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EXPOSIÇÕES ATUAIS


Ana Mata, Janus, 2024. Acrílico e óleo s/madeira, 20x30. Cortesia da artista.


Ana Mata, Sem título, 2021. Óleo s/tela, 53x74. Cortesia da artista.


Ana Mata, Sem título, 2024. Acrílico e óleo s/tela, 120x207. Cortesia da artista.


Ana Mata, Ãris, mensageira, 2022. Acrílico e óleo s/alumínio 14x24. Cortesia da artista.


Ana Mata, Alea Jacta Est, 2024. Óleo s/tela, 29x46,3. Cortesia da artista.


Ana Mata, Sem título, 2021. Óleo s/alumínio 12,5x17,5. Cortesia da artista.


Ana Mata, Sem título, 2023. Acrílico e óleo s/tela, 95x65. Cortesia da artista.


Ana Mata, Natureza Barroca (audácia), 2024. Acrílico e óleo s/tela 31,5x33. Cortesia da artista.


Ana Mata, Natureza Barroca (Geisha), 2023. Acrílico e óleo s/tela 36x34. Cortesia da artista.


Ana Mata, Sem Título, 2023. Acrílico e óleo s/tela, 33x30. Cortesia da artista.


Ana Mata, Carta de Florença 1, 2024. Ãgua-forte. Cortesia da artista.


Ana Mata, Cartas de Florença 4, 2024. Ãgua-forte. Cortesia da artista.

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Galerie Max Hetzler, Berlim
CONSTANÇA BABO

ARQUIVO:


ANA MATA

NINFAS E FAUNOS




GALERIA 111
R. Dr. João Soares, 5B
1600-060 Lisboa

14 SET - 02 NOV 2024

Feedback da imagem fotográfica para um jardim alegórico: ensaio sobre a pintura de Ana Mata

 

 

 

“A natureza que fala à câmara é diferente da que fala aos olhos. Diferente sobretudo porque a um espaço consciente explorado pelo homem se substitui um espaço em que ele penetrou inconscientemente.”

Walter Benjamin, Pequena História da Fotografia (1931)

 

 

Perante a exposição “Ninfas e Faunos”, o espectador atento percebe estar diante de uma pequena história dos usos da fotografia na cultura visual. São as imagens que sugerem uma reflexão sobre a natureza das técnicas que a pintura de Ana Mata eloquentemente materializa. Recorrendo à projeção fotográfica, Ana Mata cria um ciclo de retroalimentação onde a imagem técnica é reinterpretada pela mão humana — ou “desrealizada” a pincel, como o comenta Bernardo Pinto de Almeida, curador da exposição. A artista atua como um sistema de controle, ajustando e filtrando a imagem projetada numa interpretação pictórica que incorpora elementos da precisão mecânica da fotografia e da expressividade subjetiva da pintura, um sistema de feedback onde o output (pintura) é providenciado pelo input (fotografia) num ciclo contínuo.

O flare, a assinatura da lente, surge ocasionalmente revelando a presença física da fotografia na imagem pintada — é disso exemplo Íris, a Mensageira, mas também na paragem operada ao fio de água que corre no banho de Alea Jacta Est, ainda na captação do instantâneo no corpo que flutua citando Ofélia, nos ângulos incomuns motivados pelo enquadramento fotográfico num sótão, ou porque a fotografia permite entender melhor a luz em ambientes pouco iluminados — decorrente das configurações do ISO, do jogo entre a abertura e velocidade, da composição técnica da iluminação e na relevação, quer seja em software ou no laboratório). O conceito alemão Entwicklung presta-se bem no seu duplo significado: no revelado enquanto processo e na revelação da enquanto fenómeno.

 

Ana Mata, Sem título, 2022-24. Acrílico e óleo s/tela, 240x180.

 

E Ana Mata joga assim com a fotografia duplamente: enquanto imagem-prévia à pintura e enquanto imagem-auxiliar da reprodução manual — atualizando-se no dispositivo-pictórico projetor-pintora-tela a imagem que um outro aparelho captou. Estão em causa regimes de visibilidade distintos: a projeção direta e a refração mediada.

A introdução da lente inaugurou uma nova epistemologia visual, marcada pela presença material do aparato na imagem criada. O fenómeno de lens flare — aquele fenómeno que entre outros manifestou a presença da fotografia na pintura de Ana Mata — ocorre em câmaras com lentes.

Nas câmaras com lentes a luz dispersa-se e refrata-se ao atravessar as camadas vítreas da objetiva — e, da orientação do seu polimento, produzem-se manchas de luz na imagem captada. Estes traços, os flares, são por isso indícios das materialidades do aparelho fotográfico. Devido à sua construção fundamentalmente diferente, estes vestígios não ocorrem em câmaras sem lentes. A câmara pin-hole abriga esta lógica porque a luz passa diretamente através do orifício, formando uma imagem que preserva a pureza da projeção lumínica.

