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EXPOSIÇÕES ATUAIS


Vista da exposição La Fin du Monde, de Alfredo Jaar. © Galerie La Patinoire Royale Bach


Vista da exposição La Fin du Monde, de Alfredo Jaar. © Galerie La Patinoire Royale Bach


Vista da exposição La Fin du Monde, de Alfredo Jaar. © Galerie La Patinoire Royale Bach


Vista da exposição La Fin du Monde, de Alfredo Jaar. © Galerie La Patinoire Royale Bach


Vista da exposição La Fin du Monde, de Alfredo Jaar. © Galerie La Patinoire Royale Bach


Vista da exposição La Fin du Monde, de Alfredo Jaar. © Galerie La Patinoire Royale Bach


Vista da exposição La Fin du Monde, de Alfredo Jaar. © Galerie La Patinoire Royale Bach


Vista da exposição La Fin du Monde, de Alfredo Jaar. © Galerie La Patinoire Royale Bach

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ARQUIVO:


ALFREDO JAAR

LA FIN DU MONDE




GALERIE LA PATINOIRE ROYALE BACH
Rue Veydt 15
1060 Bruxelles

04 SET - 14 FEV 2026

A última memória

[English version] 

 

 

 

COBRE
XIII
La edad del mundo me perfuma las manos:
acabo de recoger cobre de Chuquicamata.

PAMPA
Toco una piedra cuya piel es tiempo,
y al tocarla mi soledad encuentro;
en esta piedra yo descubro entero,
el silencioso corazón del viento.

— Andrés Sabella

 


Um teatro subterrâneo — essa é a primeira impressão ao atravessar a cortina escura que conduz à exposição La Fin du Monde, de Alfredo Jaar, na Galerie La Patinoire Royale Bach, em Bruxelas. A entrada marca a transição para um espaço onde as percepções serão reorganizadas. A iluminação vermelha de baixa intensidade e alta saturação cria um ambiente tanto cavernoso quanto espetacular, de forma que os primeiros passos dentro da galeria levam o espectador a um ambiente isolado que poderia estar situado muitos metros abaixo do solo. A sensação se confirma já no primeiro elemento da mostra: um texto em letras grandes que se espalha por duas paredes. Ali, apresentam-se informações de caráter técnico sobre os dez minerais mais utilizados pela indústria global e as graves implicações geopolíticas decorrentes de sua extração: cobre, estanho, níquel, cobalto, lítio, manganês, coltan, germânio, platina e terras raras. Entre as paredes, tecidos pretos com uma abertura central nos instigam a adentrar o que parece ser um palco incrustado no centro rochoso da Terra, cujos atores somos nós: os últimos humanos, testemunhas e executores implacáveis do fim dos tempos, obrigados a tolerar nossa própria presença fastidiosa no epílogo quase vazio de um mundo que já desapareceu.

Esse ambiente distópico abriga a única obra da exposição: um diminuto cubo de sessenta e quatro centímetros cúbicos. O belo objeto produz um fascínio peculiar ao mostrar suas facetas perfeitamente polidas e estratificadas, como a própria litosfera terrestre. Ele é um composto feito dos materiais mais consumidos pela máquina extrativista do capital: um mecanismo que se alimenta de violências materiais e epistemológicas, cujo substrato são as crises humanitárias e ambientais dispersas por todo o planeta. A pequena peça esteticamente impressionante possui algo de sublime, como um bloco de concreto extraterrestre ou um estranho pixel tridimensional, evocando simultaneamente o seu aspecto invulgar e a agência humana — o trabalho que foi alienado dos vários objetos cotidianos que nos cercam, de prédios com painéis solares a computadores. Alienadas, também, são as próprias substâncias que os compõem: minerais presentes em reservas tão diversas como o corpo humano e a Lua. Formados pelos mesmos elementos, pessoas, objetos e satélites planetares existem em continuidade; o tempo dos astros celestes é o tempo dos seres viventes na Terra. A excepcionalidade da obra é potencializada pelo dispositivo de visualização criado por Jaar: na imensa sala de mil metros quadrados, aquela estrutura inorgânica funciona como um centro gravitacional desproporcional que atrai, sobretudo, o caráter político de toda matéria.

