Links

O ESTADO DA ARTE


ARCOmadrid

Outros artigos:

2024-03-09


CAMINHOS NATURAIS DA ARTIFICIALIZAÇÃO: CUIDAR A MANIPULAÇÃO E ESMIUÇAR HÍPER OBJETOS DA BIO ARTE
 

2024-01-31


CRAGG ERECTUS
 

2023-12-27


MAC/CCB: O MUSEU DAS NOSSAS VIDAS
 

2023-11-25


'PRATICAR AS MÃOS É PRATICAR AS IDEIAS', OU O QUE É ISTO DO DESENHO? (AINDA)
 

2023-10-13


FOMOS AO MUSEU REAL DE BELAS ARTES DE ANTUÉRPIA
 

2023-09-12


VOYEURISMO MUSEOLÓGICO: UMA VISITA AO DEPOT NO MUSEU BOIJMANS VAN BEUNINGEN, EM ROTERDÃO
 

2023-08-10


TEHCHING HSIEH: HOW DO I EXPLAIN LIFE AND CHANGE IT INTO ART?
 

2023-07-10


BIENAL DE FOTOGRAFIA DO PORTO: REABILITAR A EMPATIA COMO UMA TECNOLOGIA DO OUTRO
 

2023-06-03


ARCOLISBOA, UMA FEIRA DE ARTE CONTEMPORÂNEA EM PERSPETIVA
 

2023-05-02


SOBRE A FOTOGRAFIA: POIVERT E SMITH
 

2023-03-24


ARTE CONTEMPORÂNEA E INFÂNCIA
 

2023-02-16


QUAL É O CINEMA QUE MORRE COM GODARD?
 

2023-01-20


TECNOLOGIAS MILLENIALS E PÚBLICO CONTEMPORÂNEO. REFLEXÕES SOBRE A EXPOSIÇÃO 'OCUPAÇÃO XILOGRÁFICA' NO SESC BIRIGUI EM SÃO PAULO
 

2022-12-20


VENEZA E A CELEBRAÇÃO DO AMOR
 

2022-11-17


FALAR DE DESENHO: TÃO DEPRESSA SE COMEÇA, COMO ACABA, COMO VOLTA A COMEÇAR
 

2022-10-07


ARTISTA COMO MEDIADOR. PRÁTICAS HORIZONTAIS NA ARTE E EDUCAÇÃO NO BRASIL
 

2022-08-29


19 DE AGOSTO, DIA MUNDIAL DA FOTOGRAFIA
 

2022-07-31


A CULTURA NÃO ESTÁ FORA DA GUERRA, É UM CAMPO DE BATALHA
 

2022-06-30


ARTE DIGITAL E CIRCUITOS ONLINE
 

2022-05-29


MULHERES, VAMPIROS E OUTRAS CRIATURAS QUE REINAM
 

2022-04-29


EGÍDIO ÁLVARO (1937-2020). ‘LEMBRAR O FUTURO: ARQUIVO DE PERFORMANCES’
 

2022-03-27


PRATICA ARTÍSTICA TRANSDISCIPLINAR: A INVESTIGAÇÃO NAS ARTES
 

2022-02-26


OS HÁBITOS CULTURAIS… DAS ORGANIZAÇÕES CULTURAIS PORTUGUESAS
 

2022-01-27


ESPERANÇA SIGNIFICA MAIS DO QUE OPTIMISMO
 

2021-12-26


ESCOLA DE PROCRASTINAÇÃO, UM ESTUDO
 

2021-11-26


ARTE = CAPITAL
 

2021-10-30


MARLENE DUMAS ENTRE IMPRESSIONISTAS, ROMÂNTICOS E SUMÉRIOS
 

2021-09-25


'A QUE SOA O SISTEMA QUANDO LHE DAMOS OUVIDOS'
 

2021-08-16


MULHERES ARTISTAS: O PARADOXO PORTUGUÊS
 

2021-06-29


VIVER NUMA REALIDADE PÓS-HUMANA: CIÊNCIA, ARTE E ‘OUTRAMENTOS’
 

