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O ESTADO DA ARTE


Performance, inserida em campanha de promoção do museu nacional da Holanda, Rijksmuseum, em centro comercial na cidade de Breda, Holanda, em 2013, para assinalar a reabertura após uma década de obras.

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O FUTURO DOS MUSEUS VISTO DO OUTRO LADO DO ATLÂNTICO

LUÍS RAPOSO

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Os museus constituem, como é sabido, um dos principais produtos emergente da Revolução Francesa. Correspondem à ideologia da “apropriação pelo povo” das antigas casa e colecções reais e senhoriais, até então acessíveis somente a “bons espíritos”, que se encontravam em gabinetes de curiosidades e saraus culturais. Não admira, por isso, que tenham sido invectivados pelos defensores ou simplesmente saudosos do Antigo Regime, que neles recriminavam a secura própria da descontextualização, a qual transformava antigos espaços de “ócio criativo” em meros depósitos inertes de coisas velhas. Antoine Quatremère de Quincy, um conhecido arqueólogo e arquitecto realista do final do século XVIII/primeira metade do século XIX, afirmava a propósito: “Não nos digam mais que as obras de Arte se conservam nesses depósitos [os museus]. Sim, vocês transportaram para lá a matéria; mas puderam transportar com ela o cortejo de sensações delicadas, profundas, melancólicas, sublimes ou tocantes que as envolviam. Puderam transferir para os vossos armazéns esse conjunto de ideias e de relações que originava um interesse tão vivo sobre as obras do cinzel e do pincel? Todos esses objectos perderam o seu efeito, perdendo o seu motivo.”


Existe portanto na definição de museu, e desde a origem, um sentido cidadão, uma intenção de partilha cívica. Tal encontra-se expresso hoje ainda na definição internacional adoptada pelo ICOM (Conselho Internacional dos Museus), de longe a mais usada em todo o mundo: “O museu é uma instituição permanente sem fins lucrativos, ao serviço da sociedade e do seu desenvolvimento, aberta ao público, que adquire, conserva, investiga, comunica e expõe o património material e imaterial da humanidade e do seu meio envolvente com fins de educação, estudo e deleite.”. Esta definição é comum à generalidade das legislações nacionais, com pequenas variantes. No nosso caso, a Lei-Quadro dos Museus Portugueses define museu como “instituição de carácter permanente, com ou sem personalidade jurídica, sem fins lucrativos, dotada de uma estrutura organizacional que lhe permite garantir um destino unitário a um conjunto de bens culturais e valorizá-los através da investigação, incorporação, inventário, documentação, conservação, interpretação, exposição e divulgação, com objectivos científicos, educativos e lúdicos; facultar acesso regular ao público e fomentar a democratização da cultura, a promoção da pessoa e o desenvolvimento da sociedade.” (Lei n.º 47/2004 de 19 de Agosto, art. 3º).


Salienta-se nestas definições a condição de ser o museu uma instituição sem fins lucrativos, visando finalidades de educação, estudo e deleite. E tal aplica-se a todos os museus, independentemente da sua propriedade, pública ou privada. Por isso, projectos comerciais, como os que visam a promoção de bens transacionáveis (caso dos produtos de consumo, seja o presunto, em Madrid, o uísque, em Dublin, o pão, em Ceia, ou a cerveja, em Lisboa, Praga, Munique, entre outras…) ou a mera exploração comercial (caso dos diversos projectos baseados em dioramas ou “figuras de cera”), ainda que chamados de “museus”, não são como tal reconhecidos nem no plano internacional, nem no plano nacional.


