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O PROFUNDO SIMBOLISMO POR DETRÁS DAS VELAS DE GERHARD RICHTER

2024-07-23




À primeira vista, as imagens das velas de Gerhard Richter parecem fotografias desfocadas. Na verdade, são pinturas meticulosamente elaboradas que conseguem recriar o efeito de uma câmara fotográfica fotografando o motivo ligeiramente desfocado. As velas de Richter – uma das quais, intitulada “Kerze”, vendida em 2011 por mais de 13 milhões de dólares – oscilam entre a realidade e a ilusão, a objetividade e a subjetividade, não muito diferente de como o artista passou a sua juventude na Alemanha Oriental, encravado entre a Europa capitalista e a Rússia comunista.

Richter, hoje um dos artistas contemporâneos de maior sucesso do planeta, nasceu em 1932 em Dresden, sete anos antes do início da Segunda Guerra Mundial. Começou a desenhar aos 15 anos, frequentando uma escola de artes na Alemanha de Leste, onde a sua formação estava impregnada de Realismo Socialista, um movimento artístico representativo que promovia a ideologia do Partido Comunista.

Embora os seus primeiros projectos – incluindo um mural para o Deutsches Hygienemuseum – tenham sido bem recebidos, Richter viu-se insatisfeito com o Realismo Socialista, que considerava sufocar a criatividade dos artistas. Igualmente crítico do capitalismo e do consumismo, passou a adolescência à procura daquilo a que a “Contemporary Art Issue” chama de “terceira via”.

Tal caminho abriu-se-lhe quando, depois de se mudar para a Alemanha Ocidental com a sua mulher, Richter encontrou o trabalho abstrato de Jackson Pollock e Lucio Fontana e fez amizade com os pintores alemães Sigmar Polke, Blinky Palermo e Konrad Fischer. Voltando as lentes de julgamento do Realismo Socialista para a sociedade ocidental, Richter produziu pinturas e fotografias que comentavam os media, a atualidade e a cultura popular, com televisões, anúncios e políticos a emergirem como alguns dos seus temas favoritos.

Esbatendo os limites entre os seus dois meios, Richter afastou-se da abstração e começou a criar pinturas fotorrealistas. Queria conseguir com um pincel o que já conseguia fazer com uma câmara: captar a realidade tal como ela é, livre de preconceitos históricos ou pessoais. Surgiram dois novos temas favoritos, ambos inspirados nas pinturas vanitas dos séculos XVI e XVII, naturezas-mortas com um subtexto moral: caveiras e velas.

As velas passaram a ocupar um lugar especialmente importante na obra de Richter, com o também artista e historiador de arte alemão Hubertus Butin a chegar ao ponto de dizer que “nenhum motivo de natureza morta foi objeto de tanto fascínio”.

Como o próprio Richter explicou numa colecção de escritos, entrevistas e cartas: “As velas sempre foram um símbolo importante para [a Alemanha de Leste], como um protesto silencioso contra o regime… foi uma sensação estranha ver que uma pequena imagem de velas se estava a transformar em algo completamente diferente, algo que eu nunca tinha pretendido. Porque, enquanto a pintava, não tinha esse significado inequívoco nem pretendia ser algo semelhante a um quadro de rua. Isso como que fugiu de mim e tornou-se algo sobre o qual eu já não tinha controlo: Experimentei sentimentos relacionados com a contemplação, a recordação, o silêncio e a morte”.

E a popularidade duradoura das pinturas de Richter sobre velas pode ser parcialmente atribuída a uma parceria de 1988 com a banda americana Sonic Youth, que usou uma pintura de 1983 como capa do seu álbum “Daydream Nation”. Desde então, a chama nunca diminuiu.


Fonte: Artnet News