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EXPOSIÇÕES ATUAIS


Vista da exposição Atravessar uma ponte em chamas, Berlinde De Bruyckere, 2023, MAC/CCB. © Mirjam Devriendt


Berlinde de Bruyckere, Arcangelo I e II, 2022/23; Ao fundo, Quase parecia um lírio VII, 2018; col. Buggenhout De Bruyckere. © Marc Lenot


Berlinde de Bruyckere, Penthesilea II, 2014/15; cera, alumínio, ferro, epóxi. © Marc Lenot


Vista da exposição Atravessar uma ponte em chamas, Berlinde De Bruyckere, 2023, MAC/CCB. © Mirjam Devriendt


Berlinde de Bruyckere, Infinitum II, 2017/19; cera, vidro, ferro, madeira, têxtil, epóxi; col. Rigo Saitta. © Mirjam Devriendt


Berlinde de Bruyckere, Infinitum II, 2017/19 (detalhe); cera, vidro, ferro, madeira, têxtil, epóxi; col. Rigo Saitta. © Mirjam Devriendt


Vista da exposição Atravessar uma ponte em chamas, Berlinde De Bruyckere, 2023, MAC/CCB. © Mirjam Devriendt


Vista da exposição Atravessar uma ponte em chamas, Berlinde De Bruyckere, 2023, MAC/CCB. © Mirjam Devriendt


Vista da exposição Atravessar uma ponte em chamas, Berlinde De Bruyckere, 2023, MAC/CCB. © Mirjam Devriendt

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ARQUIVO:


BERLINDE DE BRUYCKERE

ATRAVESSAR UMA PONTE EM CHAMAS




MAC/CCB - MUSEU DE ARTE CONTEMPORÂNEA
Praça do Império
1449-003 Lisboa

28 OUT - 10 MAR 2024

Sexo e Morte: Berlinde de Bruyckere no Museu ex-Berado

 

 

Bom, vou levar uma palmada nos dedos, não devia dizer Berardo, deve ser dito Museu de Arte Contemporânea (do) Centro Cultural de Belém, ou MAC/CCB: um nome pouco original (existe já uma vintena de MAC no mundo, sem contar os MAK e os MCA) e difícil de pronunciar, ou memorizar (os outros são denominados de MACRO, MACBA, MAC VAL ou, mais simplesmente, MAC Niterói, etc.), com uma sigla algures entre Gmail e uma estação de metro. Joe Berardo é um empresário e colecionador português, que podemos comparar, pelo ar rebelde, a um Bernard Tapie que teria tido sucesso nos negócios, e pela marginalidade social a um François Pinault que sempre rejeitou integrar-se na “boa sociedade”. Ele constituiu uma coleção impressionante de arte moderna e contemporânea e construiu uma notoriedade mundial com o nome “Museu Berardo”, notoriedade que o MAC/CCB levará muito tempo a alcançar (como X substituindo Twitter). Mas na sequência de problemas financeiros (incluindo três noites na prisão) com bancos falidos e arrestos pelo Estado português, ele deve praticamente mil milhões de euros ao fisco português, que por conseguinte apreendeu 920 obras da sua colecção (eu simplifico o folhetim jurídico para os meus leitores não portugueses, obviamente). Os processos judiciais ainda não terminaram, mas o novo Museu acaba de ser inaugurado, apresentando 355 obras da coleção Berardo com 35 obras de duas outras coleções, uma, de um banqueiro escroque, igualmente apreendida, e outra constituída diretamente pelo Estado (mais 113 desenhos em depósito de uma coleção privada numa exposição particular). Isto permite, além disso, aproximações muito interessantes, por exemplo, para obras de Josef Kosuth e Vito Acconci. O problema é que, na véspera da inauguração, soubemos que Berardo acabava de adquirir, via um mecanismo jurídico complexo que não detalharei aqui, 214 obras da sua própria colecção que escaparão assim ao controlo do Estado, e que cerca de sessenta estão atualmente penduradas na exposição inaugural. Apressem-se para ir vê-las antes que elas sejam retiradas, depois mostradas num novo Museu Berardo...

