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EXPOSIÇÕES ATUAIS


Vista da exposição Cru, de António Bolota. Cortesia Sismógrafo.


Vista da exposição Cru, de António Bolota. Cortesia Sismógrafo.


Vista da exposição Cru, de António Bolota. Cortesia Sismógrafo.


Vista da exposição Cru, de António Bolota. Cortesia Sismógrafo.

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ARQUIVO:


ANTÓNIO BOLOTA

CRU




SISMÓGRAFO (HEROÍSMO)
Rua do Heroísmo 318
4300-096 Porto

15 JUL - 19 AGO 2023

António Bolota, em cru, no novo Sismógrafo.



António Bolota (Angola, 1962) será um dos mais relevantes artistas portugueses contemporâneos. Com matriz na Escultura, tem como principais referências o Minimalismo e o Construtivismo, embora, antes de se dedicar às artes, em especial à História da Arte e à Estética, se tenha formado em Engenharia Civil. Deste cruzamento de disciplinas emergem obras cuja composição é particularmente sui generis e que se situam entre o humano e a natureza, o industrial e o orgânico, o geométrico e o irregular, nas quais se materializam jogos de escalas, proporções e matérias. O artista consolida, assim, um diversificado, distinto e estimulante corpo de trabalho, esteticamente valioso.

Coetânea com a aprovação da Lei do Restauro da Natureza, a mais recente mostra do artista é a ocasião de uma aproximação ao universo do natural através da arte. Com o título Cru, António Bolota demonstra como a utilização da madeira na criação e na produção de obras de arte pode constituir uma forma de restauro e de reaproveitamento da matéria. Afirma, igualmente, a capacidade da arte para funcionar enquanto médium eficaz para cumprir e disseminar o compromisso com a preservação dos ecossistemas e da Terra. Isto sobretudo quando a obra é criada por uma reconhecida mestria plástica, como é a do artista.

A peça exposta é site-specific, processo artístico preferencial do artista. Foi concebida propositadamente para a nova galeria do Sismógrafo, cujas instalações assentam numa planta enviesada e excecionalmente comprida, principal e comparativamente com a sua largura. É esta a obra que inaugura este novo espaço cultural de um projeto que, após nove anos de atividade, relocaliza-se na Rua do Heroísmo, na cidade do Porto, com uma maior capacidade para mostras, workshops e outras atividades.

Relativamente à obra, opera entre a tensão e o equilíbrio e desafia forças de gravidade e atração, dinâmicas e contrastes que, sendo particularmente acentuados, são quase tangíveis. Interpela e toca o espectador, e proporciona-lhe uma visita singular e rica. Como é próprio do artista, a peça dirige-se e desafia o corpóreo, inclusivamente o corpo do próprio espectador. Por um lado, através das suas dimensões, por outro, pela forma como se instala no espaço, convidando a uma observação ativa, móvel, dinâmica.

Enquanto obra de grande escala, Cru requer ser contornada a toda a volta, especialmente em resultado da impossibilidade de a contemplar ou apreender na íntegra, a partir de um único ponto de vista. Por conseguinte, e na medida em que ocupa toda a galeria, dominando-a e habitando-a, fazendo dela o seu novo habitat, exige que o espectador percorra a área expositiva na sua totalidade. A par de tais imponência e magnitude, a obra comporta inúmeros pequenos pormenores importantes de perscrutar. Nessa medida, sugere-se uma observação que se processe entre a aproximação e o afastamento sucessivos, contínuos e demorados.

A instalação consiste numa composição de nove volumosos fragmentos de troncos de madeira pertencentes a duas grandiosas árvores de eucalipto, adquiridos pelo artista num abate florestal em Alcabideche, próximo do seu atelier. A manipulação destes elementos, sobretudo mediante a radical viragem da sua natural verticalidade para uma inesperada horizontalidade, exerce uma interessante transfiguração que os reconfigura, recontextualiza e reinterpreta. A madeira, material primordial e de eleição do artista, encontra-se pouco trabalhada, somente com a superfície ligeiramente polida. No entanto, ao longo de toda a sua extensão, apresenta profusas, embora ténues, intervenções. Tratam-se de pequenas cavidades feitas por térmitas que, como o artista indica, colaboraram nesta sua criação. Com esse preciso fim, durante semanas colocou os troncos numa zona favorável à humidade. Alcançado o efeito desejado, relocalizou-os sob calor e luz solar.

Os troncos encontram-se, agora, suspensos a um metro e meio de altura, mantendo-se na longitudinal, hirtos, firmes, robustos. Estão unidos uns aos outros por quase impercetíveis barras de ferro, técnica basilar da escultura, recorrentemente utilizada para suportar peças em altura, assegurando a estabilidade das mesmas, a sua fixação e a apresentação como objetos únicos. Para tal, o artista concebeu arcos de ferro dentro de cada um dos quais introduziu os troncos, ficando estes estrategicamente como que a pairar, de modo que, num primeiro olhar, surgem em (semi) suspensão. Esta estratégia formal e técnica é exemplo da transversalidade prática das diferentes áreas de estudo do artista e, mais especificamente, da arte e da engenharia.

A nível conceptual, Cru trabalha e expõe a relação e o diálogo entre o humano e a natureza, entre o trabalho manual, quer artístico quer construtivo, e o natural, a flora e a fauna, bem como, entre o material industrial e o orgânico, convocados pelo ferro e pela madeira. Deste modo, o artista propõe e inaugura um contexto propício para a reflexão e para o debate, assim como para uma singular receção estética, tão percetiva e visual quanto física. Em suma, concretiza-se uma experiência profundamente sensorial.

Assim, a obra que se exibe no Sismógrafo, inaugurada no passado dia 15 de julho e passível de visitar até 19 de agosto, é particularmente atual e pertinente, mas, simultaneamente, atemporal, ecoando para lá do espaço e do tempo da sua exposição. Sobre a qualidade artística e estética do que se expõe, em consonância com todo o trabalho que António Bolota tem vindo a desenvolver, especialmente nos últimos anos, é de um valor extremo, notável. Trata-se, indubitavelmente, de uma obra que impressiona, atrai e que, sobretudo, nos devolve um centro.



CONSTANÇA BABO