2021-05-24


FRESTAS, UMA TRIENAL PROJETADA EM COLETIVIDADE. ENTREVISTA COM DIANE LINA E BEATRIZ LEMOS
 

2021-04-23


30 ANOS DO KW
 

2021-03-06


A QUESTÃO INDÍGENA NA ARTE. UM CAMINHO A PERCORRER
 

2021-01-30


DUAS EXPOSIÇÕES NO PORTO E MUITOS ARQUIVOS SOBRE A CIDADE
 

2020-12-29


TEORIA DE UM BIG BANG CULTURAL PÓS-CONTEMPORÂNEO - PARTE II
 

2020-11-29


11ª BIENAL DE BERLIM
 

2020-10-27


CRITICAL ZONES - OBSERVATORIES FOR EARTHLY POLITICS
 

2020-09-29


NICOLE BRENEZ - CINEMA REVISITED
 

2020-08-26


MENSAGENS REVOLUCIONÁRIAS DE UM TEMPO PERDIDO
 

2020-07-16


LIÇÕES DE MARINA ABRAMOVIC
 

2020-06-10


FRAGMENTOS DO PARAÍSO
 

2020-05-11


TEORIA DE UM BIG BANG CULTURAL PÓS-CONTEMPORÂNEO
 

2020-04-24


QUE MUSEUS DEPOIS DA PANDEMIA?
 

2020-03-24


FUCKIN’ GLOBO 2020 NAS ZONAS DE DESCONFORTO
 

2020-02-21


ELECTRIC: UMA EXPOSIÇÃO DE REALIDADE VIRTUAL NO MUSEU DE SERRALVES
 

2020-01-07


SEMANA DE ARTE DE MIAMI VIA ART BASEL MIAMI BEACH: UMA EXPERIÊNCIA MAIS OU MENOS ESTÉTICA
 

2019-11-12


36º PANORAMA DA ARTE BRASILEIRA
 

2019-10-06


PARAÍSO PERDIDO
 

2019-08-22


VIVER E MORRER À LUZ DAS VELAS
 

2019-07-15


NO MODELO NEGRO, O OLHAR DO ARTISTA BRANCO
 

2019-04-16


MICHAEL BIBERSTEIN: A ARTE E A ETERNIDADE!
 

2019-03-14


JOSÉ MAÇÃS DE CARVALHO – O JOGO DO INDIZÍVEL
 

2019-02-08


A IDENTIDADE ENTRE SEXO E PODER
 

2018-12-20


@MIAMIARTWEEK - O FUTURO AGENDADO NO ÉDEN DA ARTE CONTEMPORÂNEA
 

2018-11-17


EDUCAÇÃO SENTIMENTAL. A COLEÇÃO PINTO DA FONSECA
 

2018-10-09


PARTILHAMOS DA CRÍTICA À CENSURA, MAS PARTILHAMOS DA FALTA DE APOIO ÀS ARTES?
 

2018-09-06


O VIGÉSIMO ANIVERSÁRIO DA BIENAL DE BERLIM
 

2018-07-29


VISÕES DE UMA ESPANHA EXPANDIDA
 

2018-06-24


O OLHO DO FOTÓGRAFO TAMBÉM SOFRE DE CONJUNTIVITE, (UMA CONVERSA EM TORNO DO PROJECTO SPECTRUM)
 

2018-05-22


SP-ARTE/2018 E A DIFÍCIL TAREFA DE ESCOLHER O QUE VER
 

2018-04-12


NO CORAÇÂO DESTA TERRA
 

2018-03-09


ÁLVARO LAPA: NO TEMPO TODO
 

2018-02-08


SFMOMA SAN FRANCISCO MUSEUM OF MODERN ART: NARRATIVA DA CONTEMPORANEIDADE
 

2017-12-20


OS ARQUIVOS DA CARNE: TINO SEHGAL CONSTRUCTED SITUATIONS
 

2017-11-14


DA NATUREZA COLABORATIVA DA DANÇA E DO SEU ENSINO
 

2017-10-14


ARTE PARA TEMPOS INSTÁVEIS
 

2017-09-03


INSTAGRAM: CRIAÇÃO E O DISCURSO VIRTUAL – “TO BE, OR NOT TO BE” – O CASO DE CINDY SHERMAN
 

2017-07-26


CONDO: UM NOVO CONCEITO CONCORRENTE À TRADICIONAL FEIRA DE ARTE?
 

