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EXPOSIÇÕES ATUAIS


Vista da exposição Colisor, 2023, Museu Municipal de Faro. © Filipe Farinha/Stills.


Vista da exposição Colisor, 2023, Museu Municipal de Faro. © Filipe Farinha/Stills.


Vasco Vidigal, Colisor, 2023. © Filipe Farinha/Stills.


Vista da exposição Colisor, 2023, Museu Municipal de Faro. © Filipe Farinha/Stills.


Ao fundo, Miguel Cheta, Liceu, 2023, Museu Municipal de Faro. © Filipe Farinha/Stills.


Em primeiro plano, escultura de Christine Henry; ao fundo, escultura de Jorge Mendonça e desenhos de Daniel Moreira e Rita Castro Neves. © Filipe Farinha/Stills.


Paulo Serra, desenhos, técnica mista s/ papel, 2023. Exposição Colisor, 2023, Museu Municipal de Faro. © Filipe Farinha/Stills.


Paulo Serra, desenho, técnica mista s/ papel, 2023. © Filipe Farinha/Stills.


Jorge Mendonça, Sem título, 2023, Calcário dolomítico de Santa Bárbara de Nexe, Museu Municipal de Faro. © Filipe Farinha/Stills.


Vasco Célio. © Filipe Farinha/Stills.


Miguel Cheta, S. titulo, 2011. Reflective Practice. © Filipe Farinha/Stills.

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ARQUIVO:


COLECTIVA

COLISOR




MUSEU MUNICIPAL DE FARO
Praça Dom Afonso III 14
8000-149

21 OUT - 14 JAN 2024


 

O Colisor de Hádrons é a maior máquina construída pela humanidade. É também uma das mais belas. Uma máquina com cerca de 27 km de diâmetro, enterrada entre a fronteira da França e da Suíça, instalada na Organização Europeia para a Pesquisa Nuclear (CERN), onde se criou a World Wide Web em 1989, e que tem como principal objetivo comprovar a ideia de “Bóson de Higgs” de Peter Higgs. Trata-se de uma partícula idealizada pelo físico em 1964, segundo o qual a descoberta desta permitirá explicar a origem do Universo. Posteriormente, esta veio a ser conhecida como a Partícula de Deus. Quando foi descoberta em 2012 lançou mais questões do que respostas.

Mas qual a relação entre um Colisor, acelerador de partículas, e a Arte? O Colisor, tal como a obra de arte, permitem-nos entender um pouco mais acerca da humanidade. O primeiro, criado para instigar o aceleramento dos átomos no sentido de provocar colisões frontais entre eles e estudar o que daí resulta; a segunda, criada para ativar os neurotransmissores do cérebro humano. Seja provocando o estranhamento nos espectadores com obras ou instalações que os perturbam, ou obrigando-os a refletir e a questionar coisas que não estivessem preparados para sentir; ou ainda, a simples purificação emocional através da experiência estética, seguindo a visão de Aristóteles.

O coletivo Artadentro constituiu-se com esse papel de “Colisor”, através do estímulo à criação artística regional da zona do Algarve com artistas locais, mas também trazendo artistas de outras regiões do país, ao mesmo tempo que tenta ativar e envolver o público nos processos culturais.

 

Série Musgo. © Daniel Moreira e da Rita Castro Neves

 

Ao entrar na capela do museu municipal de Faro, lugar da exposição, deparamo-nos com as obras de Daniel Moreira e Rita Castro Neves. Folhas coloridas onde se inscrevem pequenos desenhos a grafite, pinturas e colagens que obrigam a uma aproximação do olhar. São trabalhos da série “Musgo” que parte de uma reflexão sobre a natureza, característica da prática desta dupla. Através de residências artísticas deambulam pelo território, registam, e recolhem elementos da paisagem. A planta musgo, com qualidades sensoriais singulares, é representada em detalhe e minúcia refletindo a sua fragilidade atual face às questões climáticas. Os dez desenhos aqui presentes em papéis coloridos, uma herança transformada em arte, acompanham-nos até à obra da série “Liceu” do artista Miguel Cheta, presença recorrente nas exposições do coletivo. A fotografia que segundo Walter Benjamin emancipa a obra de arte da sua dependência de um ritual, como o desenho, é do que parece ser de uma oficina para automóveis, ainda que o espaço se mostre imaculado. Mas na verdade, trata-se de uma obra que remete para a memória coletiva. O caixilho, que suporta a fotografia impressa em vidro, de quase dois metros de diâmetro, é o óculo da sala de convívio do antigo liceu de Loulé, frequentado pelo artista que recolheu alguns objetos desse espaço, por altura da demolição do mesmo. A imagem da oficina mecânica é o olhar do espaço no presente, transformado agora numa escola secundária. O presente circunscrito pelo passado, ajudado pelo giz branco dos quadros de ardósia colocado sobre o vidro quebrando a translucidez da imagem.

