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DORIS SALCEDOPlegaria Muda![]() CAM - CENTRO DE ARTE MODERNA Rua Dr. Nicolau de Bettencourt 1050-078 Lisboa 12 NOV - 22 JAN 2012 ![]() ![]() Plegaria Muda é o tÃtulo da instalação mais recente de Doris Salcedo, mas também a primeira exposição que a artista colombiana realiza em Portugal, numa co-produção do Centro de Arte Moderna-Fundação Calouste Gulbenkian com mais quatro instituições internacionais: o Moderna Museet Malmö; o MUAC – Museo Universitario Arte Contemporáneo, Cidade do México; o MAXXI – Museo nazionale delle arti del XXI secolo, Roma e a Pinacoteca do Estado de São Paulo. O trabalho de Doris Salcedo (n.1958, Bogotá), até hoje pouco conhecido entre nós, remonta ao final da década de 1980, adquirindo porém maior visibilidade no decorrer dos anos 1990, altura em que vários artistas redirecionam a prática escultórica e da instalação para um questionamento crÃtico da ideia de monumento e de memória associado aos problemas de exclusão inerentes aos desenvolvimentos do capitalismo global. Doris Salcedo surge assim a par de outros nomes, como Mona Hatoum, Rachel Whiteread ou Santiago Sierra, produzindo um corpo de trabalho diversificado que interroga a fragilidade da vida humana em particular, através da rememoração de atos de opressão, violência e morte polÃtica ou de traumas coletivos e pessoais. No entanto, os processos de rememoração em causa não atuam meramente como testemunho ou simples evidência de um mal. Eles recuperam antes a história com a vontade de fraturar e também de cancelar as ordens e hierarquias que configuram determinados poderes. Enquanto os seus trabalhos iniciais se resolviam em pequenas e médias esculturas, constituÃdas geralmente por combinações dos mesmos materiais: cimento, portas, cadeiras, mesas e armários de madeira e outros objetos quotidianos em metal, nos anos 2000 Salcedo recorre com mais frequência a instalações de grande escala que se inscrevem no espaço público ou se articulam com os espaços de apresentação, como é caso de Plegaria Muda (2008-10) que ocupa com grande eficácia toda a nave central do CAM ou de outras instalações anteriores como Abyss (2006) e Shibboleth (2007) exibidas no foyer do museu em forma de documento fotográfico. Em Abyss, produzida para a 1ª Trienal de Arte Contemporânea de Turim e apresentada no museu Castello di Rivoli (antiga residência da Casa de Sabóia), a artista reproduziu vários tijolos idênticos aos do teto do edifÃcio do museu e aplicou-os na parede da sala até ao nÃvel do olhar, criando uma sugestão de descida do poder até ao público e invertendo a sua posição de excluÃdo dos sistemas de poder. Já em Shibboleth, instalação de cimento realizada para o chão do Turbine Hall da Tate Modern, Londres, uma enorme fenda rachada expunha, a partir do presente pós-colonial, as feridas do próprio mundo moderno, como o racismo e o colonialismo. À semelhança destes projetos, Plegaria Muda resulta de um longo perÃodo de produção e investigação sobre as condições de exclusão e suas manifestações na contemporaneidade. Na origem desta instalação, encontramos um acontecimento especÃfico: a morte de jovens colombianos, habitantes de diferentes zonas marginais do paÃs que foram assassinados pelo exército, entre 2003 e 2009, a troco de uma recompensa do governo oferecida pelo aniquilamento de guerrilheiros opositores ao regime. A condição de pobreza e de vulnerabilidade daqueles jovens, que os colocava já por si numa zona de indistinção entre o direito ou não à cidadania ou entre a vida morte e a morte, possibilitou que o exército facilmente os assassinasse, os enterrasse em valas comuns sem identificação e os desse então como guerrilheiros, beneficiando de um poder soberano (1). Poder esse que dá lugar aos mais diversos estados de exeção, excluindo grupos e indivÃduos da plena cidadania e destituindo-os de todos os direitos, inclusive o da morte individual, singular, identificada e reconhecida. Porém, Plegaria Muda está longe de citar este acontecimento e violência associada com recurso a uma linguagem explÃcita e denunciadora. Ao entramos na nave central do CAM, confrontamo-nos com uma instalação composta por 162 elementos escultóricos idênticos com um sistema de irrigação próprio. Cada um dos elementos é constituÃdo por duas mesas de madeira sobrepostas e com os tampos virados um para o outro. A separar os tampos, uma camada espessa de terra evidencia-se, enquanto através do tampo de cada mesa invertida brotam ervas. Dispersas no espaço, estas esculturas convidam o público a percorrê-las com atenção e a identificá-las com a forma e a dimensão usual de caixões funerários. Subitamente a paisagem configurada pelas esculturas transforma-se em cemitério e o percurso do público institui um ritual, o do funeral, tornando-nos parte dele. Muito próximo certamente do gesto de AntÃgona, Doris Salcedo devolve aqui a cada uma das vÃtimas a possibilidade de um enterro próprio, mas também resgata-as da esfera do anonimato e do esquecimento social, conferindo-lhes lugar, singularidade, visibilidade e voz. Se o trabalho de Salcedo é muitas vezes designado de polÃtico, é porque ele opera o polÃtico em vez de o representar, reservando-lhe uma ação liminar fruto de tensões e quase sempre inesperada, como também nos sugerem as ervas de Plegaria Muda que resistem nos tampos das mesas e fitam o nosso olhar. NOTA AGAMBEN, Giorgio – O Poder Soberano e a Vida Nua. Homo Sacer. Lisboa: Ed. Presença, 1998 ![]()
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