Bom, falemos de arte: o MAC/CCB ex Berardo apresenta também uma exposição de Berlinde de Bruyckere (até 10 de março); apercebo-me que este blog tinha apenas três meses quando escrevi sobre ela pela primeira vez. Desta vez, nem cavalos, nem mulheres mortas, mas sempre um perfume de morte e sexo. Numa série de cinco salas muito altas, somos inicialmente recebidos por dois Arcanjos. Estranhos arcanjos sem asas dos quais apenas os pés emergem: sou eu o único a ver uma evocação de Abu Ghraib? Serão agora eles os arcanjos que torturamos e que matamos (como os anjos de Loth em Sodoma, ameaçados de violação)? Ecos do tratamento ocidental dos resistentes árabes (e encontramo-nos com a actualidade...)? Atrás deles, um enorme quadro pendurado na parede, feito de entranhas, de ossos e pele, que cria simultaneamente desejo e repulsa.

 

Berlinde de Bruyckere, Palindroom, 2019; cera, ferro, couro, chumbo, têxtil, epóxi. © Marc Lenot

 

A sala seguinte organiza-se em torno de uma grande escultura sobre uma base, na qual inicialmente acreditamos ver um duplo lingam sobre um cavalo de arções. Trata-se antes de evocar o que os criadores de garanhões nomeiam um fantasma, um artifício enganoso: uma falsa égua com vagina artificial aquecida e lubrificada na qual o cavalo ejaculará. Esta dualidade foi nomeada Palíndromo pela artista: não é um macho penetrante, mas uma fêmea penetrada. Na parede, coleiras de engate com formas vulvar impregnadas de excrementos diversos (o seu título significa “com uma pele delicada”). Se, como disse a artista, esta sua exposição é uma das mais marcadas pela sexualidade, vemo-la aqui animal, mas sobretudo decepcionante e falaciosa.

Na obscuridade, vemos em seguida um belíssimo Cranach com Salomé e a cabeça de Baptista (ainda e sempre, sexo e morte) diante do que parece ser uma série de falos enormes fossilizados sob sinos de vidro empoeirados. O Cranach é emprestado pelo MNAA, onde Bruyckere expõe em troca uma das suas peças, um anjo caído, na sala dos Zurbaran.

 

Berlinde De Bruyckere, Liggende — Arcangelo I, 2022–2023, MNAA. Cera, pelo de animal, têxteis, linho, zinco, madeira, ferro, epóxi. Cortesia da artista e Hauser & Wirth. © Mirjam Devriendt

 

Temos a seguir três Pentesileia, a partir da rainha das Amazonas morta por Aquiles (que se apaixonou por ela ao vê-la morrer), três peles ensanguentadas de um esfolado ao estilo de Marsias suspensas em escudos côncavos: aqui novamente um encontro entre sexo e morte, combinações de grandes lábios excitados e de epiderme sanguinolenta, uma vingança da rainha morta ao sexo sempre vivo, talvez (por outro lado, a referência à minha querida Madonna del Parto parece-me completamente incongruente).

 

Berlinde de Bruyckere, Aletheia (on-vergeten), 2019 (detalhe); cera, madeira, ferro, sal, epóxi; Fondation Sandretto Re Rebaudengo. © Mirjam Devriendt

 

Por fim, as acumulações de peles sobre paletes, cobertas de sal, entre as quais deambulamos sobre um solo também nevado. Aletheia, desvelamento, diz ela, ou não esquecimento. Uma transição da pele morta para o couro matéria prima, sem dúvida, mas acima de tudo esta acumulação macabra evoca uma vala comum, um genocídio (será ainda a actualidade que se impõe?) Se se trata aqui da relação com o outro, como anunciado, é uma relação tóxica, violenta. Thanatos levou a melhor sobre Eros.

 

 

Marc Lenot
É desde 2005 autor do blog Lunettes Rouges, publicado pelo jornal Le Monde. Em 2009 obteve o grau de Mestre com uma dissertação sobre o fotógrafo checo Miroslav Tichý, e em 2016 doutorou-se pela Universidade de Paris com uma tese sobre fotografia experimental contemporânea. Membro da AICA, venceu em 2014 o Prémio de Crítica de Arte AICA França, pela sua apresentação do trabalho da artista franco-equatoriana Estefanía Peñafiel Loaiza.



MARC LENOT