Entrando na nave da igreja manuelina do museu municipal de Faro, sentimos as cores, vemos as formas, cheiramos a assepsia. No silêncio sepulcral, somos magnetizados pela explosão de cor da obra “Colisor” de Vasco Vidigal, artista e co-curador da exposição, que aglutina vários papéis na qualidade de agente cultural e autor. Ele cria para esta exposição uma pintura mutante, como este a define, que se vai adaptando ao espaço, repintando e transformando. Mas a expressividade e intuição escondem acidentes e experiências que não vingaram. Como se assistíssemos ao processo criativo do artista que aproveita e recicla uma obra que será sempre inacabada, mas que teve como último retoque o texto, desenhado em um momento performativo, já quando esta se encontrava montada no espaço. As manchas caóticas feitas a óleo, sobras das aulas de pintura lecionadas pelo artista, e o uso de cores vibrantes, são testemunho da ação e expressividade deste em contraste com a fotografia monocromática e de estilo minimalista do artista Vasco Célio, com quem partilha a parede central. A obra de Vasco Célio resulta de um olhar documental já treinado pela experiência como profissional de fotografia e da colaboração com instituições e curadores. No papel de artista, Vasco Célio, tem-se debruçado sobre aspetos ligados à tradição, cultura e paisagem. É aqui que gosta de experimentar, de iludir. A imagem maior, uma fotografia de uma paisagem captada no ano de 2017, em tons laranja, sugere o rescaldo de um incêndio. Pequenas labaredas ainda descem a montanha, mas vê-se espuma de água no topo dessa montanha e perguntamos, qual o truque? Ou então, uma outra fotografia do artista mais pequena com jovens num parque num jogo de sobreposições de imagens que preenchem e acentuam o carácter festivo e lúdico. A expressividade do artista neste caso é mediada pela câmara, através do seu olhar contrastando com a gestualidade sobre o papel, como na obra de Vasco Vidigal.

Esta ideia científica de questionar algo que vemos e não percebemos bem remete-nos para outra obra exposta de Miguel Cheta da série “Reflective Practice”. Nesta, evoca-se o olhar para as coisas que vemos no dia a dia sem realmente as ver, como uma montra de loja de rua na qual a figura de porcelana centrada, rodeada de bugigangas desarranjadas, nos vira as costas num claro afastamento daquilo que se supõe ser o objetivo de qualquer montra: de nos atrair, chamar para dentro. A dimensão da fotografia, também neste caso impressa em vidro, em escala real e com suporte em estrutura de alumínio, permite relacionar-nos diretamente com aqueles espaços comerciais que vão sendo abandonados e negligenciados um pouco por todo o lado para serem substituídos por mais um franchising, um hotel, ou em mais uma loja para turista igual a milhares de outras. Nessa busca por um certo lugar e um certo tempo temos também o trabalho da Christine Henry, “J´ai réve d´un autre monde”. A artista, que por vezes recorre à cave da família para a concepção das suas obras, utiliza objetos pré-existentes que outrora cumpriram a sua função, como as caixas de madeira de medidas medievais de volume. O alqueire, do árabe al keyl, é a medida oficial para os cereais do pão. Foi resgatado para esta obra onde os alqueires e seus múltiplos vão sendo montados em diferentes pilhas sobre pernas em madeira que, ao longe, parecem câmaras de filmar antigas sobre um tripé, ou então estranhos seres que nos visitam. Neste caso, o gesto da artista é visto a partir de uma ideia materializada num objeto existente e que lhe é afetivo, retirando-o das suas funções, numa perfeita colisão com a obra do artista Paulo Serra, em que nos é mostrada de forma crua e direta os seus pensamentos e devaneios, através dos desenhos guiados pelo movimentar da mão e do braço como um “cavalo alucinado”, segundo as palavras do artista. O conjunto de auto-retratos em grafite apresentados são um trabalho íntimo e confessional que o artista tem vindo a desenvolver há já alguns anos. A sua inquietude, canalizada para a arte, também se revela na escrita, como num excerto de um texto que escreveu no passado a propósito dos seus auto-retratos:

