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PERSPETIVA ATUAL





Prémio do Público: “Antivirus”, contra seringas infectadas (Hân Pham, Dinamarca)


Prémio BODY/Corpo: “Mobility for Each One”, prótese para vítimas de minas (Sébastien Dubois; Canadá)


Prémio HOME/Casa: “Solar Bottle”, transporte e desinfecção de àgua contaminada (Alberto Meda e Francisco Paz; Itália)


Prémio COMMUNITY/Comunidade: “One Laptop Per Child” (Rebecca Allen, Christopher Blizzard, V. Michael Bove, Yves Behar/fuseproject, Walter Bender, Michail Bletsas, Mark Foster, Jacques Gagne, Mary Lou


Prémio PLAY/Lazer: “Tesla Roadster”, um desportivo com 0% de emissões (Tesla Motors; EUA)


Exposição dos 106 projectos finalistas nas 5 categorias; Praça Kongens Nytorv, Copenhaga


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O PRÉMIO, A EXPOSIÇÃO, A CONFERÊNCIA


Frequentemente referenciado como “o maior prémio de design do mundo” (leia-se aqui, o mais bem remunerado prémio de design do mundo) os prémios INDEX: (Dinamarca) são melhor representados pelo seu subtítulo - “Design to Improve Life”. Esta ideia, a de uma melhoria da qualidade de vida através do design, ali debatida e exemplificada extensivamente, distingue este evento de outros grandes eventos de design no plano internacional. A acepção do design num plano estético e formal não é negligenciada, mas é sempre vista em correlação com a sua funcionalidade e o seu impacto. Impacto, aqui, significa a sua capacidade de modificar ou até revolucionar as nossas vidas.

O culminar deste pensamento humanista é a atribuição de cinco prémios a projectos que elevam esta capacidade impactuante a uma escala global. Assim, foram atribuídos cinco vezes 100 mil euros a projectos que, segundo um júri internacional, apresentaram soluções exequíveis – e belas, sempre belas - para desafios do planeta hoje. Alterações climáticas, fome, pobreza extrema, acesso a água potável, combate a epidemias, participação política, inclusão social; este é só o começo de uma agenda tão variada e complexa, quanto urgente. Notoriamente, o espírito que animou as conversas nestes dias em Copenhaga, dos encontros informais aos discursos oficiais, pautou-se por uma enorme ambição de meios e fins, e tocou frequentemente a megalomania. Falou-se bastante em salvar o mundo. Falou-se sobremaneira em inovação, até ao ponto da revolução. E menos, como comumente tido, em design.

Design, para o INDEX: é entendido como uma multiplicidade, como algo mais lato que os seus formatos imediatos – gráfico, visual, produto, interiores, moda. A seu ver, esta categorização exclui todo um potencial multidisciplinar, e todas as áreas que consideramos “inovação”.

Também numa multiplicidade de frentes (prémio, exposição, conferência e workshop) sentiu-se uma orgânica complementaridade entre os diferentes momentos do evento. Ao elitismo das conferências (200 participantes, com acesso pago) contrastou a democrática acessibilidade da exposição (livre acesso numa das praças mais centrais da cidade). Às festas e cerimónias a que só se acedia com convite e indumentária formal, contrapôs-se a plataforma online no site do jornal Politikens, um dos maiores, onde qualquer um podia discutir sobre cada um dos 106 projectos em exposição, e votar no melhor.

O vencedor do “Prémio do Público” foi um objecto desenhado por uma dinamarquesa de origem vietnamita, que derivou de um utensílio relacionado com uma experiência da infância, ao ter contraído uma doença com uma seringa contaminada. Como esta, estima-se que metade das injecções administradas em países em desenvolvimento sejam inseguras. Em consequência, milhares de pessoas morrem ou padecem de doenças desnecessárias. “ANTIVIRUS” é uma protecção simples e de produção barata, que descarta e isola seringas usadas.