Mas antes de estarem à disposição do fotógrafo, as técnicas ópticas estavam já à disposição do pintor. A câmara obscura, amplamente difundida no Renascimento (mas cujas primeiras referências remontam a Aristóteles, a textos chineses do século V a.C., ou à Idade Média quando o cientista árabe Alhazen lhe descreveu detalhadamente os princípios), assistiu grandes mestres da pintura como Vermeer ou Caravaggio; e a câmara lúcida, patenteada por William Hyde Wollaston em 1806, que auxiliou Ingres nos seus desenhos, mas também cientistas para uma ilustração mais precisa, antecipando assim a utilização científica da fotografia na forma como esta se oferece enquanto “duplo perfeito do real.” Mais recentemente, David Hockney tem-se dedicado extensivamente a esta pesquisa forense, i.e., a da origem da fotografia dentro da pintura, revelando uma profunda continuidade entre as técnicas pré-fotográficas e a origem da fotografia. Conhecedor sem pejo das técnicas que o auxiliam na sua obra, Hockney procurou pelos vestígios dos dispositivos ópticos na história da pintura. Há enigmas que se iluminam, enquanto outros se adensam.

Encontramos também estes vestígios históricos na representação das jarras com flores, de que destaco Natureza Barroca (audácia) e Natureza Barroca (Geisha). Tal como antes os mestres holandeses utilizavam a câmara obscura para capturar as stilleven da natureza, também Ana Mata emprega a projeção, lembrando a “vida quieta” de uma natureza que incessantemente se move — e a forma como a fotografia fixa esse inconsciente óptico, antes eternizado na pintura e nas ilustrações científicas com o auxílio da câmara obscura. E não é por acaso que tenha sido na Holanda que surgem as stilleven (origem holandesa mantida no alemão Stilleben ou em still life no inglês, mas que se degenera no termo francês nature morte): a Holanda era, no século XVII, um importante centro de fabrico de lentes — foi em 1608 que Johann Lippershey, um oculista holandês, pretendeu patentear um instrumento para ver coisas distantes como se estivessem muito próximas, “um brinquedo ótico” composto por uma lente ocular convexa e outra côncava, transformado pouco depois por Galileu num instrumento que revolucionaria a ciência.

Mas partir da reprodução fotográfica, surgida por volta dos anos de 1828-38, “a mão do pintor foi substituída pelos químicos.” [1] Ana Mata vem desordenar este processo, recuperando e reclamando o lugar do pintor na fixação da imagem captada fotograficamente.

A história de arte, de que Ana Mata é frequentadora apaixonada, dá conta das mutações na relação da arte com a técnica. A Renascença parece ser o momento celebrado, apreciável na coleção de águas-fortes a cor sanguínea onde a artista apresenta fragmentos dos mestres de Florença, e de como estas alegorias encontraram afinidades no formato livro — na forma como a gravura como meio de reprodução técnica antecede a reprodução mecanizada da arte. Aí, mas também em outros registos como no seu autorretrato, são os filamentos canónicos da história de arte que se oferecem ao presente como um torso híbrido de mitologias, mas sobretudo de técnicas.

Sabemos de Norbert Wiener como “o feedback é um método de controle de um sistema pela reintrodução, nele, dos resultados de seu desempenho pretérito.” A reintrodução da imagem técnica na máquina-humana faz então a fotografia retroalimentar (feedback) a linguagem dos sonhos em que as cores e as formas fotográficas, mas também históricas, são poeticamente pinceladas pela pintora. Num contínuo feedback da imagem fotográfica para um jardim alegórico, são as ninfas e os faunos, na sua afinidade com paisagens e florestas, que parecem dar corpo a recordações há muito soterradas, mas onde a linguagem da pintura permite o indiscernível, aproximando-se dos estados oníricos do sonho e de vigília.

 

 

 


Catarina Patrício
Doutorada em Comunicação pela NOVA-FCSH, na especialidade Cultura Contemporânea e Novas Tecnologias, realizou estudos de Pós-Doutoramento na mesma faculdade. Artista Visual, formada em Pintura pela Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa e Mestre em Antropologia pela NOVA-FCSH, Catarina Patrício é Professora no Departamento de Cinema e Artes dos Media da ECATI, Universidade Lusófona, desde 2010. Investigadora integrada no CICANT, publica ensaios e expõe obra artística regularmente.

 

 


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Notas

[1] Cf. Hockney, David. Secret Knowledge: Rediscovering the Lost Techniques of the Old Masters. New York: Viking Studio, 2001.



CATARINA PATRÃCIO