Muitas vezes o espelho que tenho no quarto parece mágico. Dá-me a cor e a luz e a sombra que trago hoje. E o tempo de hoje dói. E o desenho dói na verdade da dor que oscila entre o que fui e o ser agora. As memórias afunilam-se no espelho do quarto e o desenho é um passado tornado presente.

Palavras ou frases que surgem de fantasias, ou de títulos de canções, acompanham alguns dos desenhos de Paulo Serra. A compulsividade que nada deve ao artista disciplinado e metódico colide com o método e prática presente na obra da artista Ana André que, para esta série de pinturas com o título “Ossos”, trabalha a partir de um modelo escolhido não só pela acessibilidade, mas sobretudo pela sua cor na investigação de tons da carne, tema a que se dedicou há mais de vinte anos atrás. Pinta os ossos ao vivo, em diferentes tonalidades dadas pela variação da luz, preenchendo a tela a óleo até os elementos se fundirem e darem origem a uma paisagem abstrata que se mistura com a cúpula barroca da capela do museu. A repetição do gesto, para compreender o que se está a fazer, permitiu-lhe encontrar a fórmula para, por exemplo, os tons da areia nas paisagens algarvias que tanto a inspiraram nas suas pinturas posteriores. Este cenário único do sul do país cativou uma outra convidada para a exposição, Meinke Flesseman, uma artista de origem holandesa que cresceu no Algarve e que segue uma linha mais figurativa na sua pintura encontrando nos animais e natureza a sua fonte de inspiração. Isso não a impede de experimentar com outros materiais, como a cerâmica, ou mesmo tentar o abstracionismo, como na série “Dragonfly”, de que esta obra faz parte. Nesta abstração de elementos da natureza somos compelidos a relacionar com os jardins de Giverny retratados pelo impressionista Claude Monet, embora a paleta de cores seja aqui mais reduzida e o grau de abstração maior. Assim como no caso do artista autodidata, Jorge Mendonça, que vê na pedra algarvia em bruto as formas abstratas, sonhando com estas para depois trabalhá-las diretamente no grande bloco. A pedra com que trabalha desde os seis anos, dá-lhe as cores e as formas que quer explorar. Gosta de criar com o calcário e de experimentar criando obras que sabe serem difíceis de agradar ao grande público, por não serem antropomórficas. A sua barba longa de outrora, sentado a esculpir a pedra, faz lembrar o maior escultor do século passado, Constantin Brancusi; artista que Jorge Mendonça desconhece, mas com quem partilha bastante, desde o facto de também com ele a obra de arte se alargar ao plinto que a suporta, até a uma surpreendente versão da obra “O beijo”, que fez numa outra ocasião. Também as bolas em pedra, que acompanham cada umas das três esculturas presentes na exposição, são uma particularidade no seu trabalho. Encontram-se espalhadas em grande quantidade pelo seu atelier, mas sem serem vistas como obra autónoma.

Este projeto expositivo pretende ser mais uma experimentação onde se incluíram artistas do coletivo Artadentro, e não só, em colisões de estilos, de abordagens, de temas, de movimentos, de técnicas, de meios e de cultura artística. Tal como nas várias experiências com o Colisor de Hádrons, pretende-se colidir para alargar o nosso entendimento, apenas isso!

 

 

 

Susana Rodrigues
Mestre em Estudos Artísticos - variante Estudos Museológicos e Curatoriais, pela Faculdade de Belas-Artes da Universidade do Porto. Doutoranda em Arte Contemporânea no Colégio das Artes da Universidade de Coimbra. Dedica-se à curadoria e investigação independente.

 

 

 



SUSANA RODRIGUES