Mas será isto compatível com a avassaladora mercantilização da vida social em que nos deixámos cair? Dito de outra forma: poderão os museus continuar a subsistir imunes às “leis do mercado”? E isto mais uma vez independentemente da sua natureza, pública ou privada. Porque, sendo privados, perguntar-se-á até que ponto poderá a pessoa ou entidade detentora suportar os respectivos custos, por mais que afirme apego àquilo que poderá chamar de “função social” (curioso conceito, como se a principal “função social” de qualquer empresa não fosse a de produzir bens e serviços nas melhores relações de qualidade/preço para o consumidor). Sendo públicos, porque com o avanço das ideologias liberais cada vez mais tenderão a ficar fora da reserva estrita das funções do Estado (lei e ordem, enquanto estas não forem, também elas, consideradas privatizáveis, como já aconteceu em séculos passados), convertendo-se em pesados fardos, politicamente insuportáveis.


Na Europa, a resposta a estas questões tem sido dada de forma muito desigual. Introduzem-se cada vez mais práticas mercantilistas nos museus, especialmente no plano da gestão, mas tal é feito frequentemente num clima de desconforto, para uns, e de chico-espertice, para outros, sem verdadeira reflexão estratégica sobre o lugar dos museus na sociedade. Se, como temos repetido em debates onde nos é dado falar, o objectivo principal dos museus, mormente dos museus públicos, fosse o de gerar receita (e note-se que nem sequer aqui escrevo, “gerar lucro”), facilmente “rebentariam” o mercado que lhes garante serviços. Ou alguém duvida que de que, possuindo os museus públicos as vantagens que decorrem dos espaços prestigiado que ocupam, das colecções singulares de que dispõem, e do saber-fazer acumulado em anos e décadas, poderiam, se tal fosse a orientação da sua gestão e lhes fosse dada autonomia bastante, disponibilizar programas educativos ou produtos de merchadising em melhores condições e mais baratos do que quaisquer agentes privados? A centragem dos museus na dimensão do serviço público, sem fins comerciais, muito menos lucrativos, constitui por isso a melhor aliança possível para o mercado que em torno deles gravita.


Mas… tudo muda, tudo está em estado de mudança (“ninguém pode banhar-se duas vezes na água do mesmo rio”, dizia Heráclito). E os museus já estão e serão cada vez mais chamados a introduzirem a dimensão da receita nas práticas da sua gestão – o que justifica observar com especial atenção aquilo que se passa e quais as perspectivas de futuro admitidas do outro lado do Atlântico, mais exactamente nos EUA, onde a maior parte dos museus são privados e de há muito incluem a questão da receita, e mesmo do lucro, na sua concepção institucional.


Curiosamente, também nos EUA, a condição “sem fins lucrativos” tem sido mantida, mas… não com nuances significativas e dentro de padrões de reflexão estratégica muitíssimo mais audaciosos do que os europeus – o que devemos ter por bom, se não resultar da audácia uma transfiguração tal que na realidade os museus o deixem de ser, para passarem a constituir meros negócios que pretendam acima de tudo, clara ou encapotadamente, proporcionar a satisfação do bem-estar de gestores pagos a preço de ouro e o retorno acccionista de quem neles invista.


Não podendo aqui fazer com o detalhe que seria necessário a análise do exemplo americano, socorremo-nos somente das reflexões e propostas sugeridas pelo Centro para o Futuro dos Museus, criado pela Aliança Americana de Museus, uma espécie de missão de reflexão (“think tank”), cujos relatórios anuais podem ser obtidos na Internet: http://www.aam-us.org/resources/center-for-the-future-of-museums. Trata-se de documentos muitíssimo sugestivos e com vincado sentido prático. Para cada tendência detectada, depois da mesma apresentada, pergunta-se sucessivamente “o que pode isto significar para a sociedade” e “para os museus”, e bem assim “o que podem os museus desejar fazer”, dando exemplo concretos de práticas já realizadas e sugerindo leituras de desenvolvimento. Encoraja-se a partilha de cópias dos relatórios tanto pelos membros das equipas dos museus como por todos os agentes (“players”) interessados, indo ao ponto de sugerir a realizado de “almoços de trabalho, onde se coloque o relatório na agenda das direcções”.


