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EXPOSIÇÕES ATUAIS


Vista da exposição Folhas Fantasma, de Gonçalo Sena. Kubikgallery Porto, 2025. © KUBIKGALLERY


Vista da exposição Folhas Fantasma, de Gonçalo Sena. Kubikgallery Porto, 2025. © KUBIKGALLERY


Gonçalo Sena, Sem título, 2021. Fotocópia sobre papel envelhecido pela luz do sol, colado sobre tela (50 × 40 × 2,5 cm). © KUBIKGALLERY


Gonçalo Sena, Folhas Fantasma, 2024. Folhas de pinheiro, folhas de cana, fotocópia sobre acetato, fita adesiva sobre papel, moldura de alumínio (46 × 35,9 × 2,5 cm). © KUBIKGALLERY


Vista da exposição Folhas Fantasma, de Gonçalo Sena. Kubikgallery Porto, 2025. © KUBIKGALLERY


Espinha, 2025. Vista da exposição Folhas Fantasma de Gonçalo Sena. Kubikgallery Porto, 2025. © KUBIKGALLERY


Vista da exposição Folhas Fantasma, de Gonçalo Sena. Kubikgallery Porto, 2025. © KUBIKGALLERY


Vista da exposição Folhas Fantasma, de Gonçalo Sena. Kubikgallery Porto, 2025. © KUBIKGALLERY


Gonçalo Sena, Walls and Torsos, 2017. Tinta da China sobre acetato, fita adesiva, impressão digital sobre papel, moldura de alumínio. © KUBIKGALLERY


Gonçalo Sena, Rocha Rouca (sol sol nuvens sol nuvens vento chuva vento chuva), 2024. © KUBIKGALLERY


Vista da exposição Folhas Fantasma, de Gonçalo Sena. Kubikgallery Porto, 2025. © KUBIKGALLERY

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GONÇALO SENA

FOLHAS FANTASMA




KUBIKGALLERY
Rua da Restauração, 2
4050-499 Porto

11 OUT - 06 DEZ 2025


 

 

Como uma extensão das margens do rio Douro e uma meditação pessoal de Gonçalo Sena (1984) sobre paisagem, a exposição Folhas Fantasma em exibição na Kubikgallery Porto, apresenta-nos colagens e imagens impressas, esculturas e instalações site-specific num diálogo contante entre o orgânico e o artificial, escalas e materiais, num ambiente expositivo permeado por estados de metamorfose, por presenças e ausências.

Ao entramos na exposição deixamo-nos surpreender pelos tons ocres, cinzas e minerais que revestem o espaço, como se a marginal do Douro e o ambiente fluvial exterior encontrassem um prolongamento no interior da galeria, em que o ambiente expositivo e cenográfico desenhado pelo artista afirma-se no próprio espaço, expandindo-o e enfatizando-o través da intervenção principal: as paredes texturadas que nos recebem. [1]

O interesse de Sena em criar ambientes específicos que respondam aos espaços onde expõe [2], alia-se ao seu entendimento e visão de cada exposição como um elemento de suspensão do processo de trabalho [3], para o qual cria um vocabulário, por norma novo, ou no caso de Folhas Fantasma integrando trabalhos antigos. A intervenção mural, acompanhada pela série de colagens Folhas Fantasma (2024-25), consiste numa obra site-specific, não só por ter sido concebida especificamente para a arquitetura da galeria, mas também no sentido dos materiais. Qual instalação arquitetural, à medida que observamos a intervenção, apercebemo-nos dos elementos que a compõem: areia e cimento. Numa alusão e crítica à construção humana, nomeadamente nas zonas costeiras, as diferentes texturas das paredes revelam-nos o cimento – material industrial de aparente durabilidade - e a areia proveniente da Bacia do Douro – material mineral local- cujo próprio sal retira vitalidade às componentes químicas do cimento. Como num processo acelerado de erosão das construções humanas em regiões dominadas pelo salitre, a intervenção direta nas paredes prima pela temporalidade, ao tratar-se de uma peça efémera que se transforma ao longo do tempo da exposição, num processo de metamorfose e de impermanência dos vários materiais que interessa ao artista explorar e integrar no seu corpo de trabalho, revelando-nos diferentes timelines, qual palimpsesto das margens do Douro.

À dureza e espontaneidade do tratamento da intervenção site-specific, cuja disposição longa e aberta, quase panorâmica se expande pelas duas paredes até ao chão, sem chegar ao teto, acrescem-se num diálogo e contraste interessantes, as cinco composições de pequeno formato de Folhas Fantasma. As colagens de fita adesiva sobre papel, algumas mais simétricas do que outras, evocam elementos quase gráficos, sugerindo fragmentos de desenhos, casas, algas, elementos vegetalistas ou até antropomórficos. Surgem como imagens, pequenos símbolos que vão pautando o espaço, ativando um lado emocional e cognitivo que é complementar, mas que não pertence à linguagem da intervenção das paredes ou da escultura que se encontram na mesma sala, cuja presença é mais corpórea. O título Folhas Fantasma deve-se não só, ao facto de as composições serem realizadas em folhas de papel, mas também pela presença de folhas de pinheiro e de cana, havendo um lado ativo da imaterialidade de um fantasma que é projetado no espaço através destas pequenas pontuações.