2017-06-30


"LEARNING FROM CAPITALISM"
 

2017-06-06


110.5 UM, 110.5 DOIS, 110.5 MILHÕES DE DÓLARES,… VENDIDO!
 

2017-05-18


INVISUALIDADE DA PINTURA – PARTE 2: "UMA HISTÓRIA DA VISÃO E DA CEGUEIRA"
 

2017-04-26


INVISUALIDADE DA PINTURA – PARTE 1: «O REAL É SEMPRE AQUILO QUE NÃO ESPERÁVAMOS»
 

2017-03-29


ALGUMAS REFLEXÕES SOBRE O CONCEITO CONTEMPORÂNEO DE FEIRA DE ARTE
 

2017-02-20


SOBRE AS TENDÊNCIAS DA ARTE ACTUAL EM ANGOLA: DA CRIAÇÃO AOS NOVOS CANAIS DE LEGITIMAÇÃO
 

2017-01-07


ARTLAND VERSUS DISNEYLAND
 

2016-12-15


VALORES DA ARTE CONTEMPORÂNEA: UMA CONVERSA COM JOSÉ CARLOS PEREIRA SOBRE A PUBLICAÇÃO DE O VALOR DA ARTE
 

2016-11-05


O VAZIO APOCALÍPTICO
 

2016-09-30


TELEPHONE WITHOUT A WIRE – PARTE 2
 

2016-08-25


TELEPHONE WITHOUT A WIRE – PARTE 1
 

2016-06-24


COLECCIONADORES NA ARCO LISBOA
 

2016-05-17


SONNABEND EM PORTUGAL
 

2016-04-18


COLECCIONADORES AMADORES E PROFISSIONAIS COLECCIONADORES (II)
 

2016-03-15


COLECCIONADORES AMADORES E PROFISSIONAIS COLECCIONADORES (I)
 

2016-02-11


FERNANDO AGUIAR: UM ARQUIVO POÉTICO
 

2016-01-06


JANEIRO 2016: SER COLECCIONADOR É…
 

2015-11-28


O FUTURO DOS MUSEUS VISTO DO OUTRO LADO DO ATLÂNTICO
 

2015-10-28


O FUTURO SEGUNDO CANDJA CANDJA
 

2015-09-17


PORQUE É QUE OS BLOCKBUSTERS DE MODA SÃO MAIS POPULARES QUE AS EXPOSIÇÕES DE ARTE, E O QUE É QUE PODEMOS DIZER SOBRE ISSO?
 

2015-08-18


OS DESAFIOS DO EFÉMERO: CONSERVAR A PERFORMANCE ART - PARTE 2
 

2015-07-29


OS DESAFIOS DO EFÉMERO: CONSERVAR A PERFORMANCE ART - PARTE 1
 

2015-06-06


O DESAFINADO RONDÒ ENWEZORIANO. “ALL THE WORLD´S FUTURES” - 56ª EXPOSIÇÃO INTERNACIONAL DE ARTE DE VENEZA
 

2015-05-13


A 56ª BIENAL DE VENEZA DE OKWUI ENWEZOR É SOMBRIA, TRISTE E FEIA
 

2015-04-08


A TUMULTUOSA FERTILIDADE DO HORIZONTE
 

2015-03-04


OS MUSEUS, A CRISE E COMO SAIR DELA
 

2015-02-09


GUIDO GUIDI: CARLO SCARPA. TÚMULO BRION
 

2015-01-13


IDEIAS CAPITAIS? OLHANDO EM FRENTE PARA A BIENAL DE VENEZA
 

2014-12-02


FUNDAÇÃO LOUIS VUITTON
 

2014-10-21


UM CONTEMPORÂNEO ENTRE-SERRAS
 

2014-09-22


OS NOSSOS SONHOS NÃO CABEM NAS VOSSAS URNAS: Quando a arte entra pela vida adentro - Parte II
 

2014-09-03


OS NOSSOS SONHOS NÃO CABEM NAS VOSSAS URNAS: Quando a arte entra pela vida adentro – Parte I
 

2014-07-16


ARTISTS' FILM BIENNIAL
 

2014-06-18


PARA UMA INGENUIDADE VOLUNTÁRIA: ERNESTO DE SOUSA E A ARTE POPULAR
 

2014-05-16


AI WEIWEI E A DESTRUIÇÃO DA ARTE
 

2014-04-17


QUAL É A UTILIDADE? MUSEUS ASSUMEM PRÁTICA SOCIAL
 

2014-03-13


A ECONOMIA DOS MUSEUS E DOS PARQUES TEMÁTICOS, NA AMÉRICA E NA “VELHA EUROPA”
 