As tendências elencadas nos referidos relatórios constam da listagem incluída no final deste texto e deveriam ser analisadas em profundidade, uma a uma. Não sendo tal possível nesta ocasião, limitemo-nos a apontar algumas linhas de força:


- Recurso muito mais audacioso às novas tecnologias, presenciais e a distância. A chamada “Internet das coisas” e, em geral, todas as modalidades de digitalização e de “realidade aumentada” afiguram-se constituir avenidas amplas de inovação nos museus. Dois exemplos apenas: 1) A edição de catálogos ou simples brochuras com recurso a software livre que permite o desdobramento dos suportes impressos através do acesso a informação (imagem, vídeo, áudio) complementar que apenas terá como limite a capacidade imaginativa. 2) A substituição da loja tradicional por aquisição de códigos que permitam a impressão 3D de peças, em casa ou em centros de cópia, com qualidades que poderão ir da representação mais básica, de tamanho reduzida, sem grande detalhe e não colorida, até à reprodução fidedigna, em tamanho real ou grande formato, colorida, capaz de servir as mais exigentes finalidades, desde o “bibelot” decorativo a colocar em casa ou em átrio de hotel, até à peça educativa a usar em ambiente de sala de aula.


- Abertura aos chamados “não visitantes” e a novos ambientes sociais. Poderá aqui tratar-se de construir cidade (o museu passou a constituir peça central do chamado “renascimento urbano”), de ocupar a rua, seja no sentido literal (como recentemente fez o Museu Nacional de Arte Antiga, com réplicas de quadros colocados em paredes exteriores, em locais de grande movimentação pública), seja no sentido metafórico de marcar presença lá onde as pessoas estão… recintos desportivos, centros comerciais (sendo neste caso paradigmática a animação feita em 2013 pelo Rijksmuseum no centro comercial de Breda, a cem quilómetros de Amesterdão, com base num dos seus maiores ex libris, A Ronda da Noite, de Rembrandt, para promoção da reabertura ao público após cerca de uma década em obras; veja-se a notícia do jornal Publico sobre esta matéria: http://www.publico.pt/culturaipsilon/noticia/a-ronda-da-noite-ganhou-vida-e-saiu-do-museu-1590533). Mas poderá também tratar-se de reflectir melhor sobre os diversos públicos potenciais dos museus, como é oc aso da chamada “terceira idade”, cada vez mais numerosa, com maior qualidade de vida, alguma capacidade económica e enorme disponibilidade para programas de actividade, sob regimes como o do voluntariado.


- Enquadramentos institucionais mais dinâmicos e novos modelos de gestão. O percurso feito durante estes últimos da crise na Europa, e especialmente nos chamados “países periféricos”, como Portugal, surge aqui, aos olhos americanos, como algo de incompreensível. No nosso caso, os museus e em especial os museus de imediata tutela governativa, caminharam no sentido da muito maior burocratização de todos os procedimentos, da perda de autonomia corrente e estratégica, enfim da “vil e apaga tristeza” que secularmente nos caracteriza. Tudo do contrário se antevê como futuro do lado de lá do Atlântico: espera-se dos museus que sejam cada vez mais autónomos, devendo até começar a considerar como estruturante a capacidade de serem “lucrativos para o bem”. Em vez de se auto-conceberem, quando privados, como entidades afins das “associações sem fins lucrativos”, os museus poderão passar a constituir “empresas sociais” – algo que poderá ter cabimento na definição internacional de museu do ICOM, citada antes neste texto, na condição de as receitas ou lucros gerados servirem exclusivamente para suportar custos operacionais (incluído, quando for caso disso, a remuneração de capital investido) e programas de investimento, mas não apropriação privada sob a forma de retorno acionista.


- Reforço da “marca” museu. Ou seja, um certo back to basics, devendo desenganar-se aqueles que pensam estar o futuro dos museus numa espécie de deixarem de ser museus, transformando-se em galerias mais ou menos comerciais ou em lunaparques. Bem pelo contrário. Os museus deverão investir mais e mais na sua única e insubstituível diferença, sendo o que sempre foram: espaços de individualização, de recolhimento de cada um sobre si próprio, de contemplação (“templos de musas”)… de fazer devagar. Enfim, espaços de privacidade partilhada, locais onde “o que é meu, é teu”, sem que nenhum de nós perca a nossa irredutível individualidade.