Ao impacto visual e estético das obras anteriores, destacamos a presença de Espinha (2024), escultura cujo título – que remete para estrutura dorsal e componente humana - completa a instalação: um elemento de cimento branco do qual nasce um desenho em ferro e a presença de folhas de pinheiro que se estendem pelo chão. Da base da escultura em cimento, onde são visíveis moldes de troços de madeira, qual plinto ou fragmento de chão que aparenta um estado de transformação, ruína ou mutação, sai um arco em ferro que se impõe pela escala, movimento e desenho que cria no espaço, tocando do outro lado diretamente no chão da galeria. A completar a instalação, criando desenhos pelo chão e deslocando-se à nossa passagem, a caruma de pinheiros – folhas de árvore caduca - recordam-nos a ausência da árvore, qual fantasma, ao mesmo tempo que evoca uma componente cíclica, de efemeridade e desaparecimento à semelhança da intervenção site-specific. O lado mais estrutural de Espinha contrapõe-se à invisibilidade e imaterialidade de fantasma: Algo que está presente, mas não está; que tem volume por um espaço visual, que tem presença, mas não é tangível, pois a própria escultura tem um vazio. Esse lado de não-presença é completado por nós, como público, como pessoas. [4]

A evocação de um corpo humano, de um esqueleto, qual espectro, é-nos revelada numa zona de passagem, imediatamente antes de subirmos dois degraus, ao deparamo-nos corpo a corpo com a peça escultórica Espinha (2025). Num verdadeiro jogo de equilíbrio, tensão, escalas e volumes, observamos a viga de ferro que, assente no chão, parece suportar toda a composição escultórica: o volume de cimento e poliuretano, qual fóssil, que encostado à parede numa posição aparentemente instável, apresenta-se agregado a folhas de canas que lhe conferem escala, altura e efemeridade, numa obra visualmente forte e impactante.

No segundo espaço expositivo reencontramos uma parede intervencionada pelo artista, semelhante às da primeira sala, com os mesmos materiais e tonalidades, na qual se exibem duas composições de Folhas Fantasma e Drought (2025). O potencial performático na interação do público com as obras, bem como a perceção inconsciente do nosso corpo enquanto ferramenta da experiência artística, que havíamos experienciado no primeiro momento expositivo, revelam-se intencionais por parte de Sena à medida que nos curvamos para observar a obra localizada a poucos centímetros do chão. Representação cenográfica de uma situação, a cana que sai da parede sugere um ponto de saída da água que se encontra fechado, numa alusão direta ao título da obra. Próximo, como que estabelecendo um diálogo, a peça de chão Língua (2019-2025) desperta-nos a atenção pelas duas estruturas que a compõem, objetos híbridos que pela escala e volume tanto evocam a secção de um torso, como uma colmeia, um ninho de vespas, um coral, uma rocha ou um fóssil. Num destes elementos, qual objeto contentor, observamos a presença de água num diálogo interessante e irónico com Drought. Não obstante a crueza da peça, há uma fragilidade latente nomeadamente em termos de equilíbrio, pois cada volume precisa do outro, sendo ambos sustentados por uma concha de lingueirão, elemento animal cujo processo de erosão e de temporalidade é diferente dos anteriores, e que simultaneamente aproxima e distancia os dois corpos. Um outro elemento animal encontra-se presente nas duas telas localizadas na zona do acervo/escritório, e que completam a narrativa da exposição, tratam-se de ossos de choco sobre uma base de cimento, areia e pigmento fosforescente. Uma vez mais, confrontamo-nos com a dualidade entre natural/artificial, questões de temporalidade e a presença da ausência do animal, qual fantasma.

Ao longo da exposição observamos nos diferentes espaços da galeria, três obras pertencentes a uma mesma série Sem Título (2019-21), fotocópias sobre papel envelhecido pela luz do sol, imagens resultantes de uma recolha online feita pelo artista e trabalhadas a p/b numa máquina fotocopiadora. Abstratas, as imagens fazem parte do léxico de trabalho de Sena havendo nelas uma dimensão pictórica e poética em que envelhecimento e o amarelecimento pela luz solar revela um processo de transformação e de passagem do tempo, de algo que não é estanque. Há uma dimensão de fantasmagoria nesta série que nos revela afinidades formais e conceptuais com as restastes obras. À medida que as contemplamos parece identificarmos corais, conchas, elementos rochosos e vegetalistas, quando na realidade se tratam de imagens de colmeias e ninhos de vespas que, abandonados pelos seus habitantes, acabarão por perder vitalidade e desaparecerão. À questão da transformação, do tempo e do desaparecimento, acresce-se – ao tratarem-se de fotocópias- uma reflexão em torno da estandardização e produção em massa, totalmente contrária ao nascimento da folha numa árvore que segundo o artista: vai ter o tamanho que tem que ter e a forma que tem que ter, e vai cair quando tiver que cair. Não pertence a nenhum sistema pré-determinado mecânico, que é algo que caracteriza muito os humanos.

