móbiles de luz ao fundo, em forma de rocha, iluminados e iluminadores, falam: saem de lá as vozes do julgamento da empresa Braskem, responsável pela exploração da mina na região. As pedras falam? Perguntaríamos. Nesse caso, sim. O caso foi levado para a ONU, e também por isso foi levado a julgamento. 19 pessoas foram indiciadas por crimes ambientais, incluindo a apresentação de laudos falsos e exploração de recursos minerais sem autorização.

O desastre ambiental causado pela exploração de sal-gema pela Braskem em Maceió, Alagoas, é considerado um dos mais graves do Brasil. A extração de sal-gema pela empresa ocorreu desde a década de 1970, utilizando um método que envolvia a injeção de água para dissolver o sal e bombeá-lo à superfície, deixando cavernas subterrâneas sem sustentação adequada. O desastre afetou profundamente a vida de milhares de pessoas, com bairros inteiros sendo desocupados e transformados em áreas fantasma. A devastação causada pelo colapso das minas foi comparada por especialistas à de Chernobyl, devido à magnitude dos danos e à necessidade de evacuação em larga escala.

Como um gesto de memória ou uma espécie de lembrete, andar por aquela cama de sal capta ao mesmo tempo a violência necessária para abrir as minas e a conexão inextricável entre o que está em cima e o que está em baixo - seja a mina e a superfície, o sul e o norte, as cidades e as extrações que servem para construir as cidades. Depois de uma última escuta nas pedras feitas de abajur, luminescências de memória e luta política pela vida das pessoas que se envolvem, querendo ou não, nos grandes empreendimentos, nas grandes infra-estruturas, enquanto vivem suas vidas quotidianas e ao mesmo tempo históricas, pessoais e ao mesmo tempo colectivas, particulares e misturadas à história do mundo e da terra.

Ao sair de lá, na câmara logo à frente, um objeto cinzento acena, deitado na diagonal, reluzente em meio a uma pequena galeria. São as conexões quânticas-materiais ou as estranhas repercussões daquilo que é tocado que é o trabalho construído pela Natalia Loyola. Um objeto estranho, aparentemente sem nenhuma utilidade, retangular. A Natália já tinha feito um trabalho sobre o desastre de Brumadinho e a exploração do Pico do Cauê. Esses eventos estavam conectados, por meio de uma peça construída pela artista, numa caixa de metal que cuspia poemas sobre a região mineira à medida que as ações da Vale do Rio Doce - actualmente Vale S.A -, mineradora responsável pela exploração da região, subia ou descia da bolsa. As ações - nesse duplo sentido - da mineradora tinham um efeito muito material naquela caixa construída pela artista, da mesma forma que as ações da mineradora tiveram em Brumadinho - região que foi palco de outro dos maiores colapsos ambientais do Brasil da última década.

Nessa obra, a Natália Loyola deixa-nos um bloco de metal próximo ao chão. Relativamente afastada, está uma caixa de som pendurada por um fio. A caixa de som e o retângulo de metal estão ligados, mas não de maneira óbvia. O objeto convida à participação: é preciso tocar nele, interagir com ele. O toque nesse objeto é codificado, traduzido para a caixa de som mais afastada, criando ruídos inesperados à medida que os toques são feitos no bloco. Olhando-se de longe, a caixa de som pendurada por um fio é como se uma voz estivesse apartada do seu corpo. Ou como se os efeitos de um toque só pudessem ser ouvidos do outro lado. Como não se trata de uma reprodução do som, mas de uma criação feita pela artista, o que fica é a forma impensável e inesperada que pode tomar a repercussão do gesto. Não se trata de comunicação, mas de reverberações e ressonâncias. Por quais caminhos misteriosos dá-se a conexão? Por meio de uma investigação em torno do som, esse trabalho sugere os efeitos inesperados e imprevistos do toque em uma peça de metal.

Mas ao repousar em uma câmara da mina de sal-gema, a obra também experimenta atualizar a sonoridade desse espaço. De certa forma, a partir da nossa interação - mas também, podemos pensar, quando estamos ausentes, e qualquer movimento acontece sem a nossa intervenção - aquela câmara, por meio desse objeto experimental, faz o espaço cavernoso falar. Mas essa fala não é óbvia - ela é traduzida, codificada, e aparece mais adiante, na caixa de som pendurada mais ao fundo. O que fica é uma espécie de interrogação e entusiasmo em torno das questões da linguagem. Quando algo não tem voz, quais são as formas que construímos para ouvir as coisas? E mesmo as nossas palavras, não são elas também uma espécie de tradução, de codificação, da grande panóplia de sentidos e sensações que nos acometem diante do espetáculo da vida e do tempo? Diante da magnitude do espaço da mina, feita pela mão humana, da longevidade das suas paredes, antigos mares e lagos; diante, enfim, da mistura da mão humana e do tempo geológico - que palavras podem apanhar a experiência que é viver nesse momento que é o momento que vivemos hoje?