2014-02-13


É LEGAL? ARTISTA FINALMENTE BATE FOTÓGRAFO
 

2014-01-06


CHOICES
 

2013-09-24


PAIXÃO, FICÇÃO E DINHEIRO SEGUNDO ALAIN BADIOU
 

2013-08-13


VENEZA OU A GEOPOLÍTICA DA ARTE
 

2013-07-10


O BOOM ATUAL DOS NEGÓCIOS DE ARTE NO BRASIL
 

2013-05-06


TRABALHAR EM ARTE
 

2013-03-11


A OBRA DE ARTE, O SISTEMA E OS SEUS DONOS: META-ANÁLISE EM TRÊS TEMPOS (III)
 

2013-02-12


A OBRA DE ARTE, O SISTEMA E OS SEUS DONOS: META-ANÁLISE EM TRÊS TEMPOS (II)
 

2013-01-07


A OBRA DE ARTE, O SISTEMA E OS SEUS DONOS. META-ANÁLISE EM TRÊS TEMPOS (I)
 

2012-11-12


ATENÇÃO: RISCO DE AMNÉSIA
 

2012-10-07


MANIFESTO PARA O DESIGN PORTUGUÊS
 

2012-06-12


MUSEUS, DESAFIOS E CRISE (II)


 

2012-05-16


MUSEUS, DESAFIOS E CRISE (I)
 

2012-02-06


A OBRA DE ARTE NA ERA DA SUA REPRODUTIBILIDADE DIGITAL (III - conclusão)
 

2012-01-04


A OBRA DE ARTE NA ERA DA SUA REPRODUTIBILIDADE DIGITAL (II)
 

2011-12-07


PARAR E PENSAR...NO MUNDO DA ARTE
 

2011-04-04


A OBRA DE ARTE NA ERA DA SUA REPRODUTIBILIDADE DIGITAL (I)
 

2010-10-29


O BURACO NEGRO
 

2010-04-13


MUSEUS PÚBLICOS, DOMÍNIO PRIVADO?
 

2010-03-11


MUSEUS – UMA ESTRATÉGIA, ENFIM
 

2009-11-11


UMA NOVA MINISTRA
 

2009-04-17


A SÍNDROME DOS COCHES
 

2009-02-17


O FOLHETIM DE VENEZA
 

2008-11-25


VANITAS
 

2008-09-15


GOSTO E OSTENTAÇÃO
 

2008-08-05


CRÍTICO EXCELENTÍSSIMO II – O DISCURSO NO PODER
 

2008-06-30


CRÍTICO EXCELENTÍSSIMO I
 

2008-05-21


ARTE DO ESTADO?
 

2008-04-17


A GULBENKIAN, “EM REMODELAÇÃO”
 

2008-03-24


O QUE FAZ CORRER SERRALVES?
 

2008-02-20


UM MINISTRO, ÓBICES E POSSIBILIDADES
 

2008-01-21


DEZ PONTOS SOBRE O MUSEU BERARDO
 

2007-12-17


O NEGÓCIO DO HERMITAGE
 

2007-11-15


ICONOLOGIA OFICIAL
 

2007-10-15


O CASO MNAA OU O SERVILISMO EXEMPLAR
 

A OBRA DE ARTE, O SISTEMA E OS SEUS DONOS: META-ANÁLISE EM TRÊS TEMPOS (II)

PAULO CUNHA E SILVA

2013-02-12




2º Tempo: O Sistema


Mas o que é “O Sistema”? (o Sistema das Artes, pergunta que deixava aberta no primeiro texto).

Admitimos à partida que uma obra de arte deixou de ser só a experiência da transcendência do mundo, para ser um encontro com a sua emanência. Mais, com a sua evidência. Todavia ela é, também, um mediador da brutalidade deste encontro. Mas creio que só um momento (um tempo) romântico é que a conseguiu resgatar para esse limbo etéreo em que imaginávamos que ela sempre tinha vivido.

Com efeito, se nos aproximarmos de todas os períodos históricos, a convivência da arte com o sistema sempre foi condição essencial para a sua sobrevivência. Miguel Ângelo não teria existido sem o alto patrocínio dos Medici, uma rica família de comerciantes florentinos, para quem a continuidade da relação entre arte e dinheiro sempre foi muito clara e até despudorada. E que hoje conhecemos pela cândida designação de mecenato que vai buscar o étimo a Caio Mecenas, Conselheiro de Otávio Augusto e patrocinador das artes. Mesmo quando Miguel Ângelo vem para Roma, convocado pelo Papa e fugido dos Medici, essa relação de continuidade do triângulo, arte, dinheiro e poder, ou de outra forma, arte, economia e política, sempre existiu.