Estendendo-se ao espaço exterior através das vitrines da fachada da galeria, duas obras dão o mote de entrada a Folhas Fantasma: Sem título (2019) – fotocópia sobre papel envelhecido pela luz solar- e Folhas Fantasma cartaz da exposição (2025). A propósito desta última, importa mencionar as atividades de editor [5] e de designer gráfico que Sena transpõe para a sua prática artística. Qualquer exposição individual do artista apresenta um elemento gráfico - um cartaz ou uma fanzine - que funciona como uma extensão da exposição, para além de se tratar de um material artístico. Para a presente mostra Sena realizou o cartaz, a sua própria peça sobre a exposição, que nos recebe à entrada, como uma introdução à mesma. Trata-se de uma sobreposição, com alguns desvios, de todas as colagens que existem em Folhas Fantasma, sem quaisquer logos, revelando-se apenas o nome da galeria. Segundo Sena estes elementos gráficos são muito importantes e exige tê-los nas suas mostras, na medida que os considera cruciais nos momentos expositivos, porque criam outro tipo de relação entre materiais que não são obras de arte, mas que ficam nesse estado híbrido.

Ainda no exterior, no espaço Kubikulo, observamos numa parede cinco composições pertencentes às séries Folhas Fantasma (2024-2025) e Walls and Torsos (2017), mas o que nos desperta verdadeiramente a atenção é o volume de cimento e poliuretano que, como uma pedra sem voz, repousa sobre uma cadeira de plástico branco. Intitulada Rocha Rouca (sol sol nuvens sol nuvens vento chuva vento chuva) 2024, a obra apresenta um elemento que tem vindo a ser constante no corpo de trabalho de Sena: a cadeira de plástico envelhecida pelo sol e chuva, que para o artista se trata apenas de um banco e não de uma peça de design, em último caso uma escultura que é um banco. Cadeiras produzidas em massa e sem qualquer valor, que existem em todo lado e parece que não existem, como fantasmas. O elemento ergonómico, cómico e satírico, evoca um corpo humano que não está ali, relembrando-nos a ausência de uma presença, ao mesmo tempo que apresenta uma presença objetual, inanimada, escultórica que por sua vez evoca um gesto humano, ao ter sido lá colocada numa posição que sugere desequilíbrio. A escultura “sentada” olha para o espectador e não o contrário, a presença da vitrine impede o acesso ao público, numa obra em que a ergonomia, a função e a usabilidade dos objetos, sejam obras de arte ou não, são explorados de forma direta pelo artista. Criando conceptualmente a cada exposição, extensões, relações de continuidade e de ciclo, a questão da perceção interessa particularmente ao artista, mediante elementos que se vão materializando no seu corpo de trabalho através de aparentes repetições, sensações de déjà-vus, mas que na realidade nunca o são. E é por isso que afirmamos que a exposição Folhas Fantasma é única.

Entre a exposição individual do artista na Kubikgallery Porto, a presença na coletiva Avenida 2011, no MAC-CCB, segue-se a inauguração da individual Spine, galeria Pied-à-terre, Berlim, na qual serão revelados novos trabalhos e posteriormente a apresentação da cenografia concebida pelo artista para a peça de dança Mercury Rising de Jefta van Dinther, a estrear no final de novembro de 2025 no HAU Hebbel am Ufer, Berlim.

 

 

 

Mafalda Teixeira
Mestre em História de Arte, Património e Cultura Visual pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto, estagiou e trabalhou no departamento de Exposições Temporárias do Museu d’Art Contemporani de Barcelona. Durante o mestrado realiza um estágio curricular na área de produção da Galeria Municipal do Porto. Atualmente dedica-se à investigação no âmbito da História da Arte Moderna e Contemporânea, e à publicação de artigos científicos.

 


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Notas

[1] A propósito desta intervenção, foi na exposição coletiva Chama-lhe Apenas Horizonte, na Casa da Cerca (2023-24), que pela primeira vez que o artista apresentou ao público uma obra semelhante, com recurso à terra dos jardins da própria casa. Em 2024 no Prémio FLAD de Desenho, na Sociedade de Belas Artes, Lisboa, Sena realizou uma sucessão das paredes texturadas que agora se apresentam, recorrendo a um pano agrafado à parede e na qual expôs cinco composições de Folhas Fantasma (2024) bem como a escultura Espinha (2024).
[2] Na Kubikgallery o artista considera ter tido oportunidade de expor num ambiente que lida com luz, com o interior e exterior, com elementos escultóricos e, acima de tudo, com a intervenção direta nas paredes com estas texturas feitas de cimento, areia e sal dos locais.
[3] Cit. da intervenção do artista durante uma entrevista informal realizada pela autora no dia 31 de outubro de 2025.
[4] Cit. da intervenção do artista durante uma entrevista informal realizada pela autora no dia 31 de outubro de 2025.
[5] Possui uma editora e estúdio de design Atlas em conjunto com o artista Nuno da Luz, e há uns meses iniciou o seu próprio projeto editorial de publicações, objetos e múltiplos de artista, intitulado Fumo.

 



MAFALDA TEIXEIRA