Links

EXPOSIÇÕES ATUAIS


Fig. 1 - Vista da exposição Kerry James Marshall: The Histories, Royal Academy of Arts. © Constança Babo


Fig. 2 - Knowledge and Wonder. Exposição Kerry James Marshall: The Histories, Royal Academy of Arts. © Constança Babo


Fig. 3 - Great America. Exposição Kerry James Marshall: The Histories, Royal Academy of Arts. © Constança Babo


Fig. 4 - Untitled (London Bridge). Exposição Kerry James Marshall: The Histories, Royal Academy of Arts. © Constança Babo


Fig. 5 - Souvenirs. Exposição Kerry James Marshall: The Histories, Royal Academy of Arts. © Constança Babo


Fig. 6 - Vista da exposição Kerry James Marshall: The Histories, Royal Academy of Arts. © Constança Babo

Outras exposições actuais:

FEIRA DE ARTE

PARIS PHOTO 2025


Grand Palais, Paris
PAULO ROBERTO

RUI CHAFES

ACREDITO EM TUDO


Galeria Filomena Soares, Lisboa
CARLA CARBONE

INAS HALABI

ALL THAT REMAINS


La Loge, Bruxelas
ISABEL STEIN

COLECTIVA

WHEN THE WORLD IS FULL OF NOISE


Espaço.Arte, Campo Maior
LEONOR GUERREIRO QUEIROZ

GONÇALO SENA

FOLHAS FANTASMA


Kubikgallery, Porto
MAFALDA TEIXEIRA

ALEXANDRA BIRCKEN

SOMASEMASOMA


Culturgest, Lisboa
MARIANA VARELA

ROSÂNGELA RENNÓ

COISAS VIVAS [E O DESLETRAMENTO PELA PEDRA]


Cristina Guerra Contemporary Art, Lisboa
MARIANA VARELA

JOÃO PIMENTA GOMES

DOIS STEREOS


Galerias Municipais - Galeria da Boavista, Lisboa
ISABEL STEIN

JULIANA CAMPOS / PAISAGEM-FUGA

BÃRBARA FADEN / MAGNÓLIA


Mais Silva Gallery, Porto
CLÃUDIA HANDEM

JOÃO PENALVA

JOÃO PENALVA


Galeria Francisco Fino, Lisboa
MIGUEL PINTO

ARQUIVO:


KERRY JAMES MARSHALL

THE HISTORIES




ROYAL ACADEMY OF ARTS
Burlington House Piccadilly
London W1J 0BD

20 SET - 18 JAN 2026

As Histórias narradas por Kerry James Marshall, na Royal Academy of Arts

 


“Em todas as obras, sejam elas concebidas em série ou não, o princípio fundamental é o de mover a figura negra da periferia para o centro e fazer com que estas figuras atuem numa vasta gama de géneros históricos e modos estilísticos extraídos da história da pintura”

Kerry James Marshall

 


Kerry James Marshall (1955, Alabama) é reconhecido pelas suas expressivas representações da comunidade negra, sobretudo a norte-americana, da sua história e das suas problemáticas. Articula o passado com o presente, convocando temas e sugerindo reflexões sempre importantes e centrais, residindo aí grande parte do valor do seu trabalho. Marshall é, com efeito, autor de uma obra permanentemente relevante, donde, atemporal.

Paralelamente, o artista desafia as convenções da pintura ocidental, especialmente do retrato, da paisagem e da pintura histórica. Da última, preocupam-no em especial as narrativas bíblicas e míticas, as quais relaciona e cruza com a atualidade. Com particular frequência e dedicação, explora e debruça-se sobre momentos da história da comunidade negra, sobretudo os que testemunhou na sua infância, tais como diferentes episódios da diáspora, travessias de migração, rebelião de escravos e movimentos pelos direitos civis. A sua obra revela, ainda, influências da arte africana, como, por exemplo, os “nkisi nkondi”, figuras simbólicas do poder no Congo, e os “veves”, desenhos do vudu haitiano que invocam espíritos. São essas as diversas referências e “As Histórias”, tal como a exposição é nomeada, que se exibem na Royal Academy of Arts, de Londres, desde o passado dia 20 de setembro, até 18 de janeiro de 2026.

Na ala principal da academia, em onze das suas galerias, perfazem-se quarenta e cinco anos de um percurso artístico dividido em diferentes ciclos: A Academia, Homem Invisível, A Pintura da Vida Moderna I e II, Passagem do Meio, Pantéon, Vinhetas, Lembranças, África Revisitada, Wake / Corrente do Golfo e Vermelho Preto Verde. Encontrando-se a exposição num importante edifício histórico, outrora palácio real e localizado na zona nobre de Mayfair e Piccadilly, a obra de Marshall adquire particulares sentido e impacto. As suas grandes e arrojadas telas com figuras expressivas, cores fortes e traços largos contrastam, quase antagonicamente, com a construção e a decoração da realeza inglesa, com os altos rodapés e os tetos constituídos por arcos e cúpulas, decorados a talha dourada e ornamentos clássicos tais como folhagens. Por meio da obra de Marshall, a comunidade negra instala-se e impõe-se no palácio europeu.

