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ALFREDO JAARLA FIN DU MONDEGALERIE LA PATINOIRE ROYALE BACH Rue Veydt 15 1060 Bruxelles 04 SET - 14 FEV 2026 A última memória
COBRE PAMPA — Andrés Sabella
Esse ambiente distópico abriga a única obra da exposição: um diminuto cubo de sessenta e quatro centímetros cúbicos. O belo objeto produz um fascínio peculiar ao mostrar suas facetas perfeitamente polidas e estratificadas, como a própria litosfera terrestre. Ele é um composto feito dos materiais mais consumidos pela máquina extrativista do capital: um mecanismo que se alimenta de violências materiais e epistemológicas, cujo substrato são as crises humanitárias e ambientais dispersas por todo o planeta. A pequena peça esteticamente impressionante possui algo de sublime, como um bloco de concreto extraterrestre ou um estranho pixel tridimensional, evocando simultaneamente o seu aspecto invulgar e a agência humana — o trabalho que foi alienado dos vários objetos cotidianos que nos cercam, de prédios com painéis solares a computadores. Alienadas, também, são as próprias substâncias que os compõem: minerais presentes em reservas tão diversas como o corpo humano e a Lua. Formados pelos mesmos elementos, pessoas, objetos e satélites planetares existem em continuidade; o tempo dos astros celestes é o tempo dos seres viventes na Terra. A excepcionalidade da obra é potencializada pelo dispositivo de visualização criado por Jaar: na imensa sala de mil metros quadrados, aquela estrutura inorgânica funciona como um centro gravitacional desproporcional que atrai, sobretudo, o caráter político de toda matéria.
O objeto é a menor medida possível do que Isabelle Stengers identificou como cosmopolítica [1]. Operando como uma minúscula cápsula do tempo, o cubo metálico anseia legar algo do presente a um hipotético interlocutor do porvir. A antropóloga Elizabeth Povinelli sugeriu que a vida biológica é apenas um órgão interno de um planeta que ainda existirá mesmo após a sua extinção [2]. Sem deixar de assumir a agência da matéria inorgânica, La Fin du Monde reivindica responsabilidade sobre essa breve dobra no tempo cosmológico da qual fazemos parte, lembrando que até mesmo a suposta “economia verde” violenta o mundo e seus viventes. O cobre e o lítio, por exemplo, são considerados matérias-primas estratégicas para a transição energética, devido à sua relevância tanto na produção de veículos elétricos, quanto nos sistemas de armazenamento de energia. Entretanto, além de figurar na composição de carros e baterias, esses metais também invadem os organismos que atravessam a sua extração; a pesquisadora Marina Weinberg sugeriu o termo “corpos de cobre” para manifestar os efeitos da exploração deste minério em Chuquicamata sobre a população local [3] — uma das maiores minas de cobre do mundo alocada no norte do Chile, cuja mineração teve início no século XIX. O deserto do Atacama abriga, também, uma das principais fontes de lítio do planeta — o Salar de Atacama — onde o processo irresponsável de extração do mineral tem causado graves consequências sócio-ambientais para populações locais, como os Licanantay. Essa gestão dos corpos — outra expressão de Weinberg — é regulada por empresas privadas cuja história se entrelaça com a própria história política do país: a SQM (antiga Soquimich), responsável pela extração do lítio, foi criada na vaga de privatizações implementadas durante a ditadura de Augusto Pinochet, processo que beneficiou o então genro do ditador, atualmente um dos maiores acionistas da empresa. Inscritas na paisagem, as relações histórico-políticas entre a ditadura chilena — a mesma que afastou Jaar do seu país natal — e geologia não terminam por aqui: nas areias do deserto, o campo de concentração Chacabuco existiu entre 1973 e 1975. Seus trinta e seis hectares haviam sido previamente destinados à exploração de salitre. Completamente isolada em um território inóspito, a essa estrutura extrativista, o governo militar precisou acrescentar, apenas, alguns dispositivos de controle. No solo daquela dramática geografia, misturam-se minerais nativos e ossos humanos, resquícios de assassinatos cometidos no início da ditadura e preservados devido à secura extrema da região: uma história irreparavelmente amalgamada com o material árido do deserto, que aponta para uma política das matérias e das substâncias. É a essa política que a exposição de Jaar recorre. A estratégia geopoética do artista — termo utilizado pelo geólogo Adam Bobbette [4], colaborador da pesquisa para La Fin du Monde — consiste em mostrar inscrições histórico-políticas na crosta terrestre. Mas para isso, a camada sólida do mundo é revirada, mostrando o seu avesso, enquanto o espectador é posicionado no seu interior. Escavando o tempo das substâncias em todas as direções, o que emerge é uma arqueologia do futuro; desse movimento arqueológico, resta apenas uma última memória destinada ao fim do mundo, a síntese derradeira do drama mineral que corrói o nosso tempo presente. Antônio Bispo dos Santos chamou de cosmofobia a desconexão entre o ser humano e o mundo físico, produto de um projeto colonial em aliança perversa com o capital. O ativista e escritor também rememora uma anedota da sua infância no Quilombo Saco-Curtume, localizado no nordeste brasileiro: “Onde é o fim do mundo?”. O sábio colocou o calcanhar no chão, dobrou os dedos, transformou o pé em um compasso, fez um círculo e disse: “O fim do mundo é aqui, onde ficou meu calcanhar, porque o mundo é redondo”. E o rei perguntou: “E o começo do mundo?”. “É aqui também”, ele respondeu. Aqui é o fim e aqui é o começo, depende de quem está se posicionando”. [5] Uma memória entranhada no centro da Terra. Com uma densidade que desafia a escala do pequeno cubo que ocupa, ela ameaça aglutinar tudo ao ser redor, como o prenúncio de um buraco negro. Mas ali, na iminência do colapso, essa memória ainda resiste — entre o fim e o começo do mundo.
Isabel Stein
Notas [1] Cosmopolitics (2010)
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