Ou que tipo de relação era aquela que existia entre Wagner (o expoente total do romantismo) e Luís II da Baviera? O exercício absoluto da prática prescrita por esse triângulo. Mas aqui na situação talvez inversa, a de que o manipulador, o motor de funcionamento do triângulo era o artista que descobria na fragilidade do poder o seu poder.

É claro que a nostalgia com que habitualmente olhamos para trás, desenquadra a obra do momento. Mas se o fizermos, vemos que o que alterou a suas condições de subjectivação (da obra de arte) não foi o controle do sistema, nem mesmo a reprodutibilidade tecnológica (para evocar Walter Benjamin), mas a deslocação do seu estatuto para a esfera do autor.

O autor/o artista só é o configurador do “aspecto do mundo se o sistema o aceitar. Nesse sentido e aí, aproximo-me da formulação: “o artista coloca-se (ou melhor, é colocado) entre a política e a arte”. E economia.

Houve recentemente em Portugal, um conjunto de episódios, que me dispenso de avaliar em termos da sua consistência ética que colocam em cima da mesa com pertinência o que estamos a discutir.

Com efeito, aconteceu a uma escala política inusitada há muito tempo, um curto-circuito entre o artista e o poder (político). Devo dizer, para esclarecer qualquer conflito de interesses que sou amigo do artista e que o aprecio. Com efeito, na primeira página de um jornal semanário (considerado de referência), reproduziam-se declarações de um ministro, que não era da cultura, dizendo que o (ou a) artista em causa era “do melhor que há no mundo”.

Há muito tempo, pelo menos desde António Ferro e do seu Secretariado de Propaganda Nacional, não se assistia a este curto-circuito, a esta intimidade entre arte e poder, sem mediador.

Com efeito, Ferro dirigia aquilo que designou num divertidíssimo oxímoro, como “política do espírito”, de acordo com um muito articulado e bem montado sistema de propaganda. Na altura não existia nem Ministério da Cultura, nem Secretaria de Estado. Mas Ferro era uma espécie de híper-secretário que controlava a disseminação da propaganda envolvendo vários Ministérios: além do da Instrução também o do Interior numa coabitação que, estava-se mesmo a ver, não ia gerar nada de muito são.

Aliás, e faço um parêntesis para alargar o horizonte político da análise, nos governos Sócrates, houve uma excentricidade no sentido da geografia política também dar preponderância cultural ao Ministério da Economia e Inovação mesmo relativamente à influência pessoal que o então Ministro tinha sobre a então Ministra, chegando-se ao extremo paradoxal de esse ministério se constituir como estrutura programadora de eventos, como esse de nome esdrúxulo, “Allgarve”, por exemplo.

Mas regresso a A. Ferro, depois da Economia de Sócrates, para dizer que a estrutura transversal, a que depois se chamou, num talvez lapso freudiano, SNI, Sistema Nacional de Informação, era o embrião daquilo que nunca mais se conseguiu fazer em termos de disseminação das políticas culturais pelos vários ministérios no sentido do reforço do seu orçamento. Falo naturalmente da bondade morfológica e organizativa de uma estrutura com essa capacidade de interlocução, porque as políticas culturais são comuns a vários ministérios, e denunciando a intencionalidade negativa e perversa do mesmo.

Tudo isto para citar esse case study curioso da artista que se vê legitimada pelo poder político com a mesma intensidade com que se vê desvalorizada, e causando grande desconforto, no sistema da arte nacional, no tal carrossel de interesses e pequenos (ou talvez não) tráficos. E para adensar ou encurtar este curto-circuito, uns dias depois das declarações desse ministro, o então Secretário de Estado da Cultura, nomeia-a nossa representante em Veneza. Tanto quanto me lembre é a primeira vez que um artista é nomeado para representante oficial na mostra mais importante das artes sem a mediação de um comissário. O comissário neste caso foi nomeado depois, e naturalmente, ou i-naturalmente, aceitou.