 

 

O objeto é a menor medida possível do que Isabelle Stengers identificou como cosmopolítica [1]. Operando como uma minúscula cápsula do tempo, o cubo metálico anseia legar algo do presente a um hipotético interlocutor do porvir. A antropóloga Elizabeth Povinelli sugeriu que a vida biológica é apenas um órgão interno de um planeta que ainda existirá mesmo após a sua extinção [2]. Sem deixar de assumir a agência da matéria inorgânica, La Fin du Monde reivindica responsabilidade sobre essa breve dobra no tempo cosmológico da qual fazemos parte, lembrando que até mesmo a suposta “economia verde” violenta o mundo e seus viventes. O cobre e o lítio, por exemplo, são considerados matérias-primas estratégicas para a transição energética, devido à sua relevância tanto na produção de veículos elétricos, quanto nos sistemas de armazenamento de energia. Entretanto, além de figurar na composição de carros e baterias, esses metais também invadem os organismos que atravessam a sua extração; a pesquisadora Marina Weinberg sugeriu o termo “corpos de cobre” para manifestar os efeitos da exploração deste minério em Chuquicamata sobre a população local [3] — uma das maiores minas de cobre do mundo alocada no norte do Chile, cuja mineração teve início no século XIX. O deserto do Atacama abriga, também, uma das principais fontes de lítio do planeta — o Salar de Atacama — onde o processo irresponsável de extração do mineral tem causado graves consequências sócio-ambientais para populações locais, como os Licanantay. Essa gestão dos corpos — outra expressão de Weinberg — é regulada por empresas privadas cuja história se entrelaça com a própria história política do país: a SQM (antiga Soquimich), responsável pela extração do lítio, foi criada na vaga de privatizações implementadas durante a ditadura de Augusto Pinochet, processo que beneficiou o então genro do ditador, atualmente um dos maiores acionistas da empresa. Inscritas na paisagem, as relações histórico-políticas entre a ditadura chilena — a mesma que afastou Jaar do seu país natal — e geologia não terminam por aqui: nas areias do deserto, o campo de concentração Chacabuco existiu entre 1973 e 1975. Seus trinta e seis hectares haviam sido previamente destinados à exploração de salitre. Completamente isolada em um território inóspito, a essa estrutura extrativista, o governo militar precisou acrescentar, apenas, alguns dispositivos de controle. No solo daquela dramática geografia, misturam-se minerais nativos e ossos humanos, resquícios de assassinatos cometidos no início da ditadura e preservados devido à secura extrema da região: uma história irreparavelmente amalgamada com o material árido do deserto, que aponta para uma política das matérias e das substâncias.

É a essa política que a exposição de Jaar recorre. A estratégia geopoética do artista — termo utilizado pelo geólogo Adam Bobbette [4], colaborador da pesquisa para La Fin du Monde — consiste em mostrar inscrições histórico-políticas na crosta terrestre. Mas para isso, a camada sólida do mundo é revirada, mostrando o seu avesso, enquanto o espectador é posicionado no seu interior. Escavando o tempo das substâncias em todas as direções, o que emerge é uma arqueologia do futuro; desse movimento arqueológico, resta apenas uma última memória destinada ao fim do mundo, a síntese derradeira do drama mineral que corrói o nosso tempo presente. Antônio Bispo dos Santos chamou de cosmofobia a desconexão entre o ser humano e o mundo físico, produto de um projeto colonial em aliança perversa com o capital. O ativista e escritor também rememora uma anedota da sua infância no Quilombo Saco-Curtume, localizado no nordeste brasileiro:

“Onde é o fim do mundo?”. O sábio colocou o calcanhar no chão, dobrou os dedos, transformou o pé em um compasso, fez um círculo e disse: “O fim do mundo é aqui, onde ficou meu calcanhar, porque o mundo é redondo”. E o rei perguntou: “E o começo do mundo?”. “É aqui também”, ele respondeu. Aqui é o fim e aqui é o começo, depende de quem está se posicionando”. [5]

Uma memória entranhada no centro da Terra. Com uma densidade que desafia a escala do pequeno cubo que ocupa, ela ameaça aglutinar tudo ao ser redor, como o prenúncio de um buraco negro. Mas ali, na iminência do colapso, essa memória ainda resiste — entre o fim e o começo do mundo.

 

 

 

Isabel Stein
É doutoranda em Estudos Artísticos na Universidade Nova de Lisboa. Mestre em Comunicação e Cultura pela UFRJ, integra os grupos de pesquisa Observatório de Estudos Visuais e Arqueologia dos Media (NOVA FCSH) e Imagem/Tempo (UFRJ). Sua investigação e prática centram-se na fotografia, explorando suas articulações com a história, a arte e a política. Tem participado de conferências e publicações acadêmicas sobre a imagem fotográfica. Além disso, desenvolve projetos curatoriais e artísticos, como a exposição Imagens intangíveis (2025) e a fundação do InterStruct Collective.

 


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Notas

[1] Cosmopolitics (2010)
[2] Geontologies: A requiem to late liberalism (2016)
[3] Cuerpos de cobre: Extractivismo en Chuquicamata, Chile (2021)
[4] Geopoetics: A new political history (2023)
[5] A terra dá, a terra quer (2023)



ISABEL STEIN