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EXPOSIÇÕES ATUAIS


Vista da exposição Mute Track de Bianca Hlywa, Sismógrafo, 2025. © Gerard Ortín


Vista da exposição Mute Track de Bianca Hlywa, Sismógrafo, 2025. © Gerard Ortín


Vista da exposição Mute Track de Bianca Hlywa, Sismógrafo, 2025. © Gerard Ortín


Vista da exposição Mute Track de Bianca Hlywa, Sismógrafo, 2025. © Gerard Ortín


Vista da exposição Mute Track de Bianca Hlywa, Sismógrafo, 2025. © Gerard Ortín


Vista da exposição Mute Track de Bianca Hlywa, Sismógrafo, 2025. © Gerard Ortín


Vista da exposição Mute Track de Bianca Hlywa, Sismógrafo, 2025. © Gerard Ortín


Vista da exposição Mute Track de Bianca Hlywa, Sismógrafo, 2025. © Gerard Ortín


Vista da exposição Mute Track de Bianca Hlywa, Sismógrafo, 2025. © Gerard Ortín


Vista da exposição Mute Track de Bianca Hlywa, Sismógrafo, 2025. © Gerard Ortín


Vista da exposição Mute Track de Bianca Hlywa, Sismógrafo, 2025. © Gerard Ortín

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ARQUIVO:


BIANCA HLYWA

MUTE TRACK




SISMÓGRAFO (HEROÃSMO)
Rua do Heroísmo 318
4300-096 Porto

07 JUN - 26 JUL 2025


 


É possível esculpir um cheiro?
Conferir-lhe uma consistência tocável?

O cheiro é um desdobramento espectral da fonte de onde provém, expandindo a existência dessa proveniência no sentido sensorial não visível. Revelando-se, deste modo, como uma emanação que tanto sustenta uma continuidade de algo, como reivindica uma identidade própria. O olfato é o primeiro sentido a ser impactado pela obra de Bianca Hlywa que, exposta ao centro do amplo espaço do Sismógrafo, dá corpo à exposição “Mute Track”. Um cheiro que fluindo na sua altivez acre e avinagrada, nos invade com a mesma brutalidade e pujança de uma armadura. Desferindo-nos, desarmados, com o golpe da repulsa. Pensei nesta invasão odorífera como uma obra em si, que se entranha na galeria e nos corpos que a calcorreiam. Mesmo quando se deixa o espaço, as moléculas ainda latejam no nosso sistema olfativo vincando uma presença que se arrasta e que produz uma memória vívida e consistente.

A instalação artística de onde resulta este odor é composta por SCOBYs (Symbiotic Colony Of Bacteria and Yeast), ou seja, por uma cultura de bactérias e leveduras que foi crescendo em camadas por cima da kombucha [1] pelo período de dez meses, no armazém “Mai Kombucha”, em Vilar do Pinheiro. E apresenta-se na exposição em dois tapetes microbianos de consistência carnuda e viscosa, que se movem cineticamente. De grande envergadura, estes tapetes com 180 cm de comprimento e 120 cm de largura máxima, pesando um 30 kg e o outro 40 kg, foram cosidos a estruturas de cintas fixadas em motores industriais rotativos, suportados por um andaime. Inicialmente em repouso, os SCOBYs vão cedendo à ação dos motores rotativos que aumentam gradualmente de velocidade, passando de um movimento circular lento para rápido, até chegarem aproximadamente aos 13 quilómetros por hora, fazendo com que formas carnudas do tapete se vão esticando [2]. Esta simbiose coreografada entre as forças mecânicas e a vulnerabilidade e transformação do orgânico, que se repete durante a exposição, integra reminiscências dos princípios da Arte Povera, cujo manifesto da autoria de Germano Celant (1940-2020), publicado na revista Flash Art, em 1967, defendia o artista como um alquimista que se via atraído pelas possibilidades físicas, químicas e biológicas, ou seja, como um produtor de ações ‘mágicas’ usando materiais simples e elementos naturais numa descrição ou representação da natureza. A arte era postulada como condição experimental a partir da reinvenção da vida em todas as suas dimensões. No meio das coisas vivas, o artista adquiria a possibilidade de [re]descobrir o seu corpo, a sua memória, e os seus gestos [3].

Neste seguimento, “Mute Track” ao convocar a processualidade e a experimentação para o espaço expositivo, rompe e subverte a ideia do ‘cubo branco’ como recetáculo neutro para a exibição de objetos acabados, passando a adquirir uma aura quase laboratorial. A Instalação revela um enlace entre a performatividade mecânica e a microperformatividade [4] dos microrganismos vivos, presentes no processo bioquímico da fermentação, e cujo ciclo de vida e morte não cessa durante o encerramento da galeria. Demonstrando que a arte nem sempre é exclusiva do observador. O que se repercute, neste caso em particular, numa obra que integra componentes efémeras, aleatórias e invisíveis que se (intra)relacionam com outras, por sua vez, duráveis, organizadas e visíveis. Depreende-se, deste modo, que esta Instalação é um objeto de fronteira, uma liminaridade entre o que é possível, ou não, observar a olho nu. Como defendeu Merleau-Ponty (1908-1961), todo o visível é invisível e a perceção também implica imperceção, ou seja, ver é sempre mais do que o que, realmente, se vê. O visível possui partes do invisível, e este acaba por ser a contrapartida do visível. Estes ingredientes fazem parte da interação entre o sujeito e o mundo, na qual se encontram implícitas perceções sinestésicas e (intra)relações entre sentidos [5].

