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O DESASTROSO INCÊNDIO NO PALÁCIO DUCAL QUE REDUZIU A CINZAS PINTURAS VALIOSAS

2025-12-31




O Palácio Ducal de Veneza ardeu várias vezes ao longo da sua história. Durante o século X, o edifício foi incendiado durante uma rebelião contra a liderança da cidade. Em 1483, as chamas propagaram-se pela ala oriental, a parte do palácio que alberga a residência privada do Doge. Os danos causados por um incêndio em 1574 mal tinham sido reparados quando outro deflagrou três anos depois.

Em retrospetiva, este terceiro incêndio revelou-se o pior de todos. Não porque tenha ameaçado a integridade estrutural do próprio palácio — os alicerces saíram praticamente ilesos —, mas porque se alastrou à Grande Sala do Conselho, uma sala repleta de pinturas valiosas e altamente inflamáveis dos melhores artistas da península italiana.

Construído sobre um sítio arqueológico que remonta à queda do Império Romano do Ocidente em 467 d.C., e combinando os estilos arquitetónicos gótico, renascentista e maneirista, o Palácio Ducal (Palazzo Ducale) é um dos maiores e mais impressionantes edifícios históricos de toda a Itália. Durante séculos, serviu de sede do governo da República de Veneza e também de residência do líder eleito desse governo: o Doge.

Rivalizando com os Papas de Roma e a família Médici de Florença em riqueza e poder, muitos Doges encomendaram a artistas de renome a criação de pinturas e esculturas que demonstrassem a força e a opulência da república. Embora uma parte considerável desta coleção transmitida ao longo de gerações se tenha perdido no incêndio de 1577, o Palácio Ducal continua a ser um dos mais importantes tesouros da arte medieval e renascentista de Itália.

As causas do incêndio de 1577 não são claras, dado que a maioria dos relatos históricos se centra apenas nas suas consequências. Os trabalhadores encarregados de extinguir as chamas lutavam para entrar no edifício, enquanto as temperaturas faziam com que o teto de chumbo se liquefizesse e chovesse do forro, transformando tanto a Grande Sala do Conselho como a adjacente Sala do Escrutínio (onde os votos eram contados) em cenas saídas diretamente do Inferno de Dante Alighieri.

O incêndio destruiu grande parte de um fresco de 1365 do pintor medieval Guariento di Arpo, que se diz retratar o paraíso. Pior ainda foram os retratos de antigos doges que decoravam as paredes da Grande Sala do Conselho, reduzidos a cinzas. Um deles retratava o Doge Andrea Gritti, que governou a República de Veneza de 1523 a 1538. Foi pintado por nada mais nada menos que Ticiano. Embora as cópias sobreviventes (e as cópias de cópias) nos dêem uma ideia de como teria sido este retrato, o original está perdido para sempre.

Houve outras vítimas também. Os admiradores de Tintoretto, um contemporâneo de Ticiano um pouco menos conhecido, mas igualmente influente, foram privados de duas pinturas que retratavam a coroação e a excomunhão de Frederico I, o Sacro Imperador Romano que lutou contra o Papa Alexandre III pela supremacia total no início do século XII. Perdeu-se também uma pintura de Vittore Carpaccio mostrando Frederico e Alexandre a reconciliarem-se durante a histórica Paz de Veneza em 1177; bem como obras de Pisanello, Bellini e Paolo Veronese.

Não sendo estranho aos incêndios palacianos, o governo veneziano não perdeu tempo a preencher o espaço vazio nas paredes com novas encomendas. Já em 1578, o Palácio Ducal introduziu um programa de redecoração para a Grande Sala do Conselho, a área mais afetada do edifício. Desta vez, as autoridades não estavam interessadas em retratos, mas sim em pinturas históricas que contassem a história da ascensão de Veneza ao poder — uma potência económica renascida das cinzas.


Fonte: Artnet News