À semelhança deste objecto, três dos restantes cinco projectos vencedores são endereçados ao chamado Terceiro Mundo. “Mobility for Each One”, do canadiano Sébastien Dubois, venceu a categoria BODY (Corpo). “Solar Bottle”, dos italianos Alberto Meda e Francisco Gomez Paz, venceu a categoria HOME (Casa). O primeiro procura melhorar a qualidade de vida e o acesso a próteses, para as estimadas 25 mil vítimas anuais de minas no solo. Construído com materiais de acesso local e de produção simples, consegue reduzir os custos habituais de uma prótese (1000 a 3000 euros) para uns impressionantes 6 euros.

O segundo, a garrafa solar, abraça a urgência da questão do acesso a água potável, que limita um sexto da população mundial e causa mais de 2 milhões de mortes anuais, na sua maioria crianças. Este contentor facilita o transporte de água, ao mesmo tempo que a purifica, através de uma tecnologia chamada SODIS® (Solar Water Disinfection).

O terceiro projecto endereçado a países em desenvolvimento dedica-se a uma das áreas mais debatidas nas conferências anexas a este evento – Educação. Uma equipa multidisciplinar reunida nos Estados Unidos, que inclui referências da história informática como Nicholas Negroponte, propôs-se conceber um computador portátil de custo inferior a 100 dólares. Este desafio, primeiramente denominado de “100$ laptop”, eventualmente se tornou “One Laptop Per Child”, dada a inviabilidade da primeira soma. Ainda assim, apesar de todos estes percalços projectuais e metodológicos, o júri decidiu premiar a sua ambição, e a sua visão de um futuro sem crianças excluídas informaticamente, e onde o acesso a ferramentas educacionais se torna um direito básico. O “One Laptop Per Child” é talvez o objecto paradigmático de uma ideia basilar ao INDEX:, quando as divergentes dimensões do design finalmente convergem. Forma, estética, função, impacto e contexto, existem aqui numa simbiose que transcende a sua óbvia beleza formal, perfeitamente adequada ao seu público infantil (colorido, robusto, leve, icónico, fácil). Com ele, as crianças podem ligar-se em rede, reproduzir e gravar som, ver imagens, escrever, guardar, partilhar. O monitor é legível à luz do dia, e na ausência de energia eléctrica, pode até ser recarregado manualmente (com um pedal ou uma corda). Não é demais relembrar que 99% das crianças nos países em desenvolvimento atravessam a sua escolaridade sem nunca tocar num computador. Numa sociedade galopantemente tecnológica, numa economia intrinsecamente informatizada, este torna-se um factor de exclusão considerável.

Em contraste diametral a estes três exemplos, com um utilizador-alvo quase oposto, o prémio da categoria PLAY (Lazer) recaiu sobre o americano “Tesla Roadster”. O Roadster é um desportivo de luxo sem emissões de carbono. Aponta a um nicho de mercado numericamente insignificante, quando comparado aos numerados acima, mas determinante em termos de poder de compra. O exclusivo mercado dos carros desportivos de luxo, restrito a milionários e celebridades, entra aqui em contraponto com a aposta em crianças desnutridas em países no limiar da pobreza. Estes 100 mil euros celebraram um produto concebido para um George Clooney ou um Leonardo DiCaprio.
Mesmo que polémica, esta escolha incentiva uma estratégia que pode vir a mostrar-se mais eficaz do que a melhor campanha que qualquer agência possa conceber. Vivemos ainda numa sociedade emuladora dos valores e atitudes veiculados pelos media, e em que as celebridades são os seus porta-estandarte por excelência. Além disso, o Tesla Roadster é um carro 100% movido a energia eléctrica, com emissões de carbono nulas, mas com todas as regalias dos outros carros desportivos.

O prémio na categoria WORK (Trabalho) foi dado a outro objecto de uma franqueza formal desarmante, quando considerados os seus efeitos em termos práticos. O “Tongue Sucker” faz literalmente isso - suga línguas. Mas com tão pouco, paramédicos conseguem evitar a morte ou lesão cerebral grave de um número inestimável de pessoas em situações de emergência. Quando inconscientes, a nossa língua bloqueia a respiração normal, fazendo que nuns escassos 4 minutos, fiquemos sujeitos a danos cerebrais. Se pensarmos no tempo médio de chegada das equipas médicas a qualquer local de emergência, em qualquer país do mundo, e os compararmos a este curtos 4 minutos, percebemos o carácter impactuante deste último premiado.

