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ANTóNIO GUIMARãES FERREIRA
CARLOTA BORGES LLORET
António Guimarães Ferreira nasceu em Lisboa e é licenciado em Direito. Paralelamente, frequentou o Curso de Desenho e Atelier na Sociedade Nacional de Belas Artes. Em 2015 obteve o primeiro lugar no concurso “Criarte” e foi bolseiro na Mart. A 2 de Fevereiro apresentará a exposição “no ghosts” no seu espaço de trabalho, uma moradia inabitada no topo de Algés com vista para o rio Tejo. António Guimarães Ferreira conversou com a Artecapital sobre o seu peculiar atelier.
Por Carlota Borges Lloret
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CBL: Esta moradia tem 3 andares, 12 quartos, um sótão e uma marquise. Trabalhas em praticamente todos os quartos. Como descreves o teu atelier?
AGF: É um espaço de trabalho e partilha onde a prática artística se desenvolve aliada a uma série de fluxos específicos. A relação entre espaço, materiais e corpo é omnipresente e o processo criativo é contaminado por tudo à volta. Trabalho quase sempre no atelier, mesmo ao computador e estou lá a horas regulares. Aqui é tudo processo. Tentativa e erro. E, como há espaço, posso tentar várias coisas ao mesmo tempo.
CBL: "É um espaço aberto, de experimentação, e que alberga um regime de visitação em funcionamento desde 2016". Consideras importante receber as pessoas no teu espaço de trabalho?
AGF: É muito importante e recompensador. Estas visitas têm dado sentido à “vivência” da “casa". A casa está sempre a mudar e acompanhar este processo é perceber o que ali se passa. Mais do que ir a uma exposição, que é um marco no tempo. Além de visitas individuais, também já aconteceram algumas sessões colectivas e trabalho em conjunto com outros artistas.
CBL: Fala-nos um pouco sobre a mostra inaugural a acontecer no dia 2 de fevereiro.
AGF: “no ghosts” é o resultado dos últimos 2 anos de trabalho, na Moradia. Idealmente, será o reflexo, no corpo do espectador, do que aqui falo. A casa é pensada como um todo que recebe quem a percorre e passa a “conhecê-la”. É uma experiência imersiva onde luz e sombra - dar (ou não) a ver - desempenham papel fundamental. As peças constituem-se como um conjunto organizado e comunicante.
CBL: O que queres dizer com "o que os objectos querem ser no mundo presente”?
AGF: Objectos, corpos e espaços funcionam numa relação constantemente reconfigurada e reavaliada por entidades, elas mesmas em permanente e rápida transformação. Não creio que sejamos os únicos com vontades aqui. Vejo as coisas como fluxos e inter-relações. Nesse sentido, o artista deve criar espaço, dar lugar a.
CBL: O teu espaço de trabalho foi, em tempos, a casa da tua avó. Essa ligação é determinante no teu processo de criação?
AGF: A minha avó era artista e mantinha uma relação muito forte com os objectos. Perante a impossibilidade de se separar de móveis, materiais ou ferramentas, juntou um conjunto de coisas organizado em função da sua excentricidade. Este é o ponto de partida de grande parte do trabalho que tenho feito, e a ligação de que falas é real. No seguimento desta apropriação, há uma actualização dos papéis que estes objectos podem cumprir. Eles fazem uma viagem em direcção ao presente, carregando memórias e mazelas, mas ainda procurando um lugar no mundo. E esse lugar não sou só eu que decido. O meu papel é fazer aparecer.
CBL: Para além de instalação, escultura e pintura, também exploras o campo da performance através do projecto “Enxerto".
AGF: Enxerto é um projecto gerido em co-autoria com Rui Gueifão. Recorremos a um conjunto de práticas de recolha, transporte e recontextualização para construirmos um pensamento contínuo e plural. A vertente performativa foi mais evidente no projecto que desenvolvemos para a edição do ano passado do festival Atalaia Artes Performativas, onde uma escultura potencial foi transportada por nós, numa carroça tradicional, durante 6 dias, entre Aljustrel e Ourique, e montada diariamente no espaço público.
CBL: Projectos seguintes?
AGF: Em relação a “no ghosts”, existe a possibilidade destas peças serem transportadas para Goa, seguindo o rumo de quatro séculos de história e só muito recentemente interrompido. Esta deslocação permitirá colocar uma série de perguntas à volta da relação dos objectos artísticos com questões de identidade cultural e contextualização histórica. Na Moradia, está programada uma exposição colectiva para Abril.
Para mais informarmação sobre a mostra inaugural, consulte o evento: "no ghosts"