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AS PINTURAS RUPESTRES QUE DIVIDIRAM O MUNDO ARQUEOLÓGICO DO SÉCULO XIX2025-09-11![]() Em 1879, um proprietário de terras e arqueólogo amador chamado Marcelino Sanz de Sautuola aventurou-se num sistema de grutas recém-descoberto no norte de Espanha. Na esperança de encontrar ferramentas pré-históricas, mantinha os olhos fixos no chão enquanto caminhava pelos túneis sinuosos e de teto baixo da gruta. Se não fosse a sua filha de oito anos, Maria, que olhava para o teto da gruta em vez do chão, ele poderia muito bem ter perdido a maior descoberta da sua vida. "Olha, papá, os seus touros!", gritou ela, apontando para as dezenas e dezenas de pinturas rupestres que enchiam a parede rochosa por cima das suas cabeças. Localizada a pouco mais de uma hora de carro a oeste da cidade de Bilbau, a Gruta de Altamira ("vista de cima") alberga algumas das pinturas pré-históricas mais famosas do mundo. São conhecidas não só pela sua idade — mais de 20.000 anos, segundo algumas estimativas —, mas também pela sua quantidade (cerca de 930). Igualmente impressionantes são o seu excelente estado de preservação, graças ao clima estável da gruta, e a sua complexidade visual: para além de touros, as paredes da gruta estão povoadas por pinturas de veados, bois, javalis e humanoides, muitas delas feitas com pigmentos de diferentes cores. Hoje, todas estas qualidades fazem da Gruta de Altamira um valioso património mundial e um destino turístico popular, atraindo até 250 mil visitantes por ano. No final do século XIX, no entanto, a gruta tinha uma reputação bastante diferente. Embora seja difícil de imaginar, a comunidade científica da época reagiu à descoberta de Marcelino com um misto de risos e sobrancelhas erguidas. Como nunca ninguém tinha visto pinturas rupestres, ninguém considerava os humanos primitivos capazes de as criar. Os humanos primitivos, segundo a linha de pensamento predominante, eram isso mesmo: primitivos. Eram bestiais, bárbaros, incapazes de comunicar através de símbolos e de criar qualquer coisa que se pudesse chamar "arte", pensavam os cientistas. A polémica da Gruta de Altamira Convencido da autenticidade das pinturas, Marcelino tentou, em vão, persuadir os seus contemporâneos. Num panfleto de 1880 intitulado "Breves notas sobre alguns objetos pré-históricos da Província de Santander", estimou que as obras de arte preservadas no interior da Gruta de Altamira tinham sido criadas algures no período Paleolítico. O panfleto, embora bem fundamentado e, em última análise, correto, foi recebido com cepticismo. Uma voz influente da época, o arqueólogo francês Émile de Cartailhac, chegou mesmo a denunciar as pinturas de Altamira como falsificações. Esta opinião, que manchou seriamente a reputação profissional de Marcelino, prevaleceu até à sua morte, em 1888. Foi apenas com a descoberta de outras coleções de pinturas rupestres em França que De Cartailhac mudou de ideias. Num artigo de 1902 intitulado "Mea Culpa d'un sceptique" ou "A desculpa de um céptico", o arqueólogo admitiu que estava errado. Ao fazê-lo, não só reabilitou a vida e o legado de Marcelino, como também instou a comunidade científica a deixar de considerar os humanos pré-históricos como primitivos e sem cultura, abrindo caminho para paradigmas arqueológicos e paleontológicos que perduram até aos dias de hoje. Hoje em dia, os humanos pré-históricos já não são considerados incivilizados — longe disso. Escavações e pesquisas mostraram que os povos do Paleolítico Superior se dedicavam a todo o tipo de produção cultural. Além de pintarem paredes de grutas, criavam ferramentas, joias e roupas, e mantinham redes sociais complexas. Nenhuma destas descobertas teria sido possível se, tal como Marcelino quando pisou pela primeira vez a Gruta de Altamira, a comunidade científica tivesse continuado a olhar para baixo. Fonte: Artnet News |