Contudo, a exposição inicia-se absolutamente enquadrada no espaço expositivo que lhe foi concedido, com representações de escolas de arte, estúdios e museus, donde, lugares de certo modo análogos à Royal Academy of Arts. Este primeiro conjunto de trabalhos de Marshall foi movido pelo seu fascínio pelos estúdios de arte ocidentais e pelo museu europeu enquanto “repositório de maravilhas”. Em contrapartida, e estabelecendo já um paralelo com a última sala da exposição, há uma diferente relação que se estabelece com a pintura ocidental, mais crítica e provocadora. Convocam-se obras dos artistas Ticiano, Goya e Manet, mais especificamente, as suas representações do nu feminino que Marshall substituí pela figura de um homem negro.

Na segunda galeria, destaque-se a tela de grandes dimensões “Knowledge and Wonder” (fig.2), de 1995, produzida para Legler, a biblioteca pública de Chicago, na qual Marshall representa os livros enquanto portais para o conhecimento. Esta obra e as que a circundam datam da década de 90, quando o artista, chegado a Chicago, pintou sucessivamente diversos motivos do quotidiano, tais como crianças a brincar, casais a dançar e famílias no parque. No entanto, já nestas temáticas mais triviais revelam-se elementos disruptivos que apontam para intenções e significações políticas: as cores da bandeira da Associação Universal para o Progresso Negro, fundada por Marcus Garvey, em 1914, e ícones e slogans dos Panteras Negras, do final dos anos 60. Entenda-se que o carácter político é transversal a toda a obra de Marshall, embora nem sempre de modo evidente. Como outro exemplar tome-se “Great America” (fig.3), de 1994, pintura figurativa de um parque temático californiano, com animados carrosséis e casas assombradas, metáforas para a vida dos negros norte-americanos, atravessada por felicidades e infortúnios.

O ativismo de Marshall adquire expressão à medida que a exposição se desenrola, nomeadamente com peças tais como “Untitled (London Bridge)” (fig.4), de 2017, que retrata a Ponte de Londres, em Lake Havasu City, e Olaudah Equiano, escritor africano que desempenhou um papel fundamental no movimento abolicionista da escravatura. Estabelece-se, assim, um paralelo entre as duas deslocações, a da ponte, do Tamisa para o Arizona, e a de Equiano, entre África, América do Norte e Londres. Em contrapartida, como exemplo de uma série de pinturas de inequívoco cariz social e crítico, observe-se “Souvenirs” (fig.4), desenvolvida entre 1997 e 1998, na qual Marshall homenageia diferentes líderes dos direitos civis tais como Martin Luther King Jr., John F. Kennedy e Robert F. Kennedy. Com o humor e a irreverência que lhe são próprios, coloca os retratos das reconhecidas personalidades em cenas domésticas, emoldurados à imagem de recordações comemorativas, alguns acompanhados de outras figuras da sua época, tais como vítimas do atentado à igreja da comunidade negra de Birmingham, por parte do Ku Klux Klan, em 1963. Emergem, deste modo, obras dotadas de uma profunda significação, embora, ironicamente, enformada por uma pintura e uma estética simples e até mesmo alegres.

Por último, será ainda importante assinalar o modo como Kerry James Marshall representa a figura negra, distanciando-se da maioria das pinturas do género. Utilizando um pigmento de tom preto profundo, é explícito na sua representação, procurando “estabelecer uma presença fenomenal que seja inequivocamente negra e bela”. Como explica, uma das suas convicções é, precisamente, “que a pintura mais impactante e transgressora para os dias de hoje deve ser a de figuras, e essas figuras devem ser negras”.

 

 

Constança Babo
(Porto, 1992) é crítica de arte e membro da AICA Portugal. É doutorada em Arte dos Media e Comunicação pela Universidade Lusófona, mestre em Estudos Artísticos - Teoria e Crítica de Arte, pela Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto, e licenciada em Artes Visuais – Fotografia, pela Escola Superior Artística do Porto. Realizou, igualmente, os cursos Curating New Media Art e Redefining Museums: Curatorial Theory and Practice for a New Era, no Node Center – Curatorial Studies Online, e Questions of Judgement, na Universität der Kunst Berlin. Foi research fellow no projeto internacional BEYOND MATTER, no Zentrum für Kunst und Medien Karlsruhe, e colaborou como investigadora no projeto MODINA, na Tallinn University. Também publica artigos científicos.

 



CONSTANÇA BABO