Assim se concebe o futuro dos museus do outro lado do Atlântico. A questão da receita e do lucro, encontra-se ali envolvida em reflexão muito mais ampla, que de modo nenhum se subsume na mercantilização neoliberal da vida social, a que assistimos com frequência na Europa, sob impulso do deslumbramento da “cultura dos eventos”, que nem sequer novo-riquista consegue ser, porque não passa as mais das vezes de mera ostentação pobretana. Evoluamos, pois, aprofundemos nos nossos museus as práticas de gestão por objectivos, responsabilizemos e maior grau as suas direcções… mas demos-lhes as necessárias contrapartidas em matéria de autonomia estratégica. Não as mandemos pescar, quando nem canas nem anzóis possuem, porque as canas constituem reserva de chefias superiores e políticos de turno, sedentos de ficaram nas fotografias, e os anzóis, bom, os anzóis devem ser requisitados com antecedência de anos, ou meses no mínimo, sendo depois despachados, cabimentados e novamente despachados, antes de com imensa boa-vontade chegar onde fazem falta…


Ou faziam, porque entretanto já a maré do peixe terá passado.

 

Luís Raposo

 

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Anexo documental


Tendências para o futuro dos museus
(relatórios anuais do Observatório da Aliança Americana de Museus)

2012
- Agarrar a onda: A Internet permite um acréscimo massivo do número de voluntários, fazendo trabalho útil.
- Não mais sem fins lucrativos? Os ataques feitos ao sector sem fins lucrativos podem estimular estratégias alternativas para empresas sociais.
- Tomar conta da rua: Os encontros com as comunidades podem ter lugar para la das paredes dos museus.
- Financiamento altruísta: As novas formas de filantropia exploram o potencial dos recursos sociais em rede e das tecnologias partilhadas.
- Envelhecimento criativo: Uma população mais envelhecida introduz no museu novos desafios (de retenção e acesso) e novas oportunidades (visando a promoção da saúde, do bem-estar e da aprendizagem ao longo da vida).
- Mais do que real: A Realidade Aumentada proporciona novos meios para o museu melhorar a oferta tanto para visitantes como para não-visitantes.
- Uma nova era educativa: A paisagem educativa é reinventada, na razão directa em que os métodos de ensino formal são postos em dúvida.

2013
- Mudar a forma do dar: As tendências da filantropia para o futuro dos museus.
- Impressão 3D: A construção digital liberta a criatividade.
- A grande disrupção: As credenciais académicas dispersam-se cada vez mais: Poderão museus e edução formal vir a convergir?
- Quando as coisas dão resposta: Aparecimento das redes de objectos e dos espaços expectantes.
- Desligar para ligar de novo: Podem as pessoas desligar-se de um mundo hipercontectado?
- O renascimento urbano: O que significa para os museus?

2014
- Lucrativo para o bem: O aparecimento do empreendorismo social.
- Sinestesia: Experiências multissensoriais num mundo multissensorial.
- Um geyser de informação: Accionando o botão do mega-dados.
- Privacidade num mundo aberto: O que temos a esconder?
- O que é meu, é teu: A economia colaborativa de consumo.
- Robots! Estão as Rosie, Voltron, Bender e os seus parentes a ficar senhores de si mesmos?

2015
- A economia “aberta”: Enchendo a conduta dos dados
- Tudo é ético: Gerindo a moral dos mercados.
- Fazer pessoal: À medida de cada um.
- Uma maré crescente: Mudando a paisagem do risco.
- Tecnologia para usar: Quando ‘traga o seu aparelho’ significa camisolas e sapatos.
- Devagaaar: Mais vale uma tartaruga do que uma lebre.