O que se passou com esta artista é um caso muito curioso. Ela conseguiu escapar aos mecanismo de legitimação oficiais, ou oficiosos, nacionais, e através de uma gestão de carreira muito bem feita, conseguiu passar a imagem de uma forte empatia. Ou seja, não sendo a artista do sistema, passou a ser a artista do regime. Provocando uma curiosa descontinuidade entre regime e sistema. Como é que isto funciona? Através de um processo micro-macro. Estamos perante uma artista com forte impacto popular, as suas obras são processos de dessubjectivação rápidos, mas extremamente eficazes. E com a capacidade de associar a esse impacto popular a ideia de um certo reconhecimento internacional (que não pode ser escamoteado). Patrocinado, sistemicamente, por um grande colecionador francês.

Mas não podemos estar com devaneios. Esta artista é neste momento o artista português que melhor joga a dimensão multitask (para usar um termo moderno) da arte contemporânea. E penso (sem ser cínico) que num contexto como a Bienal de Veneza será porventura a nossa melhor representante do ponto de vista da chamada de atenção que uma operação de marketing (no tempo do António Ferro dizia-se propaganda) como é esta mostra, exige.

Veneza é a última prova do campeonato de Fórmula 1 da arte contemporânea, o último Grand Prix. Como a Fórmula 1, tem o seu circo, com os seus fãs mais ou menos exóticos. Não ir a Veneza é não existir. E não falo só dos artistas, como não falaria só dos corredores. Falo do sistema que aqui se estende não só aos agentes enunciados atrás, mas também aos colecionadores, ou às simples borboletas ou colibris que esvoaçam em torno da flor potente desse imenso “atractor estranho” (strange atractor) que é a arte contemporânea.

É claro que é mais exclusivo ir à Documenta de Kassel (que ainda por cima só acontece de cinco em cinco anos) e não tem representações nacionais, portanto escolhas politicamente condicionáveis. Tem um curador que distribui as propostas artísticas pela cidade, em torno de um tema, mas com uma grande vontade percursora. Mas Kassel não é um circo, é mais um convento, um lugar de meditação em torno da arte. Não tem o iate do Abramovich (o mais caro do mundo) às portas dos Giardini. Como se arte lhe merecesse o mesmo entusiasmo que o Chelsea.

Registe-se que a sua namorada russa, a do Roman, não a do Cristiano, é uma das mais importantes galeristas russas e ele próprio está disposto a pagar mais por um Jeff Koons do que pelo passe do Ronaldo (quase). De resto na Arte como no Futebol, diz-se comprei um Messi, como comprei um Kuitca, para falar de dois artistas argentinos (omite-se obra e passe).

Mas também é mais exclusivo ir a Bayreuth que ao Festival de Salzburg para os amantes da interpretação clássica (até porque Bayreuth é monotonal, só dedicado a Wagner (que era pluritonal) e só consumido pelos wagnerianos, um grande circo, mas muito unido na singularidade da devoção lírica) ou ir, no caso do cinema ao Festival Sundance em Utah do que ao Fantasporto.

Ou ainda, e para fazer uma dobra performativa, é mais importante ir a Avignon do que ao Fitei, para continuar na autopunição toponímica (do meu Porto).

Voltando às artes e aos seus mercados mais assumidos, Veneza é um mercado dissimulado, mas é como as auction weeks de Londres e Nova Iorque, um lugar onde se fazem preços e ratificam artistas, de uma forma ou de outra.

É claro que os verdadeiros mercados, os declarados, são as feiras em que as obras estão expostas como num supermercado sofisticado, pensemos no club gourmet do Corte Inglês. Mas mesmo aqui há uma hierarquia. A ARCO (em Madrid) não é a mesma coisa que a Art Basel, ou Miami Basel, a sucursal quase equatorial desta primeira para os novos dinheiros da América Latina, ainda em solo norte-americano todavia, noblesse oblige.

Se é fácil a um galerista participar na ARCO é muito difícil entrar em Basel. Habitualmente só uma galeria portuguesa o consegue. A Arco é um bodo, cada vez mais caro todavia, em que chegavam a participar entre 15 a 20 galerias portuguesas.

É aqui, nas feiras, que esta expressão ganha sentido: “a arte tornou-se um ruído consumido de forma compulsiva na busca da próxima novidade.” A experiência de uma feira de arte é, como todos sabemos, uma experiência que só tem paralelo na ida um grande superfície de distribuição.

De resto, uma feira é isto, uma grande superfície de distribuição. E o sistema, não a enjeita, pelo contrário é convidado a participar em múltiplas mesas-redondas (e redundantes) em que críticos, curadores, colecionadores, diretores e beautiful people se prestam a uma cacofonia semelhante ao ruído de fundo da própria feira.


Paulo Cunha e Silva