Durante o tempo de exposição, a materialidade dos SCOBYs vai sendo alterada. Quer pela rotatividade do mecanismo e o seu movimento constante, assim como pelos fatores ambientais que provocam lacerações nos tapetes microbianos e tornam a matéria mais seca e dura. Esta ‘paisagem’ inconstante, por ser composta de matéria viva, exige uma operacionalidade técnica de manutenção. Aspetos de “média biológica” [5] são integrados para o cumprimento da intencionalidade artística e curatorial, ou seja, pelo menos uma vez por semana, os tapetes microbianos são impregnados ou pulverizados com meio de cultura que permite a continuidade da sua vivacidade. O que confere à processualidade uma outra camada. E nos permite expandir a leitura da obra para uma malha multiperformativa que contempla a ação humana, mecânica e microrgânica.

A conjugação destas ações desencadeia uma interferência direta da obra no espaço expositivo. Não só devido ao, já supramencionado, odor que se espalha pela galeria, e que se revela numa outra forma de preencher o espaço, mas também face à matéria que vai caindo no chão e que se materializa em poças de resíduos ou em formas circulares resultado do mecanismo rotativo.

Há uma leveza aparente nesta dança tautológica dos tapetes microbianos que nos mesmeriza e dilui essa falta de pertença perante uma matéria orgânica viva disforme, no confronto com a nossa ‘escultura’ antropomórfica. Um apelo à descentralização do nosso antropocentrismo é ativado, comprometendo-nos com uma construção epistemológica direcionada para princípios pós-humanistas assentes na perspetiva do mundo a partir das relações multi e interespécies. Mesmo aquelas que o nosso aparelho ótico não permite alcançar.
Retorno, por isso, à potencialidade ‘escultórica’ do cheiro que, no caso de “Mute Track”, determina um elo entre a obra, o espetador e o espaço. A sua condição de invisibilidade e existência que flui e se dispersa, não nos permite contorná-lo. Pelo que se apropria e adensa em outros corpos, animados ou inanimados. E, assim, se revela figurativo e abstrato, impondo e reivindicando essa inegabilidade da condição existencial.

 

De facto, os homens podiam fechar os olhos ante a grandiosidade, ante o louvor, ante a beleza e fechar os ouvidos a melodias ou palavras lisonjeiras. Não podiam, no entanto, furtar-se ao odor, dado que o odor era irmão da respiração. Penetrava nos homens em simultâneo com ela; não podiam erguer-lhe obstáculos, caso lhes interessasse viver. E o odor penetrava diretamente neles até ao coração e ali tomava decisões sobre a simpatia e o desprezo, a repugnância e o desejo, o amor e o ódio. Quem controlava os odores, controlava o coração dos homens.

Patrick Süskind, O Perfume (1985)

 

 


Sandra Silva
Licenciada em História da Arte pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto e mestre em Estudos Artísticos - variante Estudos Museológicos e Curatoriais, pela Faculdade de Belas-Artes da Universidade do Porto, com uma dissertação sobre a interligação entre arte e ciência. Dedica-se à investigação independente, com particular interesse pelos diversos temas da arte e curadoria contemporânea.

 

 


:::

 

Notas

[1] Bebida fermentada comumente feita à base de chá preto ou verde, e açúcar, que contém uma cultura de leveduras e bactérias.
[2] Sismógrafo (2025). Mute Track [Folha de sala].
[3] Celant, G. (2003[1969]). Art Povera. C. Harrison & P. Wood (Eds.) Art in theory: 1900-2000: An anthology of changing ideas. (pp. 897-900). Blackwell Publishing.
[4] A Microperformatividade é um conceito amplo definido pelo curador Jens Hauser e pela artista Lucie Strecker e cujo escopo pode integrar a matéria biológica microscópica, não microscópica (larvas, sementes...), aparatos técnico-científicos, entre outros elementos.
[5] Merleau-Ponty, M. (1971[1964]) O visível e o invisível (J.A. Gianotti & A. M. d’Oliveira, Trad.). São Paulo: Perspectiva.
[6] A “média biológica” está relacionada com a regulação do meio que envolve um corpo ou possibilita as suas funções. E a par da “biomedia” e das “médias da biologia”, integram o conceito de biomedialidade definido por Jens Hauser.



SANDRA SILVA