La mano non è quindi soltanto l'organo del lavoro: è anche il suo prodotto, diz Engels. E a mão humana, como metonímia, é também e sempre a mão de alguém - alguém que toca a nossa mão, que nos segura, alguém que junto com outros tantos segura as coisas do mundo. A projeção do curta-metragem chamada “Cristal Negro”, de Mau Grimaldi, vem precisamente nesse cruzamento, transportando-nos, por meio de um encontro entre duas personagens, ao início de uma reflexão que atravessa género, erotismo, tempo e natureza. A curta é uma espécie de colagem de imagens e ensaios sobre a física e a química em meio ao caminho de duas personagens pelos segredos da terra.

Mau Grimaldi já tinha feito uma série de trabalhos em que a geologia e o género se cruzam, perscrutando a invisibilidade e a visibilidade de géneros e sexualidades não fixados no binarismo tradicional e o seu cruzamento com as questões ambientais. Esse cruzamento em forma de bricolage é precisamente o que há de mais rico nessa projeção: todas as viagens materiais são astrais, todo o objeto é discursivo, tudo tem uma duração, dissolvendo-se ou não na palma da nossa mão. O sal-gema esfacela; uma pedra veio de muito longe. Os objetos podem ser subtis, delicados, pontiagudos. Mas pelo toque e pelo encontro eles contam qualquer coisa sobre a vida animada, temporal - vida-viva que está inscrita na sua história.

E por isso estar debaixo da mina não é só estar debaixo da terra, sob uma certa pressão atmosférica; é também caminhar pelo tempo, entre os desenhos que o sal e o mar, o vento e os explosivos, as gruas e os trabalhadores forjaram na pele daquelas galerias. Se olhamos para aquelas formações rochosas com atenção, pensando em antigos mares e lagos, e em seguida o sal que esfacela na nossa mão, é inevitável sentir a nossa experiência temporal se alargando. Por isso encontrar-nos diante de uma pedra ou de um espaço como esse — não é uma espécie de viagem no tempo?

A dúvida se somos ou não, verdadeiramente, tocados pelas coisas - dado que nossos átomos aparentemente, cientificamente, não chegam nunca a tocar os átomos das coisas - é uma questão colocada no filme de Grimaldi, ainda que, para mim, pessoalmente, não haja dúvidas de que as coisas nos toquem. Isso porque a minha cabeça dói e as viagens que fiz com o corpo e com os olhos é sem dúvida a ressonância, a repercussão de toda essa viagem subterrânea.

Assim como efeito do sal-gema nos compostos químicos e consequentemente no meu corpo, neste corpo, é real e verdadeiro, da mesma forma a imagem que me fixa a cabeça dos corredores subterrâneos, com seus caminhões e gruas, a abrir caminhos longuíssimos debaixo da terra, também me fica e toca.

A experiência de descer 230 metros e deparar-me com uma galeria subterrânea - estar dentro da terra, observando as suas texturas e formações milenares, é como deparar-se com uma cidade invisível, com suas próprias formações temporais e arquitectónicas, com suas regras e suas vestimentas - mas também, sobretudo, com um lugar onde o tempo e o espaço são expandidos, nos fornecendo novas percepções da realidade.

Nesse sentido, essas obras não só falam com a mina, pela mina, entre a mina; elas são expressões do mais valioso da criação humana, que por meio de diferentes suportes conectam as temporalidades longuíssimas que são as temporalidades da terra com o contemporâneo e as suas construções. Para além da eventual materialidade disso tudo, é inevitável sentir uma tristeza no ar, não pela pressão atmosférica, mas pelo reconhecimento das cidades desabadas e destruídas pela sanha de exploração inesgotável dos recursos da terra; pela perversão da capacidade humana de proteger e ouvir o seu entorno.

Viajar à Loulé e descer à mina é, por isso, não somente viajar para conhecer algo que não se conhece: é um pouco como descer ao inferno. Mas não como a um purgatório ou a um castigo divino. Mas como um não-lugar, um lugar de temporalidades cruzadas, em que o longevo e o contemporâneo aparecem juntos. Um lugar em que as gruas e os explosivos mostram os dentes - mas a terra mostra seus padrões e suas formas. E que, se acabamos, de facto, por perpetuar tanta violência enquanto sociedade, tanta indústria extractivista e tanta exploração, pequenos abajures de luz iluminam aquilo que sistematicamente tentamos não ouvir. Eles fazem a terra falar.

Ver uma mina é ver o que não vemos. E é quando vemos o que não estava visto que desvendamos o mistério das coisas. Deixando de lado qualquer misticismo, ainda que dele seja adepta, o mistério aqui é o mistério do oculto, mas desvendável, porque engendrado. O desvendar da engrenagem de um produto como o sal-gema tem qualquer coisa de místico, de metafísico, mas nesse caso só porque está envolta de arte. Porque ainda que a engenharia possa descobrir o modo de operação das coisas, pondo a natureza a nu no seu funcionamento, o que a arte nos mostra é que precisamos eventualmente eclipsar o sol para descobrir cidades invisíveis; subir e descer no movimento da luz. E afinar os ouvidos para escutar - a natureza, a história e o nosso entorno.

 

 


Mariana Varela
Socióloga formada pela USP, doutoranda em Filosofia pela FCSH. Como poeta publicou 'Enigmas de Jaguar e Jasmim' e 'Rotativa', ambos pela editora Urutau.



MARIANA VARELA