Estes projectos, juntamente com outra centena não menos admirável, estiveram em exposição entre 17 e 23 de Agosto, na centenária praça Kongens Nytorv, no coração de Copenhaga. Turistas e transeuntes não passavam indiferentes a este aparato, pelo diálogo entre as futuristas “bolhas” que continham a exposição e a traça clássica e imperial do século XVII. Cada um dos 106 projectos estava contido num receptáculo esférico transparente desenhado pelo dinamarquês Peter Lassen. O código de cores sinalizando cada uma das 5 categorias, bem como a disposição espaçada de cada um dos módulos, permitia uma viagem livre mas mapeada do espaço, e um maior entendimento dos conteúdos. No entanto, devido à profusidade de propostas, estratégias, conceitos, e opções de comunicação, tomadas por cada um dos projectos, a relação com a totalidade dos conteúdos atingia facilmente um ponto de complexidade e dispersão. Isto não era em si negativo, apenas exigia um empenho maior do visitante. Percorrer esta exposição de ponta a ponta era já em si um gesto de dedicação a estas causas. Por outro lado, esta aparente dificuldade reflectia de forma honesta a própria complexidade inerente ao tema do evento, e presente em todos os seus momentos.

Paralelamente a tudo isto, decorreram ainda dois dias de conferências e 3 semanas de um workshop. Este decorre ainda, até ao fim de Agosto, pelo que aguardamos as respostas encontradas por alunos de design vindos de todo o mundo, para questões de pertinência global.
As conferências, que não reuniram mais de 200 espectadores, na desactivada gráfica do jornal Politikens, dividiram-se em 4 sessões, em 2 dias. Partiu-se de uma tentativa de definição de um design centrado no indivíduo (user-centred design) e de um reconhecimento dos desafios globais mais prementes, para a questão do diálogo entre os chamados Primeiro e Terceiro Mundos. Aqui, é importante relembrar que a maioria dos designers a nível mundial dirigem os seus esforços, ou respondem a clientes, desenvolvendo produtos e serviços para somente 10% da população mundial – justamente, a mais rica. Na tarde do primeiro dia debateram-se sobretudo as necessidades dos restantes 90%, não negligenciando nunca o seu próprio poder criativo e empreendedor. A ideia do criativo vindo do privilegiado globo Norte e rumando ao Sul qual missionário, foi totalmente desconstruída. É tanto o que temos a aprender com os países ditos subdesenvolvidos, que qualquer forma de cooperação implica tanto dar, quanto receber, para ambas as partes. Com isto em mente, as sessões seguintes, onde se falou de “Inovação Radical”, “Design Profundo” e lógicas “multi-locais” (e não necessariamente “globais”) fluíram em direcção ao debate final – Where to take it from here?
É essencial debater, mas o urgente é agir.

Em azo de uma (quase inatingível) conclusão, ficou explícito que o futuro do design tomará formas imprevisíveis (“o designer de 2025 é provavelmente um miúdo de 12 anos com um Mac”), mas descritas consensualmente como passando por uma crescente multidisciplinaridade, uma ligação cada vez mais forte ao conceito, um compromisso cada vez mais enraizado com o tecido social, e uma flexibilidade e adaptabilidade cada vez maior exigidas ao designer profissional. Este, era descrito na projecção de muitos intervenientes quase como que um maestro, alguém que cria os instrumentos de criação. Alguém que projecta as estruturas que permitem a todos os outros projectar também.

O maior prémio de design do mundo:
A grandeza superlativa deste slogan refere-se sem dúvida aos 500 mil euros em prémios. No entanto, a verdadeira grandeza deste evento está na sua ambição, não raras vezes ingenuidade, frequentemente megalomania, mas indubitavelmente – inovação. Que é assim como quem diz, Design.


Joana Bértholo
Licenciada em Design de Comunicação pela Faculdade de Belas-Artes de Lisboa. Escreve e trabalha a partir de Berlim, na área de Design Social.



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